Há quem pense, escreva e diga que Marcello Caetano é responsável pela sua própria queda e do regime em que se apoiava.
Perante a crescente onda esquerdista que invadiu Portugal nos anos sessenta, Marcello Caetano contemporizou demais com essas forças deletérias do regime e que acabaram por o derrubar em 1974, tomando as rédeas de um PREC inesperado.
Sendo esta tese apelativa para quem gosta de passar culpas, colocando nas vítimas a responsabilidade pelas ofensas sofridas, torna-se difícil de escrutinar se contextualizada no tempo e no modo.
Há contemporâneos de Marcello- até ministros do seu Governo, como Joaquim Silva Pinto- que preferem essa explicação, eventualmente para não assumirem traições pessoais aos que afeiçoaram e há os que não compreendem - é o meu caso- como é que em poucas semanas de 1974 se passou de uma situação política avessa a uma Esquerda totalitária, para uma outra no mínimo contemporizadora com tal solução política, adoptando a linguagem e até a doutrina dos que até pouco tempo antes eram perseguidos policialmente e presos por actividades subversivas contra o Estado.
Esta transição de mentalidades é um mistério, para mim, uma vez que não compreendo como foi possível em tão larga escala e sem obstáculos de oponentes credíveis, a passagem sem transição, de uma mentalidade autoritária ma non troppo, para uma ideologia totalitária sem barreiras.
Será que o que sucedeu em 1975 é explicável pelo que aconteceu entre 1978 e 1974? Não sei, francamente, mas tendo a pensar que não.
Porém, o regime em que Marcello Caetano vicejava afundou-se de motu proprio uma vez que se torna evidente que não teve ninguém à altura para o defender e ao longo das décadas desapareceram quase todas as pessoas que o poderiam fazer e nunca fizeram.
À parte um punhado de porrugueses que escreveu em jornais marginais e e livros lidos por uma minoria, como Manuel Maria Múrias, nunca apareceu alguém que tivesse a corajem suficiente para se impôr com argumentos sólidos e razoáveis à onda de propaganda comunista e esquerdista que invadiu o país logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Este mistério, que se prolonga há décadas, carece de ser desvendado.
Assim, para já fica aqui um artigo de Joaquim Silva Pinto publicado no i do passado 21 de Junho, sobre a escolha de Américo Tomás como presidente da República em reeleição que poderia não acontecer e que Marcello Caetano provocou.
Silva Pinto que hoje está próximo da esquerda do PS, tem por Marcello Caetano estima e consideração pessoal, reconhecendo-lhe virtudes e valores que não se coadunam com a habitual chancela de "fascista" que lhe aplicam os mais variados comentadores, turiferários do comunismo e tributários da Esquerda global.
Depois aparece Jaime Nogueira Pinto que no livro Portugal Os anos do Fim ( d.quixote, 2014), escrito no dealbar da Revolução e do PREC, em 1974-75, considera efectivamente que Marcello foi o seu próprio coveiro. JNP, ciente provavelmente do ditado quem muito se agacha o traseiro se lhe vê, parece crente da ideia que Marcello cedeu demasiado a uma Esquerda que o engoliu e provocou não só a queda do regime mas a sua transformação num regime de identidade oposta e tendencialmente totalitário.
Quem saberá dizer melhor?