quinta-feira, abril 25, 2013

O que ganhamos com o advento do dia 25 de Abril de 1974?



Quem era estudante, como eu, numa capital de distrito do Norte de Portugal,  no próprio dia teve uma manhã de incerteza nas aulas. Os professores sabiam tanto como os alunos, sobre os acontecimentos que se desenrolavam em Lisboa. 
Numa época em que os media se resumiam a jornais diários, com saída de manhã e à tarde, esperavam-se os jornais da tarde para saber notícias do “golpe de estado” que decorria por conta das Forças Armadas. A tv só à noitinha daria notícias e portanto o rádio era o mais perfeito que havia para se saber algo de novo.  Mas o rádio estava calado de notícias e só passava marchas militares, o que era enervante para quem nada mais sabia ou podia saber. As poucas notícias eram para avisar que as pessoas não deviam sair de casa e portanto esperar passivamente o que se passaria a seguir.
Os jornais da tarde desse dial, alguns deles em 2ª edição como o República ( de oposição socialista embora não declarada e maçonicamente evidenciada) anunciava em primeira página que ”As Forças Armadas tomaram o poder”. As linhas de notícias eram lidas sofregamente por quem queria saber mais. 


Ou o Diário Popular desse mesmo dia



 Imagens  tiradas  daqui. 

O Diário de Lisboa desse mesmo dia já adiantava mais um pouco sobre o programa das Forças Armadas e já se falava no “regime que oprimia” desde o 28 de Maio de 1926. O Diário de Lisboa era de Esquerda, comunista porventura, embora disfarçado.


A vida corrente dos trabalhadores que seguiam para os empregos, nos poucos carros que circulavam na cidade pequena, não alterou quase nada a actividade quotidiana e sentia-se que as pessoas estavam na expectativa. Já tinha havido uma revolta antes e não se sabia o que poderia acontecer a seguir.
O discurso do rádio, à noite, no  noticiário das 20h, no RCP, foi o da Proclamação do MFA vitorioso. O Governo de Marcello Caetano tinha caído e Lisboa era do MFA.  O povo saiu à rua.
Os dias que se seguiram foram de alguma euforia noticiosa. A principal novidade, para mim, foi o aspecto do telejornal da RTP, nesse dia à noite: Fialho Gouveia e outros apareciam sem gravata a relatar as notícias.  Já no concerto de Março de 74, no Coliseu dos Recreios, a assistência tinha gritado para um Carlos Paredes funcionário público e músico nas horas vagas  “tira a gravata, pá!” e isso deu-me um sinal de mudança.
O ambiente geral distendeu-se e o discurso mediático tomou forma e rumo diferentes do espartilho em que se orientavam até então.  Foi essa mudança notória e radical, de algum modo, que constituiu o primeiro sinal de uma maior liberdade trazida pelo MFA.
O resto,  nos dias que se seguiram foi a convocatória para manifestações em lugares públicos, feita por movimentos  como o MDP/CDE,  e depois pelo infatigável “partido”, o único, o que dominou o discurso político desde a primeira hora da Revolução e que começou a colocar os nomes aos acontecimentos e factos.  Através dos seus homens de mão nos lugares dos media conseguiram orientar toda a opinião pública para uma versão da “Revolução” a quem chamaram sua.
Portanto, o que se ganhou do dia 25 de Abril de 1974 foi a liberdade de poder sair à rua em manifestação, neste caso de apoio ao MFA, espontaneamente, o que ocorreu em todo o país. Antes não existia essa liberdade.  E principalmente o poderem fazê-lo sem sentirem que poderiam ser presas por actividades subversivas, porventura para mal dos pachecos pereiras que já se tinham habituado ao jogo clandestino que os viciou para sempre. 
Mas atenção que passados poucos meses, houve logo prisões de outros "subversivos" como eram os partidários indefectíveis do MRPP, prisões ordenadas por influência directa de quem, afinal? Dos mesmos que tinham sido as principais vítimas do anterior regime...

