domingo, maio 17, 2009

Em defesa da Bela Vista


Na crónica de Fernanda Palma avulta ainda uma classificação do bairro como tendo uma "arquitectuta horrrorosa".

Ora bem. Talvez valha a pena colocar aqui uma entrevista publicada ontem no Expresso, ( acima, clicar para ler) ao arquitecto do bairro, José Charters de Almeida, acompanhada de uma foto de época ( meados dos anos setenta), logo que o bairro ficou construído ( em 1977, um ano e meio depois do projecto, o que é um record).

Depois de ler a entrevista e ver a foto vai ser preciso rever o conceito de "arquitectura horrorosa". Mas não só. Tal como se refere no intróito à entrevista, o bairro nasceu da concepção de uma equipa que integrou geógrafos, engenheiros e...sociólogos. E o bairro nasceu a pensar "nos operários da Setenave".

Portanto, o bairro da Bela Vista, segundo se pode ler e ver, é uma construção que parte de uma ideia humanista de convívio e solidariedade e até de proximidade decorrente da tal "inclusão social" que a cronista defende.
Na Bela Vista foi experimentado todo o humanismo que decorrem dos seus escritos, com o resultado à vista: feio. Horroroso, de facto, mas por motivos diversos da arquitectura de edifícios.

O horror, aqui, vem desses conceitos humanistas, insensatos e que preponderam há décadas...

15 comentários:

AM disse...

http://odesproposito.blogspot.com/2009/05/o-bairro-da-bela-vista-em-setubal.html

Ruvasa disse...

Viva, José!

Tive já oportunidade (várias) de dizer-lhe o quanto, por via de regra, estou de acordo consigo.

Quando estou em desacordo, porém, não me coíbo de lho dizer, frontalmente. Como entendo que deve ser.

Aqui, não estarei propriamente em acordo ou desacordo. Venho apenas convidá-lo a visitar o bairro da Bela Vista, em Setúbal, para in loco e mesmo abstraindo-se da porcaria circundante, o imaginar no momento em que foi tirada a foto que o Expresso publica. Para, assim, aquilatar da bondade ou maldade do projecto, sobre o qual poderia dizer algumas coisas, designadamente que, sem qualquer criatividade ou preocupação social real, seguiu a par e passo, os verdadeiros atentados à saúde mental e moral dos utentes, que se construíram igualmente nos States em determinada época e que foram o fulcro da miséria humana que a par e passo vemos retratadas em filmes e séries, quando não in situ.

Ora, para miséria, bastar-nos-ia a nossa, Dispensaríamos a cópia.

Cheguei a Setúbal, vindo de África, em Setembro de 1977. Aquilo, meu caro, foi sempre uma merda (desculpe o termo) e cada vez ficou pior. O tipo que imaginou tal aborto, deveria ter sido internado, sem saídas precárias

O homem não tem, pois, defesa que lhe valha.

Para provar o que digo, convido-o a visitar o bairro. Far-lhe-ei companhia.

Mais:
vou buscá-lo no meu carro onde quiser e, finda a visita, depois de um bom jantar que terei todo o gosto em lhe oferecer, levá-lo-ei de regresso. Não talvez muito bem instalado, pois que o carro é um Passat com já 7 anos, mas, enfim, se achar que é pouco, alugarei melhor em rent-a-car! Só não digo que o farei com todo o, prazer, porque não constitui qualquer prazer mostrar tal cretinice cometida na cidade e região do país que adoptei (além de outras, que terei todo o empenho em lhe mostrar, já que a Bela Vista não é única…), para não lhe chamar pior. Veremos igualmente a Che-Setúbal, logo à entrada da cidade, para quem vem de Lisboa pela A12, e o Casal das Figueiras, bem como a Reboreda. E ficaremos por aqui, não por falta de espectáculos. Por falta de estômago Vai sair horrorizado, mas… com o tempo, a gente habitua-se, sabe? Até que nos saia o “euromilhões” e nos mudemos para locais de dirigentes mais arejados. Vai ser difícil descobrir onde, bem o sei, mas, quando menos, sempre se tenta.

A cretinice de que lhe falei atrás – mais acertado seria chamar-lhe crime – foi construída, aliás, na parte mais airosa e, como o próprio nome indica, de belas vistas da cidade, inviabilizando a possibilidade de a “senhora dona Cambra” usar esses terrenos para aí fazer bom dinheiro que poderia ter aplicado em outros locais, com construções mais decentes para os pobrezinhos. Mas não, teria que ter sido ali, na melhor e mais salubre zona da cidade, para lá criar uma das mais insalubres, como convém, para não se perder o estatuto…

Quanto ao convite não podia estar a falar mais a sério. Aliás, já o fiz com outras pessoas, que ficaram elucidadas. Tentaremos mesmo visitar uma ou outra casa, para que melhor avalie.

E, deixe que o sossegue. O seu anonimato será mantido incólume.

