Os media já têm mais um fait-divers para gastarem tempo e espaço noticioso: o caso dos Mirós do BPN.
Segundo o Público de ontem e hoje ( comprados para o efeito) o que um leitor pode saber do assunto não é lá muito esclarecedor. O jornal, com meia dúzia de jornalistas a tratar do assunto, consegue um feito notável: informar mal o que é essencial. E porquê? Ora, pelo motivo do costume: tomar partido, neste caso cultural e político, aliás como sempre.
Quais são os factos relatados pelo jornal? Ontem o lead era " Colecção Miró saiu ilegalmente de Portugal e leilão está em causa". Notícia verdadeira, porque se explica num parágrafo a razão: "A Lei de Bases do Património Cultural obriga a que a saída de bens culturais seja precedida de uma comunicação à DGPC com pelo menos 30 dias de antecedência, o que não aconteceu".
A Lei de Bases do Património Cultural assim diz, no artº 64º nº 1. Mas que tipo de "ilícito" será este que o jornal não informa devidamente?
Diz o artº 104º al. d) da mesma lei: contra-ordenação especialmente grave que é punida com coima de € 25.000,00 a €500.000,00.
Não obstante, a ilegalidade foi detectada pela directora-geral do Património, organismo do Estado, de seu nome Isabel Cordeiro, agora, em 6 de Janeiro, "através dos jornais". E que fez então a senhora que é uma alta funcionária da Administração do Estado, com especiais deveres de lealdade para com a tutela? Alertou a tutela, denunciando a situação com alarme e recolhendo então pareceres de duas entidades ( dois directores de museus- o do Chiado e o Berardo...) que remeteu. O jornal explica que a Secretaria de Estado da Cultura, tutela da DGPC, informou publicamente, em 13 de Janeiro deste ano que o Estado não estava interessado na aquisição e que tal nem era prioridade perante as condições económicas do país. E é ao Governo que compete tal decisão que é política. A mais ninguém.
Em Setembro de 2012, aquela directora-geral considerou em parecer escrito que tais Mirós deveriam pertencer ao património cultural do Estado. E para tal, segundo o Público, "pediu a classificação da colecção Miró e desaconselhou a sua saída definitiva". A quem? À tutela, à SEC. Ou seja, o Estado, através da entidade competente, definida no artº 28º daquela Lei: Decreto ( Lei) ou Portaria, conforme seja de interesse nacional ou interesse público. E quem tem competência para tal? O Governo. sendo certo que se for através de um Decreto-Lei, tal competirá em primeira mão ao poder Legislativo, ou seja a A.R que poderá autorizar o Governo a tal.
E que fez o Governo? Não definiu e avisou que não estava interessado. E
mais: disse agora que não vai definir porque tal nao é prioritário e
prefere pagar aos credores do rombo no BPN.Opçãp política legítima e que não se entende possa ser contestada a não ser em termos de opinião.
Ou seja novamente, não é a directora-geral do Património ou outra entidade que tem competência para definir, neste caso cultural e politicamente a situação dos Mirós. É o Governo. Mas diz o jornal que a mesma directora-geral em 17 de Janeiro desaconselhou Barreto Xavier a "saída definitiva da colecção", informação que remeteu ao mesmo SEC a 15 de Janeiro. Ou seja, dois dias depois de o mesmo ter dito que o Estado não estava interessado no assunto Mirós. E ainda mais: reconhecendo o "ilícito" de a expedição dos Mirós não ter sido comunicada à DGPC a tempo ( foi-o com menos dias do que os exigidos trinta porque a sociedade detentora dos Mirós apenas comunicou a 16 de Janeiro deste ano) o mesmo SEC mandou instaurar o respectivo procedimento contra-ordenacional, nisto se configurando o tal ilícito que aliás ainda não está julgado. Porém, é legítimo perguntar que interesse tal coisa poderá ter, em termos de "ilícito" substancial, se o Estado desistiu da classificação dos quadros como de interesse nacional ou público..
Se isto é assim, não sei o que esta directora-geral tem a dizer sobre a lealdade institucional.
Neste contexto, os quadros de Miró aparecem publicitados para leilão na Christie´s a realizar eventualmente ontem. A leiloeira cancelou entretanto essa eventual venda em leilão alegando ausência de segurança jurídica ( "incertezas legais") para tal e temendo que os clientes acabassem por não poder ficar com as obras.
Como surgiu esta "inceteza legal"? Com uma providência cautelar intentada pelo Ministério Público no TAdministrativo, após diligências nesse sentido da própria PGR.
A providência cautelar foi suscitada após diligências pessoais de indivíduos ligados a um partido político-Gabriela Canavilhas, Inês de Medeiros, José Magalhães, Pedro Delgado Alves e Vitalino Canas, todos do PS. Publicamente aparece Canavilhas, deputada, a "dar a cara". Ontem, aparecia na tv, toda ufana a mostrar a cópia da decisão sobre a providência cautelar ( como a obteve assim tão rápido se a parte era o MºPª?) e a mostrar a sublinhada menção à tal "ilegalidade" sem explicar o que era verdadeiramente e quais os efeitos práticos.
O assunto tornou-se deste modo totalmente político, sob pretexto cultural. O Ministério Público acolheu o pedido pessoal desta gente do PS, entendeu que deveria neste caso sufragar tal pedido de intervenção urgente através de uma providência cautelar, deixando de representar o Estado-Administração ( neste caso o Governo) que não pretendia tal coisa e pasando a representar o Estado-Colectividade em nome de "interesses difusos", o que é admissível e nem sequer novidade porque o MºPº o faz, por exemplo nos casos em que representa interesses dos baldios.
O problema é que parece que o MºPº neste caso se deixou armadilhar por aquelas pessoas que de interesse cultural têm o que lhes dita a Maçonaria e a política conjuntural de interesse partidário de volta ao poder. José Magalhães decorou o gabinete que ocupava enquanto governante com colunas maçónicas, num evidente abuso cujo desfecho criminal ainda não é conhecido; aquela Medeiros queria que o Estado lhe pagasse as viagens para Paris, onde residiria, apesar de ter sido eleita localmente.
Deixou-se armadilhar porque não deveria ter intentado tal providência nestas circunstâncias. Perdeu aliás a providência, por motivos jurídicos que uma melhor ponderação poderia ter evitado e ganhou uma guerra política que de modo algum deveria ter patrocinado.
Por outro lado, seria sumamente interessante como se chegou à conclusão de que a "providência cautelar" administrativa seria o modo ideal de lutar políticamente neste caso. Saber quem o pensou, com quem se aconselhou, quem decidiu e como se fizeram tais coisas num tempo record...