sábado, fevereiro 01, 2014

Os nostálgicos do anti-fascismo




Francisco Teixeira da Mota escreveu ontem no Público um pequeno compêndio da reacção antifascista ao regime do Estado Novo de Salazar e mesmo ao do Estado Social de Caetano.
A propósito de uma homenagem  oficial do Estado português, na Assembleia da República, através da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ( presidida por Fernando Negrão e tendo como vices Filipe Neto Brandão e Telmo Correia) em tandem com uma associação  de advogados, a OA, aos advogados que “gratuitamente e com elevado risco pessoal assumiram a defesa dos réus nesses tempos sinistros da nossa vida colectiva”, como escreve o articulista. 
O que FTM escreve é uma falsificação histórica, uma manipulação da memória com efeitos politico-propagandísticos e no fim de contas uma colecção de aleivosias que me parecem graves mas são o entendimento corrente sobre o regime que antecedeu o presente. É este o entendimento “meme” que já por aqui tenho referido.
O regime anterior é apodado gratuitamente de caviloso, horrendo, um “tempo sinistro” ( como se a palavra não remetesse para outras paragens, mais a leste…), tempos de “ignomínia no mundo da justiça”, “sistema de terror”, etc.
FTM é um indivíduo notoriamente de esquerda, provavelmente vindo da extrema-esquerda da sua juventude, como muitos outros ( Nuno Crato, por exemplo). E esse ferrete parece funcionar como marca indelével no espírito seja de quem for, manifestando-se ocasionalmente e lastrando o pensamente em permanência.
Mas vejamos a idiossincrasia esquerdista do artigo. 
Começa por transcrever uma parte das alegações de Álvaro Cunhal, em 1950(!) durante um julgamento perante um tribunal  Plenário, em que foi condenado. 
Segundo FTM, Cunhal objecta aos juízes, como Cristo e Sócrates o terão feito, recusando a legitimidade dos julgadores e das próprias leis que aplicam. Uma defesa por “rotura”, segundo FTM que escreve segundo a novilíngua do Acordo. Não sou filósofo, mas com filosofia de algibeira também posso muito bem.  O reino de Cristo não era deste mundo e o de Sócrates era  de outro ambiente. Segundo leio  na Iniciação ao Filosofar,  de Joel Serrão ( Livraria Sá da Costa, 1970 e 2ª edição de 1974) Sócrates, na Apologia diz aos seus juízes  ( quinhentos homens que se reuniram para o julgar e duzentos e vinte e um ilibaram-no…): "Atenienses, como qualquer dos que me acusam, também creio”.  E o autor interpeta: “ Ele crê mais do que eles, mas também de outro modo e num outro sentido”.  Xenofonte, ainda segundo o mesmo autor, “atribui a Sócrates esta reflexão: pode obdecer-se às leis desejando que elas mudem, como se serve na guerra desejando a paz”.
Cunhal tinha esta atitude, perante os juízes o Plenário? Nem é preciso responder. Cunhal negava a legitimidade do regime ao mesmo tempo que lhe aproveitava as leis para reverter as acusações. Portanto, Cunhal não teria pejo algum em fazer o mesmo àqueles juízes, julgando-os e condenando-os nas mesmas penas, seguindo os métodos e os princípios de quem o julgava, com um diferença: invertendo os motivos da imputação. Mais: segundo o regime que Cunhal afeiçoava já e não era nem devia ser desconhecido de quem agora o defende como um herói nacional, como é o caso de FTM, o julgamento  não  seria segundo as regras do Plenário.  E nem é preciso explicar mais se todos se lembrarem dos processos de Moscovo.  Estas pessoas esqueceram-se disto ou são apenas nostálgicas da juventude? Talvez seja útil ler o livro que José Sócrates assinou sobre a Tortura nas sociedades actuais e contextualizar os "fascismos" com os regimes penais, por exemplo em Guantánamo e outros lados. Sindicar os métodos da "Pide" ( é sempre a PIDE, nunca a DGS e nuna a PVDE...) , atribuindo-lhe torturas como método inquisitorial de arranque de confissões é quase pueril como defesa, porque nesse tempo as leis penais não precisavam disso se os autos de notícia das autoridades faziam fé em juízo. As torturas praticadas eram-no  eventualmente para descoberta das redes, apuramento de factos outros., etc. Tal como na guerra do Iraque se fez e talvez menos que isso. Portugal então não estava em guerra? Ai estava, estava. Será tortura assim justificada? Nunca o é. Mas...é sempre apontada como método usual, corrente, corriqueiro do regime para castigar comunistas e não só. E isso não é verdade, pura e simplesmente. 
Depois de 25 de Abril de 1974 as denúncias concretas de torturas, com factos e nomes, não existiram com a relevância que agora se pretende atribuir. Quer isso dizer que não existia? Não. Quer apenas dizer que é preciso entender de que estamos a falar quando falamos disso e que é desonesto argumentar ad terrorem com factos mal apurados.  