Que me responde? Espero que aceite. Em modo privado, pode contactar-me através do email que está no meu blog, O Homem, produto de si próprio. E o António Balbino Caldeira sabe quem sou e dir-lhe-á que estará em segurança.

Entretanto, pode adianto-lhe estes links:

http://ruvasa2a.blogspot.com/2009/05/2176-o-bairro-da-bela-vista-e-outras.html

http://ruvasa2a.blogspot.com/2009/05/2179-tristeza-meus-caros-tristeza.html

http://ruvasa2a.blogspot.com/2009/05/2196-e-preciso-lata.html

Abraço

Ruben

josé disse...

Ruben:

Muito obrigado pelo convite e um dia destes aceito mesmo, com prazer de visitar, em função da companhia.

Porém,não será preciso tal para ficar elucidado. Basta passar no Porto e olhar para o bairro do Cerco ou outros.

Que lhe posso dizer, pois, para defesa do que pode ser indefensável?

Que esse bairro e outros foi arquitectado literalmente em 1975, na ebulição da Revolução em marcha.

Já agora um pormenor caricato: em Viana do Castelo há um mamarracho da mesma época construído com 13 andares quando só tinha verdadeira licença para 7 ou 8. A licença depois de algunas andanças foi suspensa, mas as obras continuaram até que estava todo em cima.
Em 1975 ou para aí, a Câmara local diligenciou pela demolição, pedindo ao governo de então a verba para indemnizar o proprietário.

Não lha deram porque era precisa para...bairros sociaos como esse da Bela Vista.

Por isso, Setúbal tem a Bela Vista e Viana tem a vista bela de um mamarracho conhecido como o prédio do Coutinho, pronto para ir abaixo e que só não vai porque os tribunais administrativos demoram muito a decidir...

E esta, hem?

josé disse...

Para além disso, leu a entrevista ao arquitecto Charters de Almeida?

Os arquitectos não gostam que lhes desfaçam as obras...

AM disse...

indemnizar um particular por obras clandestinas!? LOL... as coisas que se aprendem por aqui
e a "culpa" foi do "desvio" de verbas para os (malfadados) "bairros sociais"!?
não há dúvida que os "bairros sociais" têm as costas muito largas
sempre gostava de saber o "nome" desse seu bairro social de Viana do Castelo "como esse da Bela Vista"

quer saber de "pormenores caricatos" é comparar os "mamarachos" (sempre a mesma banalidade dos "lugares-comuns"...) do Polis de Viana com os "mamarachos" do Polis de Setúbal

uma última nota: os arquitectos estão mais do que habituados a que lhes "desfaçam" as obras, não "gostam" (se posso falar no plural) é que lhes "desfaçam" e deturpem as ideias

Ruvasa disse...

Viva, José!

O convite fica feito. Será um prazer e um desprazer, confiando euu que saiba destrinçar quais serão um e outro.

O pior de trudo é que o PREC de 1975 tem tido filhos e afilhados por todo este tempo que então poara cá decorreu. Em Set+ubal, então tem sido uma verdadeira hecatombe! Desde logo, a pior de todas para a cidade, que ficou sem o +unico acesso razo+avel que tinha para a sua baía. Criminosos, é o menos que se lhes pode chamar.

Quanto ao arquitecto (será ele o grande Arquitecto?), acha que valerá a pena perder tempo? Por mim, se tivesse poder, calava-o (e talvez a outros, por verem o axemplo) com uma depenada, obrigando-o a viver na ibra que congeminou por... três dias! Curava-se de imediato.

Se estivesse na pele do homem, asseguro-lhe que ficaria mudo e quedo no meu canto, na esperanmça de que ninguém se lembrasse do evento e do respectivo autor... Mas eles, ui...ui... são detentores da verdade única e da "artistividade" exclusiva. E ai de quem se atreve a criticar!

Olhe, que requiescat in pace, mas vivinho da costa e cheio de saúde para dar e vender, na companhia de todos quantos lhe são queridos, per omnia saecula saeculprum, amen!

É certo que o "Coutinho", que conheço, é um aborto, que assassina Viana. Mas a Bela Vista e outras belas vistas que tais!...

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
alma disse...

Se o Sr. Ruvasa sabe de alguém que queira vender um andar T1 ou T3 no bairro da bela vista no bloco 2 A :) agradeço-lhe o contacto !

Rebel disse...

Em 1986 dizia eu à minha mulher quando passava em Liboa por um desses bairros que estava a ser construído que aquilo seria um dos bairros da lata dos anos 2000. Se os arquitectos e os sociólogos, juntamente com os psicólogos tivessem o cuidado de ir a Liverpool ver os bairros que os operários ingleses na década de 60 se recusaram a habitar e por quê, saberiam que não é possível juntar tanta gente em tão pouco espaço, reinando ali a lei dos excluídos.
Essas pessoas teriam de ser dispersas pelos diversos parques habitacionais das cidades, de modo a não fortalecer o espírito de "bairro de lata" que era aquele que já muito legitimamente traziam. Compreendo que se eu não conto socialmente para umas coisas, não contarei para outras. Eis a génese do orgulhosamente à margem!

josé disse...

