quarta-feira, agosto 02, 2017

O receio de um "relatório dúbio" em Pedrógão

CM de hoje:


O presidente da República recebeu em audiência uma comissão da Associação de Familiares das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande.
Aparentemente a comissão, liderada por uma jurista que perdeu um filho de 5 anos no incêndio ( vi algures, a informação) foi tocar no ponto essencial do que interessa agora: apurar responsabilidades de modo competente, imparcial e implacável. Sabendo bem o que são os juristas e o modo como funcionam intelectualmente, a porta-voz disse que espera dos investigadores um trabalho independente e imparcial que lutem contra as "dificuldades ou forças contrárias ao apuramento da verdade".
Neste blog, desde as primeiras horas que a ideia principal foi essa: perceber o que se passou através das notícias vindas a público e pouco mais, de modo independente. Será possível entender o que aconteceu na tarde de Sábado, dia 17 de Junho, no triângulo Pedrógão-Castanheira de Pera-Figueiró dos Vinhos, particularmente nas vias de acesso a estas localidades, com destaque para a EN236-1?

As famílias das vítimas esperam agora que os investigadores sejam "guerreiros" porque aparentemente se defrontam com uma guerra e eu percebo-os muito bem e julgo que acertaram na mouche dos problemas.
Que combates terá essa guerra? Em primeiro lugar o do apuramento dos factos tal como ocorreram e não como alguns contaram, particularmente os que tinham o dever de evitar que ocorressem. Esses são suspeitos e com opinião a merecer muitas reservas.

De todos os intervenientes directos na tragédia, o que suscita maior atenção é o comandante dos bombeiros de Pedrógão, durante a tarde daquele Sábado, Augusto Arnaut. O depoimento que o mesmo prestou à tv ( RTP1, Sexta ás 9, o melhor programa de tv sobre o caso) foi de tal modo devastador para a sua competência que até me chocou ouvi-lo dizer que no momento em que soube do incêndio, nos primeiros minutos, tinha ao seu dispor  "uma viatura e cinco homens"...

Este indivíduo deve explicar duas ou três coisas: se tinha conhecimento da previsão concreta das condições meteorológicas para aquele dia, naquele local; se foi avisado do comunicado emitido pelo IPMA ou por alguém em relais, a avisar das condições adversas e propícias ao deflagrar de um incêndio com aquelas proporções e o que fez para resolver esse assunto, de acordo com as suas obrigações estritas que as tinha evidentemente e são as condições sine qua non para o implicar em responsabilidade penal por omissão, como garante de um resultado que não ocorreu por eventual negligência e que era o de evitar mortes e perdas de bens.

A resposta não deve merecer grandes dúvidas: soube ou não soube; fez ou não fez. E se fez, o que fez, de acordo com os seus conhecimentos, práticas, rotinas e costumes entre bombeiros.
Não deve haver qualquer tergiversação a propósito de magnitude extraordinária do acontecimento, de "downbursts", de rajadas de vento ou coisas assim que apenas servem para desviar o foco do essencial: o comandante dos bombeiros locais fez o que tinha a fazer na primeira hora do incêndio? Se não fez, permitiu por negligência o que aconteceu depois.
Depois há um segundo aspecto importante: após se conhecer a magnitude incontrolável do sinistro o que haveria a fazer, em concreto para proteger as pessoas e bens das freguesias que o incêndio rodeou e se sabia que era assim?
Os bombeiros e a protecção civil têm que saber o que se deve fazer. Sabiam? Se sim, quem mandava no terreno, nas horas que se seguiram até às 20:30 da noite de Sábado, para não irmos mais longe na "fita do tempo"?
Um dos elementos fulcrais para se conhecer o que se deveria saber era evidentemente quem via a progressão do incêndio ou dos incêndios, nessa altura já replicados, em tempo real. Quem estava melhor posicionado no terreno para tal? Evidentemente quem andava em cima, no ar. E é assim que segundo vários especialistas que já se pronunciaram publicamente deveria suceder: os pilotos dos meios aéreos deveriam informar as condições concretas da evolução do incêndio minuto a minuto, para os responsáveis ( bombeiros e protecção civil e ainda GNR) poderem actuar em conformidade. Alguém fez isso?

Se não fez, como aparentemente não terão feito é preciso saber quem é que poderia e deveria fazê-lo e não fez porque foram essas pessoas, concretamente que permitiram, por negligência que morresse tanta gente naquele incêndio.

São estas as questões fundamentais que suscitam a atenção das famílias das vítimas e são as suas respostas que deverão ser tão claras que não deixem a mínima dúvida seja a quem for, de que o relatório final, do Ministério Público, não será "dúbio".

É o mínimo que se espera de uma magistratura que tem neste caso um ponto de honra fundamental para a sua credibilidade. Maior que no caso Sócrates.

E julgo que será isso que as famílias das vítimas esperam e foram manifestar ontem ao presidente da República.
65 mortos, pelo menos,  por força de incompetência e desleixo dos poderes públicos, são um grito que não pode ser calado com dúvidas e ao mesmo tempo não devem impor um qualquer bode expiatório para calar as mesmas dúvidas.
O que se pede ao Ministério Público é algo sumamente importante e difícil:  ser o órgão do Estado, autónomo e suficientemente independente para mostrar quem fez o quê, o que deveria fazer e não fez e quem pode ser responsável por isso. E fazê-lo de tal forma clara e simples que qualquer leigo entenda. 

Exige-se ao Ministério Público que sejam os melhores, os mais competentes e mais capazes a lidar com esta  situação. Não apenas os que têm classificações de mérito burocrático mas os que sabem realmente do assunto e conseguem apurar a verdade com mestria e competência e imparcialidade isenta de qualquer dúvida.
Mais que qualquer inspecção a verificar se foi colocada a vírgula nos despachos ou se dos mesmos "evolam" conhecimentos jurídicos de fundo e de forma, este caso será o meio mais completo de sindicância da competência e da categoria profissional de quem o dirige. 

Questuber! Mais um escândalo!