quinta-feira, fevereiro 23, 2017

A "fuga da cadeia de Caxias" pelo Correio da Manhã



 O jornal CM continua hoje a saga do relato da fuga dos "cadastrados" de Caxias. A informação de hoje responde a algumas perguntas que ontem coloquei, designadamente saber se a PJ foi logo informada da fuga. Não foi. E explica que os "serviços prisionais" seguiram o "protocolo" que os manda avisar a PSP. Tal como aconteceu, com a comunicação para o 112. A comunicação por email só seguiu às 5:00 da manhã...quando os fugitivos já estariam em Espanha.

Ficou ainda  por responder a questão de saber se a PSP não sentiu obrigação de comunicar imediatamente à PJ e se o responsável pelo atendimento na PSP percebeu o que estava em causa. Infelizmente, "nem a PSP de Lisboa nem a Direcção Nacional responderam às questões" diz o CM.

Talvez as câmaras das portagens permitam ver o rosto dos fugitivos a gozar com esta inoperância da PSP e o seu director nacional se veja tentado a ponderar a sugestão formulada ontem pelo jornalista Eduardo Dâmaso...o qual aliás deveria também ponderar o que fazer acerca da notícia sobre o MDE ter sido emitido com intervenção do tribunal da Relação. Escrevem ( João Carlos Rodrigues) agora que afinal o tribunal competente ( para quê, afinal? Também não dizem) seria o juiz de turno do tribunal da comarca de Lisboa.

Quanto ao resto da informação acerca dos MDE, dos pedidos remetidos eventualmente à Interpol, para captura dos fugitivos, etc etc. nada de nada no CM. Ou não perceberam o assunto ou não estão interessados em informar.

Mas estão interessados em acusar e formular responsabilidades a esmo...não reparando na sua própria incompetência informativa.
O director-adjunto do jornal acha que houve incompetência no caso. Por ser ao fim de semana. Terá sido mesmo assim? E se não foi de quem será a incompetência?
Por exemplo, na notícia ao lado da crónica aparece a menção ao "atraso da justiça" que contribuiu para a libertação de um "perigoso homicida italiano". Depois explica-se que de recurso em recurso e de reclamação em reclamação, o advogado do dito conseguiu esgotar o prazo máximo permitido por lei ( qual lei?) para o recluso se manter nessa situação, "os 150 dias em que podia ficar em preventiva". Não esclarece em função de quê ( MDE ou outro instrumento) e não explica se os "atrasos da justiça" o terão sido efectivamente por alguém deixar passar prazo devido ou apenas um atraso legislativo para contemplar situações destas.

Por isso, o jornalismo incompetente continua no Correio da Manhã e o seu director-adjunto continua lá  acusar os outros sem se ver ao espelho...


Esta pequena reflexão sobre o jornalismo do Correio da Manhã, em assuntos estritamente judiciários suscita ainda outro comentário a propósito desta crónica de Eduardo Dâmaso na revista Sábado de hoje. Que ninguém se iluda, porém, acerca da minha opinião sobre o jornalista Eduardo Dâmaso, no Correio da Manhã: um dos melhores, uma referência nestas matérias e que ainda conserva a "recta intenção".
Porém, este escrito merece uma apreciação.

Em primeiro, o controlo dos despachos de arquivamento do MºPº, pelos juízes. Não concordo nada com o que Dâmaso escreve por um motivo simples: nada adiantaria para evitar o efeito que julga ter ocorrido no caso Orlando Figueira. E porquê?

O inquérito que o magistrado Orlando Figueira tinha em mãos, no DCIAP respeitava a um crime de branqueamento de capitais em que era suspeito um indivíduo angolano, por acaso responsável pela Sonangol e um dos principais apaniguados do regime, tanto que acabou em vice-presidente do dito.

A questão de fundo que se colocava nesses inquéritos continua premente: o jacobinismo legal, processual, obriga a um inquérito sempre que há suspeitas de branqueamento de capitais, em consequência de comunicação de entidades bancárias e outras.

É sabido que este crime de branqueamento carece de averiguação relativamente a um crime que o sustenta e subjaz: ou corrupção, como poderia ser provavelmente o caso ou outro, fraude fiscal eventualmente.
Para o caso da corrupção onde teria ocorrido tal crime? Necessariamente em Angola. Esquecer que o regime angolano vive nesse meio e olvidar as denúncias de um Rafael Marques, públicas e notórias é puro jacobinismo e faz de conta que permite depois este tipo de situações dúbias e que resultou na desgraça de Orlando Figueira, deslumbrado por esse mundo que se lhe abriu à frente de uma crise económica, em 2011.

A pergunta a colocar ao DCIAP, à PGR e aos políticos da comissão de direitos, liberdades e garantias da AR, ao PR e a outras entidades é esta: alguma vez o poder judicial em Portugal poderia julgar actos de corrupção ocorridos no seio do Estado Angolano?

