terça-feira, fevereiro 28, 2017

Mistérios gozosos

Crónica de João Miguel Tavares no Público de hoje:


Síntese: a elite portuguesa e angolana é igualmente corrupta. A diferença é apenas questão de aparência derivada de uma maior hipocrisia da elite nacional.

Prova apresentada? O que passou nos anos se Sócrates e se espelha na "operação Marquês".

É tentador concluir desse modo perante evidências acerca do que ocorreu com o BES/GES, a CGD, o BCP e também BPN, reduzido entretanto a um minúsculo fait-divers, agora completamente esquecido pelos ps´s que enchiam a boca de bpn sempre que iam à televisão falar dos seus problemas. O BPN foi apenas um sintoma do que estava para vir. Em todos estes casos a questão é sempre a mesma: dinheiro aos milhões e à disposição de quem manda.

Em Angola e Portugal o problema tem apenas uma semelhança pontual ou é sistémico?

Em Angola,  o poder político participa no poder económico directamente através das suas elites que controlam as grandes empresas estatais, mormente as que exploram recursos naturais. Em resultado de tal promiscuidade, inequívoca e consentida no sistema, surgem novos-ricos entre a elite angolana, tal como surgem na actual Rússia, embora esta seja uma terra de czares e tradição cultural mais sofisticada.
Por cá não há disso.  Não há participações económicas directas, por sistema,  em negócios entre políticos de partidos no poder, banqueiros e empresários.
Mas existe outra forma de participação que se lhe assemelha e reproduz alguns efeitos perversos: empresários e banqueiros que carecem de decisões políticas favoráveis e se interligam através de amizades partidárias ou pessoais, num Portugal reduzido a poucas pessoas com poder e em empresas de grande dimensão em que o Estado participa, com apoios bancários. Foi o caso da EDP, da PT e da CGD, para não falar de outras GALP. E do BES/GES, privado e  que tentou dar um salto maior que a perna.

Um dos elos de ligação entre estas entidades com interesses paralelos e pontualmente convergentes  são os escritórios de advocacia do regime, bem sedimentados em pessoas que marcaram os primeiros anos de democracia e se filiaram oportunamente  em partidos moderados de bloco central. Muitos apoiaram os principais líderes da elite política, com destaque para presidentes da República e primeiros-ministros. Estão sempre nesse topo de elite e sabem que isso é essencial.
Outro elo importante de ligação é a rede dos media portugueses, com destaque para as televisões. Pela sua própria natureza tendem a olhar as árvores dos fenómenos mediáticos e escândalos politico-financeiros-criminais descurando uma floresta de enganos que encobre essa realidade. Os jornalistas encarcartados aprenderam com os que os antecederam nessas más práticas que entendem como exemplares da profissão. Poucos ( José Rodrigues dos Santos, por exemplo) escapam ao modelo e esses não contam para exemplo dos demais, assalariados precários dos tempos modernos e apaniguados que têm que obedecer ao dono.

Repare-se num exemplo perfeito vindo a lume no Sol desta semana e patrocinado estranhamente por um dos articulistas que costuma precisamente denunciar este estado de coisas (Dinis de Abreu):


Não há qualquer separação ética ou mesmo profissional nas actividades de um advogado como Proença de Carvalho, ele mesmo o disse, num contexto que não pode ser desviado apenas para o que lhe interessa.
Durante o tempo em que decorreram os factos agora averiguados na operação Marquês ainda sobrelevava outra circunstância nada despiciente: o poder judiciário do Ministério Público entregue a pessoas que consideravam aberta e publicamente não ser o país um país de corruptos. Ou seja, nada ter a ver com Angola e quejandos. Foram porém essas mesmas pessoas que evitaram in extremis investigações criminais a detentores do poder político como é o caso de José Sócrates. Fizeram-no por razões que apresentaram como juridicamente muito atendíveis mas que tresandam a anomia por todos os poros, para dizer o menos.

Por força de leis introduzidas a mascoto no nosso sistema jurídico-penal, vindas de instâncias europeias e derivadas do medo do terrorismo, passou a ser possível controlar em Portugal certos fluxos financeiros que dantes nem eram cheirados pelas entidades oficiais.
A legislação contra branqueamento de capitais é uma delas e teve efeitos devastadores entre esta elite manhosa e interligada que dantes se sentia a salvo de ataques insidiosos da justiça, com investigações concretas e precisas a determinadas operações bancárias.

Foi isso que sucedeu no caso das operações que envolveram figuras do Estado angolano e que agora desembocaram nos problemas que estão expostos e se reportam a mistérios gozosos.

A seguir se verão alguns dos aspectos destes mistérios gozosos.





2 comentários:

lusitânea disse...

Portanto Proença de Carvalho gosta muito de pretos, paneleiros e vendedores de droga que dão óscares mas do Trump nunca nunca nunca.Continua a pensar ir mais além...

josé disse...

Proença gosta essencialmente de uma coisa que se torna evidente...

O Público activista e relapso