Pacheco Pereira numa entrevista ao i de hoje discorre sobre
memórias arquivadas em papéis. O raciocínio é interessante para reflectir sobre
a natureza dessa mesma memória que assim fica arquivada.
Para além da anedota que é definir o “populismo” como a “hipervalorização
da expressão da opinião e do voto, subvalorizando-se o primado da lei e os
mecanismos democráticos”, o resto lê-se com algum interesse.
A confissão acerca do “hábito de guardar coisas” é
acompanhada de uma explicação racional dubitativa: é uma “luta contra o tempo”,
uma “permanente luta contra a erosão do tempo. Com a noção de que qualquer
pessoa de História sabe que isso é impossível”.
Não é só qualquer pessoa de História mas qualquer pessoa que
não seja totó, porque é do senso comum.
Porém, é a frase seguinte que suscita atenção particular: “
Mas que, de qualquer maneira pode ajudar a transportar uma memória colectiva
para além da geração que viveu os acontecimentos e isso é relevante”.
Ora que memória colectiva será esta? Quem interpreta a
memória colectiva imersa em documentos escritos, mormente papel de jornal?
Como não sou Historiador estou certo que o problema será
corriqueiro para quem estudou tal matéria e por isso questiono: quem é que
possui a chave-mestra para a interpretação de factos e acontecimentos do devir
histórico? Pacheco Pereira? Será, mas
com as suas idiossincrasias.
Quem lê ou ouve a interpretação que Pacheco Pereira ( e
outros porque no caso o indivíduo é apenas o exemplo) fica a conhecer a sua
interpretação particular e não a suposta “memória colectiva” cujo desiderato
propõe.
A “memória colectiva” se for alargada a todo um povo não
pode ficar circunscrita a um grupo que acaba por se reconhecer no retrato a
sépia, óleo ou fotográfico.
A sociedade, qualquer sociedade, não se reduz a um grupo e
muito menos a um grupo que viveu durante décadas na clandestinidade das opões
políticas fundamentais ou à margem dos valores comuns e mais gerais.
A nossa memórica
colectiva não é apenas a da Esquerda, entendida em modo geral, abrangendo por
isso toda a franja de oposição a um Estado Novo ou a um regime que tinha os
seus valores definidos numa Constituição de 1933 ou numa Concordata com a Santa
Sé.
A memória colectiva deve incluir essas pessoas, das quais
Pacheco Pereira faz parte e também as demais que são muitas e provavelmente em
maior número que aquele e não guardam o mesmo tipo de "memória colectiva" catalogada do modo apresentado pelos pachecos pereiras ( incluindo os rosas&flunsers e outros idiossincráticos da Esquerda).
Estas memórias ausentes faltam, por isso, no panorama que temos, em que a Esquerda que Pacheco representa, domina completamente o sistema de transmissão de conhecimentos e da tal "memória colectiva" truncada à mercê de uma visão parcelar do devir histórico.
Estas memórias ausentes faltam, por isso, no panorama que temos, em que a Esquerda que Pacheco representa, domina completamente o sistema de transmissão de conhecimentos e da tal "memória colectiva" truncada à mercê de uma visão parcelar do devir histórico.
A realidade histórica nacional nos primeiros setenta anos do
séc. XX não foi apenas a dos opositores à Igreja Católica ou dos opositores ao
regime de Salazar/Caetano. Foi também a dos apoiantes e as razões por que o
fizeram merecem igual destaque e atenção que evidentemente é esquecido por
Pacheco Pereira e outros ou completamente desvirtuado por interpretações erradas ou ignorantes da sua essência.
Um dos casos mais interessantes que se pode apresentar como exemplo foi citado por outro prócere da Esquerda triunfante. José Afonso, em entrevista à revista Cinéfilo ( que Pacheco com toda a certeza terá em arquivo) de 21 de Novembro de 1973 dizia algo que nunca mais vi alguém repetir, mencionar ou sequer perceber, nos media que temos nos últimos 40 anos: a mudança operada pelos mesmos media na mentalidade de um povo, em particular, a mudança de linguagem antiga, castiça e de sabedoria ancestral para uma nova, asséptica e desvirtuada de conhecimento.
Amputar uma memória histórica, como Pacheco e outros fazem, é truncar a realidade e
contar uma historieta de Portugal. Tem pouco interesse e vale pouco a pena ter um arquivo colossal para no final de contas ser usado apenas desse modo anquilosado.