sexta-feira, maio 29, 2009

A crise do jornalismo português

No Público de ontem, sobre o novo caso Alexandra, Ana Cristina Pereira escreve na página 6 uma notícia-reportagem com o título: " Família estuda formas de manter laços com a criança".

No texto, quase todo dedicado às vicissitudes de uma viagem frustrada do "casal que criou a criança", a inclinação exclusiva é a favor do casal. Nem uma versão da família biológica, nem uma visão de imparcialidade, mesmo relativa. Nada.

Hoje, o mesmo jornal, a mesma jornalista destaca que “ Juiz admite que maus tratos a meninda não foram equacionados”, passando todo o texto de 3 colunas a argumentar contra a mãe da menor e a favor da pessoa idónea, no modo como escreve a notícia sobre a entrevista do juiz desembargador.

Uma vergonha de jornalismo que o editorial de José Manuel Fernandes, a fls.44 , por causa da intervenção vergonhosa da ERC no caso TVI, destaca ao citar o Estatuto do Jornalista na parte que diz ao jornalista para “ procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem.”

A jornalista Ana Cristina Pereira, simplesmente mandou às malvas a recomendação estatutária, querendo obviamente, nestes dois dias, provar um ponto de vista subjectivo: o de que a menor deveria ter sido entregue ao casal idóneo e portanto criticando a decisão do tribunal da Relação, erigindo-se em lutadora da causa moral que lhe parece.

Se a jornalista quiser defender isso, no papel de advogada de parte, que escreva uma coluna de opinião ou faça um blog...

O i de hoje trata o assunto de modo muito mais equilibrado, ao dar voz activa à mãe da criança, citando-a na primeira página e citando correctamente as declarações gravadas do juiz desembargador.

A reportagem de duas páginas, a fls. 20 e 21, do i vale a pena pelo equilíbrio da reportagem e notícia que cumpre integralmente os critérios do Estatuto do Jornalista.

A jornalista Kátia Catulo coloca-se a algumas milhas à frente daquela, na isenção e imparcialidade desejáveis. Parabéns e que sirva de exemplo à lutadora por causas dispensáveis no Público.

Aliás, não é a primeira vez que o i, nestes primeiros 20 números passa à frente do Público nestes assuntos e não só. O jornal tem vindo a revelar-se uma boa surpresa depois da inicial frustração. Mais bem feito nas primeiras páginas e melhor conduzido neste tipo de assuntos que o Público. A continuar assim, mudo de jornal.

O 24 Horas de hoje, nem vale a pena citar. O texto de duas colunas na pág. 7 assinado por João Nascimento insere-se na vergonha habitual que este jornal imprime todos os dias. A isenção, objectividade, imparcialidade e rigor jornalístico, no caso do 24 Horas é uma inexistência que nega o jornalismo todos os dias.

O Correio da Manhã de hoje, trata também o assunto em duas páginas, apresentando o desembargador com foto de primeira página e a citação do mesmo de que a menor “tem a mãe possível”, integrando a reportagem com o perfil “possível” do desembargador. Quanto à mãe verdadeira, a biológica, o retrato é pesado e escuro, também, o que denota outro tipo de jornalismo aparentado aos do costume. Porém, o jornal tenta ainda apresentar a Segurança Social como parceiro pensador do assunto e cita o vice-presidente da Relação de Guimarães, António Ribeiro, como tendo dado apoio ao relator do acórdão, acompanhando-o no encontro com a comunicação social.

Pelos vistos este encontro, permitiu apenas para certos jornais fazerem o circo habitual, já conhecido: citar parcialmente, não compreender o todo e manipular o que pretendem passar como informação.

Com a honrosa excepção do i, é este o jornalismo que temos. Em crise, grave e não apenas de vendas.

16 comentários:

Karocha disse...

Que queria José!
W. P. ???????

Diogo disse...

Absolutamente de acordo. Mais uma vez.

MARIA disse...

