terça-feira, abril 09, 2013

Juristas, cientistas e economistas: uma rabecada.

Um jurista nunca escreveria isto que João Miranda escreve num postal recente do Blasfémias:

"O TC tem decidido que cortar no salário dos funcionários públicos não viola o princípio da confiança desde que exista uma situação de crise financeira que o justifique."

E porquê?- Pode perguntar-se abrindo uma belíssima discussão para quem nisso estiver interessado...

Por mim, por causa de uma razão simples: o direito não é biologia molecular. Daí que a observação ao microscópio das leis não atinja a essência do ser jurídico que está numa outra dimensão, menos observável a olho protésico.
No caso concreto a asserção está errada de raiz porque o TC não  "tem decidido que cortar no salário dos funcionários públicos não viola o princípio da confiança desde que exista uma situação de crise financeira que o justifique."

Esse pequeno pormenor de significação gigantesca não se observa experimentalmente no laboratório das decisões do TC mas apenas em interpretações peregrinas que perturbam a acuidade visual do interessado em ver.
A "crise financeira" não está elencada no catálogo de razões constitucionais que permitiriam esse entendimento espúrio e por isso é necessário ir buscar a outro lado o prisma para ver em modo correcto o sentido das decisões do TC sobre esta matéria.
Por outro lado não é o princípio da confiança que está em causa, neste aspecto, nas decisões do TC, mas sim o da igualdade que por si é outro bico de obra de interpretação jurisprudencial e que suscita as mesmas reservas quanto a método de observação.

Conclusão: a tarefa do jurista é do mais ingrato e incerto que pode haver quanto a métodos de investigação " a olho" mesmo protésico, porque frequentemente o que parece não é. E só tem capacidade de distinção quem tem experiência prática da função ou até laboratorial, mas em sede de estudo profundo das antigas sebentas e livros de direito.

Os romanos antigos tinham um belíssimo ditado que transitou para o nosso léxico de aforismos nas páginas azuis, no fim dos dicionários: "ne sutor ultra crepidam". Para quem não souber, uma ajuda será necessária: crepidam significa "alpercata". Em português o ditado ainda é mais saboroso: "quem tem ensinou sapateiro a tocar rabecão?" É muito antigo porque agora não se diz rabecão de coisa alguma. Mas toda a gente sabe o que é uma rabecada...

Questuber! Mais um escândalo!