Como escrevia no O Jornal de 26 de Outubro de 1976 o advogado "anti-fascista" Carlos Candal, para ele era trigo limpo, o julgamento dos "pides". 


Porém, a legalidade e o respeito pelo Direito era um problema que outros viam de modo diferente, como se escrevia no Expresso de 15 de Fevereiro de 1975

E por isso mesmo, podem contar-se pelas mãos os "pides" que foram efectivamente condenados...tendo sido precisa uma lei de amnistia ( que abrangeu outros figurões da extrema-esquerda) para acabar com a palhaçada democrática ( et pour cause, Carlos Candal era figura central...).
E, claro, os juízes que já não eram do Plenário, continuavam a não agradar a uma certa esquerda...



Só isto chegaria para que o Estado português e o Parlamento e ainda  FTM se abstivessem  de comentar estes “heróis” improváveis  que foram os advogados de defesa dos réus julgados no Plenário: ninguém adquire legitimidade apenas por trocar de lugar com os acusadores e assumir o papel de algoz com as imputações invertidas.
Por outro lado, a reforçar este entendimento, há uma coisa muito simples de perceber e que a História comprovou: Cunhal estava errado, profundamente errado e defendia um regime e um sistema infinitamente mais atroz, horrendo, ignominioso, sinistro e caviloso que o de Salazar e Caetano. Isto nem precisa de demonstração de tão evidente que é.
O que carece urgentemente de demonstração, mormente de quem escreve estas atoardas como FTM o faz, é a razão que subjaz a uma defesa de Cunhal e dos comunistas que foram julgados no Plenário do modo como o foram.Pura e simplesmente não se compreende a não ser fora daquele quadro mental da nostalgia...
Atrevo-me a dizer, sem receio de errar, que todos os que foram condenados em penas de prisão no Plenário o foram com provas mais que suficientes, mesmo segundo os parâmetros actuais dos meios de prova, em que as testemunhas valem pelo que dizem com verdade, o foram de modo justo.  Ou seja, de acordo com a Lei e o Direito vigente na época.
A legalidade do Estado Novo que condenou os comunistas e outros “subversivos”, ou seja os que cometiam actos atentatórios da “ segurança interior ou exterior do Estado” , é inquestionável. 
O que no entanto pode ser questionado é a legitimidade desse Estado Novo ou Social, para julgar e punir essas pessoas por esses crimes.
E é neste âmbito que a porca torce o rabo, como se costuma dizer.  Quem contesta essa legitimidade, mesmo agora, não tem por sua vez qualquer legitimidade para o fazer nem razão substantiva para tal. O que sobra, nestes artigos,  é a nostalgia de um antifascismo serôdio, de uma atitude anti-fassista ridícula e uma falta de memória atroz.
  O que é e significa a legitimidade de um Estado?  Diz Zippelius, na sua obra Teoria Geral do Estado, citando Heller:
“O efeito objectivo do poder do Estado não se pode atribuir exclusivamente nem aos súbditos nem a qualquer titular do poder, mesmo sendo ele o ditador mais absoluto. Sempre deve a sua formação e existência  à contribuição activa de ambos.” E continua: “ A obediência dos súbditos pode,  relativamente ao âmbito restrito e controlável  de um campo de concentração, fundamentar-se exclusiva ou pelo menos preponderantemente em ameaças de sanções que está atrás das ordens dos detentores do poder. Porém, o domínio em todo o Estado apenas tem hipótese de subsistência se for apoiado , pelo menos em boa parte, pela obediência voluntária.” E até cita Rousseau ( no Contrato Social) e Locke,   a propósito disto: “ Le plus fort n´est jamais assez fort pour être toujours le maître, s´il ne transforme sa force en droit et l´obéissance en devoir
Portanto, legitimidade, o Estado Novo e Social de Salazar/Caetano, tinha mais que o suficiente. Não?! Por não ter a legitimidade dita democrática da actualidade, integrando vários partidos, incluindo o anti-democrático PC e a extrema-esquerda terrorista ( PRP-BR e FP25), eventual paradeiro antigo dos que agora suspiram nostalgicamente por esse tempo?  Essa, de facto não tinha integralmente. Mas arremedava muito bem. Ora veja-se o que dizia Marcello Caetano sobre o assunto, em entrevista a Alçada Baptista ( in Conversas com Marcello Caetano , Moraes editores, 1973):