Em matérias como esta, capazes de envolver as pessoas por tocarem em aspectos fundamentais da sua essência e da comunidade, qualquer escrito por mais informativo que queira ser, é sempre um escrito de opinião.
Faz parte do humano tomar posição ou partido.
O problema é que como todos sabemos, numa sociedade há uma minoria capaz de formar opinião própria e ter em relação às dos demais uma posição construtivamente crítica.
E há a maioria que segue a que mais convence os inocentes, ou a que mais satisfaz os seus interesses, ou a que menos incomoda, ou a que pode trazer vantagem.
Há grupos profissionais, entre os quais, se contam a imprensa, que não deveriam emitir uma opinião como se fosse uma informação isenta.
Porque os leitores tomam essa opinião por uma informação verdadeira.
E tanto mais isso acontecerá quanto mais respeitada e considerada for a entidade em causa aos olhos desses seus leitores.
É como se gozassem de uma espécie de presunção de verdade relativamente ao que dizem.
Sucede que mesmo esses mais sérios meios de informação nem sempre dizem a verdade.
Dizem a sua verdade, em razão dos sentimentos que lhes desperta uma situação ou um facto.
Quem lê é que tem que Pensar e Ler com os olhos da razão e julgar sem pré juízo feito, de mente aberta e seriamente disposta a retirar do que lê, apenas informação, se possível, a verdadeira história.
É assim que me comporto em relação a qualquer história. Venha de onde vier, nunca me podem pedir para a ratificar de cruz como se fosse minha, sem que eu realmente em consciência assim o entenda.
Assim deveria ser com a imprensa e bem vistas as coisas, com tudo.

Saudações blogosféricas.

Maria.

Rebel disse...

Temo que a verdade não exista. aquilo a que chamamos "verdade", nesta como noutras matérias, é somente um ponto de vista sobre um objecto que inevitavelmente me escapa, por muito "objectivo" que tente ser.
Tenho a consciência de que aquilo sobre que me pronuncio são textos. Textos esses que vertem no papel pontos de vista de outros, que podem estar ou não enfeudados a nteresses.
O perigo destas coisas, tomadas deste ponto de vista é que se podem confundir com um cepticismo radical, onde nada vale a pena por saber que a verdade me está vedada. Mas não!
Essa condenação é algo contra a qual devemos lutar, ainda que saibamos que sairemos sempre derrotados dessa luta! É por isso que vale a pena não baixar os braços.
Prefiro, portanto, o texto confessamente parcial, sem preocupações de imparcialidade, do que aquele que proclama a imparcialidade e toma parte insidiosamente.
Há um livro que se verteu em filme ambos espantosos, do meu ponto de vista que ilustram bem esta minha "fraqueza". Chamam-se "Carandiru" e advertem leitor e espectador para o facto do que ali é expresso ser somente o ponto de vista dos presos. A outra parte não foi ouvida.
Essa é uma das razões porque muito gostei do que li e do que vi!

Rebel disse...

Moral da história:
Talvez tivéssemos um jornalismo português muito mais isento se as publicações "isentas" fossem proibidas. Paradoxal, não é?

josé disse...

Numa notícia ou reportagem deste género, publicada em jornal, o interesse devia surgir da informação a prestar ao leitor.

No caso, contar a história da menina que é filha de uma imigrante russa que por falta de condições de vida, a entrega ( voluntária ou involuntariamente) a outra família para tomar conta dela até um dia em que a mãe possa retomar a guarda da filha.

Para contar essa história não é preciso, nem desejável nem obrigatório, nem sequer aconselhável que se parte de um ponto de vista que se depreende logo à partida pelos títulos e frases do texto.

Esse partis-pris inquina tudo porque o jornalista quer fazer de guia de algo que não deve fazer, por muito que o pretenda e ache justificado.

Um jornalista decente e profissional até poderia dar um laivo da sua preferência numa frase ou numa observação mais capciosa, mas nunca por nunca deve fazer uma peça jornalística completamente tendenciosa e parcial.
Ainda que tenha razão, em casos como este é difícil ver de que lado está a razão.

Logo, o mínimo que o jornalista deve fazer, é mostrar o panorama todo, o mais completo possível, incluindo aquele que não lhe agrada mostrar.