 Será que as pessoas davam muito valor a essa nova liberdade?  Assim, assim. Os políticos nascentes evidentemente que sim e que viveriam disso nos anos vindouros. A população em geral não entendeu tal liberdade como fundamental para lutar por ela. Nunca o tinha feito, aliás.
Outra liberdade importante que se ganhou nesse dia foi a possibilidade de ler os jornais e ouvir as notícias sem o crivo da censura prévia. Jornais houve, particularmente os de esquerda cripto-comunista e mesmo socialista que saíram nesse dia e seguintes ostentando o rótulo visível de que “não tinham sido visados pela comissão e censura”, como se isso fosse bastante para afastar o espectro de outra censura que não demorou tempo nenhum a surgir: o República, esse mesmo, que o diga porque passados alguns meses teve um conflito político-laboral que conduziu ao encerramento do jornal. Os tipógrafos, comunistas, queriam controlar o conteúdo do jornal, contra a direcção socialista. 
O Diário de Notícias, tido como um jornal espelho de regime, foi tomado meses depois pelos comunistas.  Saramago nomeado director, saneou e censurou, como o regime anterior não tinha feito.
O rádio, no caso a Emissora Nacional, pública,  teve os mesmos problemas com um tal Ançã Regala, logo em Junho de 1974. Regala, comunista encartado na extrema-esquerda julgava-se com o direito de impor ideias comuns à ideologia, no rádio da época, controlado pelo PS. Logo, foi despedido. Com justa causa, porque a lei dos despedimentos só apareceu dali a um ano, em 1975. Estas lutas políticas por lugares de influência mediática repercutiram-se em todos os media controlados pelo Estado nos anos vindouros. Entrava um partido, saiam os directores dos media, para regressarem tempos depois, se lhes aprouvesse. A Liberdade de imprensa tem sido isso, desde então.
Nenhum destes factos conflituava com a sensibilidade dos novos democratas que já vituperavam o “fassismo” à moda do inefável Abrantes do PCP ou mesmo do “fachismo”, com o  “a”   sovieticamente fechado dos demais militantes, com destaque para o herói regressado do exílio,  Cunhal, também apelidado de  Barreirinhas  pelos arqui-rivais do MRPP,  para achincalhar o ídolo.
A liberdade de imprensa que não havia antes de 25 de Abril passou a existir depois, mas com estas condicionantes e ainda outras mais interessantes: o discurso dos jornais, revistas e media em geral fazia-se seguindo um padrão e um guião oposto ao usado antes: o “fascismo”, a “reacção”, a “burguesia”, a “classe trabalhadora” ganharam dimensão inusitada nos meses seguintes.
Os acontecimentos e até os factos eram relatados segundo o ponto de vista da luta das classes trabalhadoras e da revolução socialista em prol da sociedade sem classes e outras utopias que faziam sentir saudados dos tempos do “Se bem me lembro” de Vitorino Nemésio.
Os novos heróis eram os vilões do antigamente e as novas palavras tomaram o curso normal da vida democrática em que passaram a ser  proibidas as organizações que supostamente quisessem fazer retornar o país ao Estado anterior e tal foi entendido como um exercício de plena maturidade democrática. A Europa não usava disso mas por cá passou a ser moda. Ou seja, a liberdade de associação foi amputada de organizações que putativamente “subvertessem” a democracia jovem e insegura.  Ou seja ainda, tal e qual a receita do antigamente que proibia as organizações  “Subversivas”.  Qual a diferença substancial?  Apenas uma: era e continua a ser possível denunciar publicamente tal entorse.  Dantes não era, ou não era se fosse dito de modo ofensivo para o regime, mas havia quem protestasse vivamente, sem ser castigado por isso.

Mas o grosso dos problemas com estas novas e amplas liberdades viria a seguir.

ADITAMENTO:

Numa reportagem da SIC- N que passou há minutos ( cerca das 20:45) o radialista João Paulo Diniz contou que dois dias antes do 25 de Abril foi contactado pelos capitães de Abril Costa Martins e Otelo que marcaram encontro com o mesmo no Apollo 70, em Lisboa, junto ao Campo Pequeno. Aí, pediram-lhe para passar uma canção às cinco para a meia-noite do dia 24 para 25 de Abril no RCP ( melhor, nos Emissores Associados de Lisboa- o lapso foi meu) , a fim de dar um sinal aos militares revoltosos contra o regime. Segundo aquele, pediram-lhe uma canção de Zeca Afonso ( com quem aliás se tinham cruzado ao descer as escadas do "drugstore" para a cafetaria da cave). João Paulo Diniz conta agora que lhes disse que José Afonso nem pensar porque era proibidíssimo ( foi a expressão que usou)  passar discos e músicas do cantor no rádio da época porque a Censura não permitia. Aliás, no Limite da Rádio Renascença não tiveram esses problemas porque passaram a Grândola...do mesmo Zeca Afonso.

Estranho muito tal afirmação porque sempre ouvi José Afonso no rádio, particularmente no RCP, onde tal devia ocorrer. Foi aí que ouvi o álbum Venham mais cinco e as canções A formiga no carreiro e o titulo tema, sempre nos primeiros meses do ano de 1974. José Afonso e os cantores de esquerda, todos juntos, tiveram o seu happening, aliás, no Coliseu dos Recreios. E aquelas canções, ouvi-as muitas vezes porque eram "hits" da época. Aqui fica a prova histórica da falsificação que esta gente pratica como exercício contínuo de uma memória mentecapta.  A imagem é da revista Cinéfilo de 6 Abril de 1974, quinze dias antes do dia.


Não percebo se esta gente perdeu a memória ou inventa memórias de esquerda. Talvez as duas coisas. E ainda outra coisa: o Portugal desta gente não é o meu e aposto que o meu seria bem melhor do que isto que esta gente nos legou. Bem melhor para todos, mas ainda vai demorar algum tempo a uma maioria perceber o embuste desta canalha.

Questuber! Mais um escândalo!