Para mim, o bairro da Bela Vista encerra a metáfora perfeita da Esquerda: o idealismo de engenheiros, arquitecto e sociólogo de Esquerda, construiram a obra.

A Realidade social mostro a utopia.

Tal como aconteceu nas sociedades do Leste.

É esta essência que a Esquerda nunca entenderá.

AM disse...

os arquitectos, engenheiros e sociologos que construiram a (sua) "metáfora perfeita" da bela vista, assim como outros muitos arquitectos, engenheiros e sociologos tão ou mais de "esquerda" que aqueles, construiram muitos outros bairros (ditos "sociais") onde a "questão" não se coloca (nem nuca se colocou) nos mesmos termos
saber porquê implicava querer saber porquê, e implicava pensar para além da "cassete" (que já cá faltava...) das (absurdas) comparações com as (arquitecturas das) "sociedades do leste"
a sua metáfora é tudo menos perfeita
tomar a parte pelo todo e embarcar em (banais) generalizações é apenas uma maneira de (cada um) enfiar a (sua) cabeça na areia e evitar aprender com a realidade
mas há coisas que quem insiste em "usar" as palavras (utopia, esquerda, etc) como quem mastiga pastilha elástica também nunca irá entender...

alma disse...

bairro ou não bairro social a verdade é que são todos humanos ! e atire a 1ª pedra quem não tiver má gente no seio da sua familia.

se algum senhor quiser vender o seu andar no bairro da bela vista estou à inteira disposição para negociar ...

josé disse...

AM:

Diga o que quiser, mas permita que explique o que entendo por Esquerda e utopia e idealismo, neste espaço de comentário simples:

Em 1975, a utopia era a construção do Homem Novo. Basta ler a entrevista do Charters de Almeida a explicar a ausência de divisórias nas varandas para entender o reflexo dessa utopia: facilitar o convívio entre as pessoas, pressupondo que todas devem partilhar os espaços que tendem a ser privados. A ideia de solidariedade e partilha, igualdade, nivelação do estatudo social, igualitarização das condições é uma ideia de Esquerda, quer V. queira ou não.

A arquitectura do bairro da Bela Vista foi alvo da atenção de...sociólogos! Bem gostaria de saber que sociologia aí entrou, mas adivinho que tenha sido aquela tipo Boaventura Sousa Santos. Na URSS havia sociologia? É o havias que isso é disciplina burguesa e lá não havia necessidade disso porque estavam a caminhar para a sociedade sem classes.

Portanto, no bairro, a utopia era a construção de uma comunidade segundo ideiais de Esquerda. Tanto mais que as habitações foram programadas para empregados da Setenave, á semelhança de outras que foram construídas por esse Portugal fora, por empresas públicas.

Mas enfim, está a dar na RTP o Adriano Moreira a dizer asneiras e apetece-me comentar.

Rebel disse...

José, Há já algum tempo que deixei de colocar as coisas nessa dicotomia que, em Portugal, deixou de fazer sentido. Já não quero saber se é de esquerda ou se é de direita. Só quero saber se é honesto ou não! Para retomar os termos em que coloca a questão, apenas direi que existem muito poucos de um lado e de outro!
Depois, também compreendo que os arquitectos se queiram defender. Afinal o projecto é feito a partir de directrizes que não são totalmente arquitectónicas. Há condicionantes de natureza sociológica, há condicionantes de natureza orçamental, espacial e sei lá que mais. Atirarmos tudo para cima dele será como no futebol atribuirmos as culpas dos golos sofridos aos guarda-redes. Quando é uma modalidade que tem onze elementos de cada lado.
Depois, há essa categoria da "culpa", tão cultivada pelos portugueses. Parece-me que em Portugal estamos sempre mais interessados em encontrar um culpado, do que em resolver um problema. Por vezes, parece-me que a descoberta do "culpado" dispensa a resolução do problema. Isso parece-me mais grave.

josé disse...

Não é bem assim. Hoje em dia a Esquerda ainda domina a inteligentsia, por causa desses dez anos de preponderância, até 1986.

Toda a gente dos jornais era de Esquerda nessa altura.

O primeiro que apareceu a escrever algo divergente foi João Carlos Espada no Semanário, nos anos oitenta.

Depois disso houve outros. Poucos. A minha ideia que passo sempre naquilo que escrevo é que temos de nos libertar dessas ideias base da Esquerda para se for necessário as...podermos repescar.

Mas é preciso ver o outro lado e é isso que nos negam constantemente, ainda hoje.

Portanto, o discurso não está ultrapassado, mas apenas em reciclagem.

Também eu acho que actualmente não h+a distinção entre esquerda e direita no campo político e se pusermos à margem o BE e o PCP.

Mas isso é diferente de achar, como acho que as ideias que nos orientam em vários domínios, são tributárias dessa Esquerda que nunca me canso de denunciar pelos erros que lhe encontro.

O Público activista e relapso