No blog Sine Die, Pedro Soares de Albergaria trata o assunto SMMP. E escreve assim:
Vê-se claramente como ao invés de reivindicações profissionais (as mais delas porventura legítimas), essa estrutura se ocupa, não raro, de comprometer a autoridade (sim, autoridade, não há que ter medo da palavra) do PGR e da “hierarquia”, que disso só já tem o nome. Com as devidas cautelas, pode dizer-se que “aquilo”, por dentro, devia ser uma “ordem” e não uma “democracia”. Agora não parece nem uma democracia e nem é uma ordem: é uma desordem instilada de fora.
Talvez seja tempo de saber para que serve um sindicato da magistratura. Para "reivindicações profissionais"? E cabem neste conceito reivindicações que honrem uma magistratura desonrada? Cabem neste conceito reivindicações de cariz cívico, mesmo político em tom geral? Caberão neste conceito apontamentos escritos em comunicado dirigidos à população em geral e onde se exprimam princípios esquecidos pela hierarquia do MP, bases programáticas do Estatuto dos magistrados do MP ou mesmo regras estritas de cumprimento obrigatório como sejam as decorrentes dos limites aos poderes directivos da hierarquia?
Das duas, uma: ou cabem ou não cabem. Se não couberem e apenas se aceitar um sindicato dos magistrados como se fora um sindicato de metalúrgicos em laboração na Autoeuropa, então estamos conversados sobre este conceito singular de sindicalismo judiciário.
Quem tem medo deste sindicalismo das magistraturas? Os que acham que a autoridade de um PGR é inatacável por um sindicato? Porquê, se o for com fundamento claro e compreensível e desprovido de agenda política? Alguém tem algo a opor, de modo sustentado?
Cunha Rodrigues, no tempo em que os políticos da altura e o sempre presente Proença de Carvalho o atacava soezmente, como agora o faz em relação ao sindicado dos magistrados do MP, dizia numa entrevista ao Expresso em 8.10.1994 ( Fernando Madrinha e Ana Paula Azevedo que colocaram perguntas sobre o problema que se mantém actualíssimo) que os magistrados não se devem calar e têm o direito e o dever de falar quando houver questões relacionadas com os Direitos do Homem, com a Justiça, com as liberdades ou com a independência dos tribunais. E disse-o citando uma recomendação da ONU nesse sentido.
E disse-o ainda na sequência da afirmação sobre o facto de que "nos últimos anos, a opinião pública teve a percepção de que havia iniciativas políticas que apareciam como resposta a actos ou decisões de magistrados".
Perante a inquirição dos jornalistas para dar um exemplo, Cunha Rodrigues respondeu que " não, porque penso até que não é especialmente grave. Mas em termos de aparência isso já aconteceu" e acrescentou então, respondendo à pergunta sobre se tais actos criam clima de crispação entre o poder político e a magistratura:
"Mais do que isso: legitimam-nos a nós, magistrados, para nos colocarmos numa posição de defesa, e para usarmos a palavra se necessário, em prol da independência dos tribunais".
Quão longe já ecoam estas palavras! Quão afastados destas ideias estão os magistrados de hoje, incluindo alguns que escrevem em blogs. Dá a impressão que em vez de uma evolução democrática e saudável se assiste a um retrocesso aos tempos do Estado Novo, da mordaça política ( é disso que se trata) e da repressão da liberdade de expressão e pensamento dos magistrados enquanto cidadãos. Se nem sequer aos sindicatos se autoriza tal discurso, onde vamos já nesta involução?
Tenho para mim que isto é muito triste, ainda para mais vindo de magistrados. Por uma razão entre várias:
Ora, quais são os magistrados que falam publicamente destes problemas quando eles se colocam? O ano passado, o PGR arquivou liminarmente um expediente que lhe foi apresentado por dois magistrados do distrito de Coimbra, para se fazer um inquérito ao primeiro-ministro. Como já se viu, esse arquivamento suscitou polémica a vários níveis. Algum magistrado se atreveu a falar ou escrever publicamente sobre o assunto, assumindo o nome e função? Houve um, precisamente no blog Sine Die e a medo, muito a medo que ainda balbuciou as "dúvidas". Só isso e acabou a discussão. Nem o sindicato se pronunciou sobre o assunto. Acharão bem e normal este estado de coisas, aqueles que criticam o sindicato por falar em assuntos para além da tabela salarial?
Se os magistrados em geral são discretos e apagados por um medo atávico das respectivas consequências que se traduzem em inquéritos disciplinares, ainda se vai tirar ao sindicato o pequeno poder de abrir a voz e cantar essa força da razão dos princípios estatutários?
Como se entende isto?
3 comentários:
O Prof Marcelo Rebelo de Sousa nesta sua última intervenção no espaço que para tal lhe reserva a TVI no jornal da noite aos domingos, falou expressamente sobre esta crise que se vive hoje, particularmente no âmbito do Ministério Público.