 Esta noção de uma democracia limitada pode e deve ser contestada. Mas a verdade é que a oposição existia no tempo de Caetano. Existia na Assembleia nacional e fora dela.  Houve mesmo uma tentativa de eleições alargadas a essa oposição, como o demonstra o congresso de Aveiro em 1973, onde estiveram presentes forças de oposição, incluindo comunistas ( por isso mesmo Mário Soares não esteve presente porque queria o protagonismo todo).
Vir agora falar de fascismo, neste contexto é uma falsificação histórica e uma estupidez que só se admite nos correligionários e apaniguados comunistas, incluindo os da extrema-esquerda terrorista, nessa altura difícil de dilucidar ( Palma Inácio que assaltou um banco na Figueira da Foz, integrou-se depois no socialismo “democrático”).  Mário Soares ainda era marxista e o marxismo-leninismo era a cartilha de uma boa parte da esquerda nacional de então, como se comprova nos meses a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Francisco Teixeira da Mota não sabe isto? Saber, sabe, mas deve estar um pouco esquecido e quando aparecem estas homenagens  nostálgicas sabe-lhe bem fazer estes encómios públicos aos “advogados antifascistas” que defenderam os seus clientes pro bono e em nome da Liberdade.  É sempre um happening.
Ora bem: podem ir ver se chove que o inverno está para ficar.

13 comentários:

Floribundus disse...

com esta idade já náo estou em
'estado novo'

sempre fui 'cão sem colarinho branco'

tudo isto cheira a socialismo bipolar:
o do fascismo e o dos sociais-fascistas

sempre deliciei a ouvir esta 'magnífica gente' que tanto se esforça por mostrar que são proprietários do estado.

e o tipo de raciocínio fedente

foi verdadeiro milagre terem sobrado tantos

muja disse...

Eles sabem muito, mas não dizem nada.

Vários quadros superiores da PIDE/DGS afirmam que não precisavam de torturar coisíssima nenhuma: quem lá ia "cantava" logo tudo. Eles até ofereciam uísque aos "cantores".

Há-de ser por isso, também, que tem que se dizer que havia tortura. Não vá alguém descobrir que, afinal, a eficiência da polícia política se devia mais à facilidade e vontade com que "cantavam" os "pássaros" que eles "engaiolavam", do que com técnicas de tortura inquisitoriais.

Aliás, nada que espante, pois eles nem precisavam de PIDE para cantar: veja-se o caso do pateta Alegre e outros, que denunciava pela rádio Argel as idas e vindas clandestinas a Portugal dos "camaradas" de esquerda mas de capelinha diferente. A PIDE agradecia - ver o livro de Patricia McGowan "Misérias do Exílio" ("Bando de Argel" na primeira edição)

https://sites.google.com/site/lancapatricia/home

José Domingos disse...

É surrealista, a memória da esquerda canora. o barreirinhas até vinha a Lisboa fazer exames, antes da fuga heroica de Peniche.
Em Portugal, enquanto a esquerdice dominar os papagaios amestrados da "comunicação", não se vai saber a verdade.
É sempre um gosto, passar por aqui

Maria disse...