Isto aplica-se neste caso como se aplica no Freeport como no da licenciatura como noutros.

josé disse...

Este tipo de jornalismo não tem de ser utópico. Basta ser estimulado pelas direcções de redacção.

Se eu fosse director de jornal, saberia muito bem como fazer.

josé disse...

NO caso Watergate, a história da reportagem contada em livro mostra isso mesmo: havia uma desconfiança à partida mas eram respeitadas certas regras do jornalismo.

E apesar de os jornalistas procurarem saber o que se tinha passado realmente, um deles, pelo menos, era votante no partido republicano.

Por cá, as preferências político partidárias dos jornalistas parecem determinar o sentido da sua objectividade: nulo.

Rebel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rebel disse...

A minha intervenção tem um âmbito mais geral e não pretendia restringir-se ao caso Alexandra ou outro qualquer. É discursão que faço é como que uma espécie de interseção de pormenores da antropologia, da gnoseologia e da filosofia da história. É que não há nenhum "geometral" a partir do qual eu tenha acesso à verdade, isto é, à totalidade do objecto.
Sobretudo, o que receio neste tipo de coisas é uma "alma sã e voluntariosa" que acabará por tomar a sua posição face ao objecto, dando-me a impressão de que está a ser objectivo, quando já captou a minha "simpatia".
Modernamente, em trabalhos académicos, como sabe, a primeira coisa que se faz é afirmar os objectivos do trabalho e os meios pelos quais se tenciona atingi-los. Isto para mitigar a carga subjectiva que o trabalho inevitavelmente conterá!
Depois, se os atinge ou chega a conclusões diametralmente opostas, ou é mesmo aporético, isso já será outra coisa!
O que gostaria que ficasse desta minha intervenção é o alerta para o perigo de tentarmos apresentarmo-nos como "objectivos", ou daquilo que nos é apresentado como tal.
Nada mais que isso!

josé disse...

Pois, percebo. Mas há um caminho de léguas epistemológicas entre a verdade objectivável nos factos conhecidos e naqueles que nos são dados a conhecer.

Eu, do jornalismo, prefiro que me apresentem factos. Quantos mais, melhor. Mesmo correndo o risco de serem apresentados de modo subjectivo, prefiro que mos apresentem todos os que são conhecidos.

Nos processos mediatizados é muito raro isso acontecer.

Tomemos o mais célebre, o Casa Pia: quem foi o jornal, rádio ou tv que apresentou objectivamente a versão dos ofendidos, recolhendo e mostranto os seus depoimentos e mostrando as circunstâncias por eles apresentadas?

Nenhum! Talvez a única excepção tenha sido a TVI e foi a partir daí que o caldo se entornou entre certos entalados. Viram o perigo a aproximar-se e a rondar as suas vidinhas confortáveis de farsantes.

Portanto, fartaram-se de nos mostrar, de entrevistar, de noticiar assuntos e factos relacionados com a defesa dos entalados.

Por mim, não pretendo que me revelem a verdade: mostrem-me apenas os factos todos que são conhecidos e de todos os lados e ângulos prováveis.
A Verdade esconde-se aí e não preciso, nesse caso, de quem ma apresente. Saberei reconhecê-la ou então saberei que não tem aquele rosto.

Rebel disse...

É uma posição respeitável, sem dúvida!
A mim fica-me sempre uma dúvida metodológica, que quando o não é, é metafísica!

zazie disse...

«que quando o não é, é matafísica»

Ora bem, temos aqui jaquilinária epistemológica.

":O?

Rebel disse...

Zazie:
eu não escrevi "matafísica", mas "metafísica! Hihi
Mas há-de explicar-me o que é jaquilinária, que já procurei até no José Pedro Machado e não consta a palavra. Só me falta mesmo o Moraes, mas não o tenho em casa.

zazie disse...

Não sabe o que são jaquilinárias

ehehe

zazie disse...

Devia ter procurado no Google que eu ainda não tive tempo de registar os meus neologismos

":OP