Há 50 anos a esta parte passava no Rádio Clube Português, uma emissora privada ( os rádios privados foram nacionalizados só depois de 25 de Abril de 1974...), um programa que já vinha de 1 de Abril de 1965.
Esse programa foi chamado de Em Órbita, nome cuja origem não se especifica mas pode ter a ver com a então conquista do espaço sideral, em curso nos EUA e URSS e que culminou com a Apollo 11 em 1969, a pousar no solo lunar.
O programa passava então música popular de expressão exclusivamente anglo-saxónica e concentrada no rock e pop, sem atenção particular ao jazz ou a músicas populares de outras paragens.
Era um programa feito por jovens, quase todos estudantes do ensino superior e que levavam muito a sério as escolhas musicais que então faziam. Achavam mesmo que tais escolhas tinham uma função social , com destaque para a "música inglesa" que era "baseada em ideias, numa sociedade diferente, com necessidades diferentes, com uma juventude diferente, também de preocupações diferentes." E também com atenção "a indivíduos cujo inconformismo, cuja novidade são ataques frontais às sociedades de que são simultaneamente consequência e causa."
Portanto, um programa de causas e naturalmente de esquerda porque que era esse já o ar to tempo da segunda metade dos anos sessenta, ainda em plena época de Salazar...
Quem quiser saber quase tudo sobre o programa pode ver este fabuloso blog, Notas Passadas, de referências musicais desse tempo e que retrata muito bem o ambiente musical da juventude desse tempo que também foi o meu, embora mais a partir dos anos setenta.
O Em Órbita, neste formato pop, terminou em 31 de Maio de 1971, como relata o jornal Disco Música & Moda nº 10, de Junho desse ano ( cópia da imagem tirada desse blog) e foi a partir dessa altura que comecei a dar maior atenção a esse tipo de música, até hoje.
A revista Século Ilustrado de 14.1.1967, pertencente ao Século e então dirigida por Francisco Mata reportou em algumas páginas o que era tal programa, num artigo assinado por Ruben Tristão de Carvalho, provavelmente já comunista nessa altura...e o paradoxo é que tais programas de rádio nunca passariam ou seriam permitidos nos países de Leste, precisamente aqueles que tinham um regime que os ditos comunistas queriam imitar por cá.
A dado momento na entrevista, um dos autores do programa - Diogo Saraiva e Sousa- ( por onde andará e o que fará?) dizia que "não conhecemos nenhum programa, mesmo na rádio estrangeira, do mesmo tipo", o que significa que em 1965-67 estávamos a par do que de melhor se fazia "lá fora" em música popular.
Quem aposta em acantonar o regime de então a um beco de obscurantismo e atraso, tem aqui uma bela ocasião para meditar se não deveria estar calado a esse respeito.