Curiosamente e acusando a sua vertente de pedagogo achou por bem elucidar as "massas" a respeito do que é o MP e disse tanto quanto percebi :
O MP é um corpo de funcionários públicos sujeito a hierarquia cujo orgão máximo é o Procurador Geral da República.(PGR)
Por serem funcionários têm sindicato.
O PGR é nomeado para aquele cargo por indicação do governo, no caso de Pinto Monteiro , pelo Governo de José Socrates.
À questão de saber se ainda assim o PGR é livre de investigar eventual suspeita de ilícito contra Sócrates, respondeu : "tem autonomia jurídica".
E tem.
Já agora tornemos ainda mais claro às "massas" com um exemplo: um empregado que tome conhecimento de que o seu patrão é suspeito de um crime, tem o dever jurídico de o denunciar, se o crime for público.
Lá que tem... tem...
É um dever cujo exercício não carece de maior desenvolvimento pois há coisas que se explicam por si.
Continua ....
Continuação :
Depois perguntaram-lhe : mas o PGR manda como a Rainha de Inglaterra?
E Marcelo respondeu. Quis ele com isso dizer que não manda nada, no entanto tem mais poderes que seus antecessores e nada do que se faz
no MP é feito sem o seu conhecimento e aprovação.
O incumprimento de uma ordem hierárquica em abstracto, pode acarretar procedimento disciplinar aos magistrados do MP.
Acresce que não há uma tipicidade de faltas disciplinares prevista na lei que assegure em que circunstâncias poderá um Magistrado do MP sofrer procedimento disciplinar ( por exemplo, conheço um caso de um Magistrado do MP que está a ser disciplinarmente investigado porque escreve poesia fora do seu horário de expediente e por atrasos em processos com 10 anos, quando esteve nesse tribunal apenas 3 e outras faltas que o senso comum e a boa fé claramente revelam não lhe poderem ou deverem ser imputadas )
Isto leva a que qualquer Magistrado procure seguir uma linha de conduta que não desagrade as perspectivas superiores hierárquicas, para evitar arriscar a sua carreira e o seu sustento.
É que os Magistrados dedicam em regra uma vida a estudar direito, estão por lei exclusivamente afectos a essa função e uma pena disciplinar gravosa pode lançar sobre eles a morte civil.
Não obstante tudo isto e embora hoje em dia e com grande tristeza o reconheça, nem sempre isso pareça, os Magistrados têm em regra consciência bem formada e não trilhar o caminho que lhes pareça mais justo por motivos ainda que nobres que não são os seus, pode ser factor de sofrimento e de perturbação do exercício das suas funções.
A este sofrimento, a meu ver, simples cidadã, mulher, de sensibilidade marginal, nem o próprio PGR escapa.
Ou seja há uma falha no sistema : desde o momento da indicação para o cargo que deveria sair da própria classe o indicado e não do governo, pois já se viu que o governo que indica para o cargo pode ter que ser perseguido por quem indicou e tudo isto é de uma perversidade e hipocrisia que ninguém tem coragem de afirmar.
Creio que Pinto Monteiro é um homem Justo, acredito nisso e no seu carácter, mas é humano, como todos nós.
Para quem quer reflectir mais sobre a questão amanhã já estará no site da TVI o vídeo com as "Perguntas a Marcelo" no canal da net da TVI.
Será interessante , até porque o que aqui deixo não esgota as perspectivas em que abordou o tema e constitui a meu ver um bom elemento de reflexão.
Quanto ao Sindicato do MP, com muito respeito, quando o PGR diz que funciona um pouco como uma espécie de partido para promoção de alguns, vamos ver, não terá alguma razão?!
Escuto-os sempre na ribalta da comunicação em casos mediáticos como este, mas por exemplo no caso que referi daquele Magistrado injustamente tratado, sujeito a medidas que legalmente exigem parecer escrito do Sindicato para poderem ser aplicadas pelo CSMP ao magistrado, o Senhor Presidente nem mesmo se dignou receber pessoalmente o colega para o ouvir, que dizer para se interessar pela situação ...
Assumo o que digo. Pois quem me conhece já sabe que não é a falta de um par de calças que me tira consistência à voz, quando estou com a razão.
Para quem queira este é o meu email de contacto :
mariuzportugal@gmail.com
Com os melhores cumps
«Quando um código de leis fixas, que se devem observar à letra, não deixa ao juiz outra tarefa que não seja a de examinar as acções dos cidadãos, e de as julgar conformes ou não conformes à lei escrita, quando a norma do justo ou do injusto, que deve dirigir as acções, quer do cidadão ignorante, quer do cidadão filósofo, não é uma questão de controvérsia, mas de facto, então os súbditos não estão sujeitos às pequenas tiranias de muitos, tanto mais cruéis, quanto menor é a distância entre quem sofrer – tiranias mais funestas do que a tirania de um só, porque o despotismo de muitos não é corrigível senão pelo despotismo de um só e a crueldade de um despótico é proporcional, não à sua força, mas ao que se lhe opõe». Diz Cesare Beccaria.
Aplica-se como uma luva a Portugal.
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