domingo, fevereiro 19, 2017

Um carácter não se muda...

Crónica de VPV hoje no Observador, a propósito de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República e que intitulou "o mestre da encrenca":

Quem conheceu Marcelo nestes quarenta anos de democracia com certeza não se espanta com a encrenca que ele agora arranjou com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças. Onde ele pode baralhar as coisas, baralha – pelo prazer, por impulso, porque a sua natureza o impede de se calar, quando devia ficar calado, ou de falar quando devia falar. Com vinte anos, foi o “lélé da cuca” e a “vichyssoise”. Depois vieram outras mais graves, menos graves, numa sucessão irresistível até à Presidência da República, onde ele tem finalmente a oportunidade de exercer o seu talento e consolar o espírito. Mesmo na televisão os comentários dele eram sempre sobre a habilidade de cada um para enganar o próximo e o bom povo, a quem hoje ele inunda de “afecto”, num espectáculo pelo menos pouco sério. Há quem goste e há quem se desgoste. Não interessa. Se o elegeram, que o aturem.
De resto, Marcelo em parte não tem culpa. A espécie de sarilho em que desta vez se resolveu meter exige parceiros e ele descobriu dois com muitas possibilidades: Centeno e Costa. O jogo do diz que disse e que não disse, ou que disse e não pensou, ou que pensou e não disse, precisa de um certo treino e de uma certa vocação. Pena que o Estado e as finanças da ralé sofram com isso. E que a Presidência da República, como o parlamento e os partidos, caia no desprezo geral. Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco cometeram erros, consentiram abusos, mas nunca se arriscaram ao ridículo e as querelas pueris, a que o vivaz Marcelo diariamente se presta. A República pede por força um Presidente; e a nossa, com origem militar, deu a essa personagem um papel, aliás, pouco a pouco limitado, mas que, de qualquer maneira, ainda é excessivo e lhe permite uma ingerência constante na política partidária.
Com Marcelo em Belém não consigo conceber onde iremos parar. Ou consigo: iremos de encrenca em encrenca até ao desastre final.


Esta mesma crónica já tinha sido escrita há muitos anos noutra revista, no caso a Opção, em 19.8.1976, por Artur Portela Filho:

2 comentários:

Floribundus disse...

não me recordava do 'lélé da cuca' ou maluquinho

'o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita'

3 trapalhões atrapalhados

vai ser um sucesso

lusitânea disse...

E o Marcelo ainda tem a base aérea de Leiria para baptizar como Dr Álvaro Cunhal...

PS
O ex-delfim do dito Dr sempre quis ter um aeroporto lá para ficar mais perto de casa...e manda quem pode!

A obscenidade do jornalismo televisivo