Se não, porque evidentemente a resposta é não, para quê investigar um crime de branqueamento de capitais que necessariamente nunca seria investigado devidamente?  Se houve alguém que responda a esta questão de forma lógica, racional e plausível, agradecia.

A investigação criminal, no DCIAP, a altas entidades angolanas por esse crime específico é inútil, perigosa, estúpida até. Alguém diga que estou enganado.

Alguém investiga Isabel dos Santos pelos seus investimentos em Portugal, fruto de eventual corrupção em Angola? Digam lá...se existe alguma diferença substancial entre o caso do actual vice de Angola e o da princesa de Luanda.

Então o que aconteceu no caso de Orlando Figueira foi o óbvio ululante: os inquéritos seriam para arquivar, necessariamente e toda a gente do MºPº sabia disso. Foi um faz de conta próximo da prevaricação, penso eu de que.

O controlo hierárquico desses arquivamentos, se existiu no MºPº, no caso por Cândida de Almeida teve isso em conta, como qualquer juiz que pudesse sindicar tal arquivamento poderia e deveria fazer. Nenhuma diferença neste caso e também não se percebe a opção sugerida por Eduardo Dâmaso que traz mais inconvenientes do que vantagens. Aliás, neste tipo de crimes, até Eduardo Dâmaso poderia actualmente fazer intervir o juiz de instrução: constituía-se assistente e requeria abertura de instrução...

Porém a questão, aqui, é outra, bem mais relevante e esquecida por Dâmaso: a honorabilidade de um magistrado e a sua queda nas teias da corrupção não dependem desse controlo, necessariamente. Dependem essencialmente da pessoa do próprio magistrado. Da sua apetência para cair na tentação e na volubilidade de carácter que tal permitiu. Isso é insindicável hierarquicamente, seja por quem for.

O que Orlando Figueira fez, se é que fez mesmo ( mas os dinheiros recebidos e o timing do recebimento falarão por si) foi aproveitar um timing de arquivamento útil e favorável ao suspeito. Foi escrito já que o mesmo se preparava para ascender ao Governo de Angola em posto que agora ocupa, de vice-presidente. Um escândalo, mesmo fictício como era o do inquérito, mantido em águas de bacalhau, era-lhe prejudicial. Se o arquivamento foi por isso, a corrupção ocorreu para acto lícito...porque a decisão rápida de um processo não é passível de censura...

Mas...o que é que isto tem a ver com arquivamentos sindicados por juízes? Nada.

5 comentários:

Floribundus disse...

o mau estado do rectângulo no seu pior

para o FMI o 'creximinto' vai ser de 1,3%

morte lenta à monhé cada vez mais agressivo e a desviar-se da chuva com apoio da cumunicação xuxial

o governo parecer andar a monte

por mim colocava-o em 'cachias'

Terry Malloy disse...

Não será exactamente assim, quanto ao chamado "crime precedente" do crime de branqueamento de capitais.

A lei prevê, expressamente, que a vantagem patrimonial que se procura dissimular provenha de um "facto ilícito típico" referente a um catálogo (art. 368-A, n.º 1 do código penal), e não de um facto ilícito típico punível - isto é, o facto não tem de ser punível, nomeadamente por não-aplicabilidade da lei penal portuguesa no espaço.

Há, inclusive, jurisprudência clara sobre o tema, como o acórdão do STJ de 11.06.2014, o qual diz textualmente:

"A punição pelo crime de branqueamento tem lugar ainda que os factos que integram a infracção subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da prática do facto.

Ultrapassada a definição do locus commissi delicti tradicional, é irrelevante o local do cometimento do crime precedente; a punição pelos crimes de branqueamento abrange expressamente os casos em que os factos que integram a infracção principal tenham sido praticados fora do território nacional ou se desconheça o local do seu cometimento.".


Repare que de outro modo o crime de branqueamento morria à nascença em todos os ordenamentos jurídicos do mundo: bastaria praticá-lo (colocar os capitais) noutro Estado diferente daquele em que se praticou o crime precedente.

Terry Malloy disse...

Este reparo para dizer que, ainda que seja, em tese, verdade que "o poder judicial em Portugal [não] poderia julgar actos de corrupção ocorridos no seio do Estado Angolano", tal não implica que não possa ser julgado o crime de branqueamento subsequente, se praticado em território nacional.

E coloca, no campo das hipóteses, o acto de arquivamento passível de ser qualificado como "acto ilícito" (contrário aos deveres da função), para efeitos de corrupção.

mr.vertigo disse...

José, não é de agora mas ando há anos a defender um regresso ao Código de 29, precisamente na parte que agora refere dos "arquivamentos sindicados por juízes".
Não seria a solução perfeita (que, como sabemos, não existe) mas evitar-se-iam os inúmeros atropelos a que assiste quem lida com isto no dia-a-dia...

josé disse...

O Código de 29 permitiu casos como o Dopa, no início dos anos oitenta...

Não me parece que tenha virtualidades superiores ao actual, nesse aspecto. Nem noutros.

O Noronha Nascimento também defendi tal solução...

O Público activista e relapso