O livro, segundo se conta, foi escrito nos anos 50 e 60 do séc.XX, na clandestinidade ( a liberdade na URSS era assim...) e passou para o Ocidente, na clandestinidade de um micro-filme, tendo sido publicado em 1973, em França nas Éditions du Seuil, em três volumes. Primeiro em russo e depois, em Junho de 1974, em francês; no ano seguinte, saiu o segundo volume e em 1976, o terceiro. O primeiro é este:
O tema do livro é muito simples: a vida no Tarrafal da URSS, chamado Gulag, no tempo de Lenine e Estaline. Qualquer semelhança com o Tarrafal português é pura coincidência e deveria ser tão semelhante como isto e isto.
Não obstante, os mesmíssimos comunistas que apoiavam os que criaram os gulags são os que depois se indignam muito com o Tarrafal. E com razão, diga-se. Mas com falta de lógica, diga-se também. A Antena Um anda a passar um programa com testemunhos dos tempos vividos no Tarrafal. Seria possível comparar com os Gulags e perguntar directamente aos que se vitimizam ( Edmundo Pedro, um deles) o que dizer dessa comparação? E se o Tarrafal era uma imitação dos campos de concentração nazis, os gulags eram o quê? Colónias de férias para o povo?
Mais: o que fariam em Portugal, se tivessem chegado ao poder em 1974-75? À semelhança de todos os países comunistas, sem excepção, criariam os seus tarrafais. Porventura nos mesmos lugares...e com as condições psicológicas dos gulags, está bom de ver.
Em Fevereiro de 1974, após a publicação do livro de Soljenitsine, em França, começou a perseguição ao dissidente que só não terminou outra vez no Gulag ( que ainda existiam e só fecharam em 1986, ao contrário do Tarrafal que fechou décadas antes) porque o escritor era um premiado Nobel, ganho em 1970.
Assim, foi resolvido o assunto de modo mais expedito: expulso da sua terra. Desterrado. E foi esse facto que originou as notícias da época, como esta capa da Time de 25 de Fevereiro de 1974 que se vendia por cá, ao contrário da URSS onde era expressamente proibida esta imprensa capitalista, imperialista e reaccionária ( portanto, não era censura, era selecção para bem do povo).
O artigo de fundo era escrito por Patricia Blake que tinha lido o livro no original russo, com as passagens que foram seleccionadas.
E por cá, em Fevereiro de 1974 como é que se davam notícias destas coisas? O Diário Popular de 21 de Fevereiro de 1974 mostra, citando uma notícia do New York Times ( que na URSS nem se mencionava por ser um órgão reaccionário do imperialismo) que mostrava à saciedade como os comunistas costumam ( ainda é assim) lidar com estes pequenos problemas de imagem: devolver a acusação. O livro acusava-os de encarcerar em campos de trabalho forçado milhares e milhares de cidadãos? Pois então, esperem lá... também os americanos prenderam e mataram milhares de comunistas, logo após a II Guerra Mundial! Daí a conclusão lógica, para os mesmos: o americanos não tinham autoridade moral...e será que os comunistas portugueses têm assim tanta autoridade moral para acusar o regime de Salazar de coisas que eles mesmos apoiavam aos camaradas soviétricos e que o faziam de modo mil vezes pior?! E sabendo expressamente de tal coisa?
Ora sobre esta autoridade moral é que a porca está sempre a torcer o rabo, com o Tarrafal e outras ocorrências. Mas em 2003, altura da efeméride dos 30 anos da publicação da obra maldita., o Diário de Notícias mostrava numa página o estado das coisas sobre o assunto . O título é novilinguístico qb porque fala em "campos de detenção" em vez da pura e simples expressão "campos de concentração". Ficava mal, a preto e branco...
Em 1989, Gorbatchev ( o renegado comunista que deixou mal o PCP e Álvaro Cunhal em particular) já tinha autorizado a publicação do livro na URSS e em 2008, o mesmo e Putin homenagearam-no, aquando da sua morte.
Por cá, aposto que nos "centros de trabalho" do PCP nem querem ouvir falar no nome do traidor reaccionário e aposto que nem uma das suas obras lá terão. Nem aquela que Krustschev considerou ser uma "obra-prima" com direito a citação no Pravda. Igualmente sobre os campos e chamada Um dia na vida de Ivan Denisovitch...publicado em Portugal, em 1971 numa edição de livros de bolso, da Europa-América.
Quanto à lógica do PCP e respectiva moral é assim mesmo e quem quiser que tire as conclusões.
Sobre Soljenitsine e os media, aqui em francês, um extenso quanto interessante artigo que mostra as potencialidades da internet nestes assuntos e que nenhuma publicação em papel igualaria. Numa passagem cita-se Jean-François Revel que escreve e explica a táctica dos partidos comunistas, incluindo o português que nunca se dá por achado nestas coisas e Álvaro Cunhal era mestre nesta arte do embuste:
Cette
tactique du PCF est dénoncée par
Jean-François Revel dans L’Express :
" La
psychologie de guerre froide [...] comporte l’assimilation de
toute description réaliste de l’URSS à
l’antisoviétisme de principe ; puis de
l’antisoviétisme à un anticommunisme de
préjugé ; enfin, de l’anticommunisme
à une hostilité de contagion visant toute la
gauche. De la sorte, ou l’on accepte en bloc et en
détail les exigences communistes, ou l’on est
réactionnaire. "