Que bom seria alguns 'pides' que ainda estejam vivos e que tenham tido contacto directo com estes democratas aldrabões e trapaceiros da mais pura água, viessem a terreiro contar umas verdades incontestadas que continuam no segredo dos deuses.
Então é que se veria quão 'mauzinhos' e 'cruéis', para não dizer 'torcionários' (como este bando oposicionista mentiroso e falso como Judas, os classificou durante décadas e décadas) tratava realmente os presos políticos.

Os presos eram de tal modo mal tratados - segundo os próprios, com a tortura do sono, da frigideira, levavam pancadaria até mais não, etc., que quando aqueles vinte e tal(?) foram libertados de Peniche o aspecto geral deles era uma pequena maravilha: bem trajados, muito risonhos, nada esquálidos nem com aspecto miserável - o que seria mais do que natural em quem tivesse passado anos sob sevícias e torturas - pelo contrário o ar saudável que apresentavam era de fazer inveja a qualquer termalista após um mês a banhos.

Estes democratas feitos à pressa deviam ter vergonha das brutas mentiras e difamaçõs que levaram anos e anos a pregar aos portugueses sobre o regime anterior, sobre o Prof. Salazar, Prof. M. Caetano e sobre os 'pides' torcionários. Eles, os esquerdistas, que tanto adoram o comunismo porquê que não foram viver para a União Soviética ou para algum dos seus satélites, para sentirem na carne (se sobrevivessem à prisão, claro está) o que era ser de facto preso político e sobretudo o que era sofrer as sevícias e as torturas, verdadeiramente.

Só me interrogo o porquê destas bestas quadradas, que tanto idolatram e propagandeiam há décadas os regimes comunistas, nunca terem ido viver para um desses países ex-soviéticos. Mas isso é que não, 'tá quieto ó foste... Se o tivessem feito nem que fosse por um dia passava-lhes a febre num instante.

Tiago disse...

Comunistas, socialistas, fascistas, salazaristas, palermas! O Lenine matou vinte! E Hitler matou vinte mais um. Naquele tempo é que era, não havia cá disto. Escumalha totalitarista! Todos a mesma escória, diferente mas iguais!

lusitânea disse...

Só não percebo porque é que os arquivos roubados na DGS depois do 25 ainda não voltaram de Moscovo...se calhar tiravam-se muitas dúvidas...
Mas a rapaziada que adora cantar a internacional pode ir olhando para a sua obra:falência, dívida eterna e um sobado depois da entrega de tudo o que tinha preto e não era nossso...

lusitânea disse...

Quando acabarem as medidas correctivas dos défices e do pagamento da dívida que avaliem e comparem o que era melhor:se o fassismo ou esta gloriosa democracia corrupta e traidora...

Anónimo disse...

cc

khaostik disse...

"Só me interrogo o porquê destas bestas quadradas, que tanto idolatram e propagandeiam há décadas os regimes comunistas, nunca terem ido viver para um desses países ex-soviéticos."
E o oposto? Porque é que os seguidores da direita não foram viver para países de direita? A resposta é simples.. cada um tem a sua ideologia e tenta com que o resto da população a siga.

Cumprimentos,

FD

José disse...

"países de direita"

A Direita teve países? Quais foram que não estou agora a ver, assim de repente?

Seria a África do Sul pré Mandela?

E então, estarão melhor, agora?

Seriam os países tipo Chile de Pinochet?
E então?

Feitas bem as contas, se calhar os únicos sítios que não tinham emigração eram os países do BLoco de Leste...

Maria disse...

Os seguidores da direita já estavam/estão em países com regimes supostamente de direita, portanto não necessitam/necessitavam partir para outros países com regimes análogos porque se sentem/sentiam bem no país onde nasceram e onde vivem/viveram em paz e são/eram felizes. O problema é que os seguidores da esquerda quando chegam/chegaram ao poder nos países com regimes hipotèticamente de "direita", regime que eles derrubam/derrubaram à força das armas ou à custa de mentiras e de traições mil, a partir daí nunca mais querem largar o poder, afastando por meios cínicos e maquiavélicos todos os partidos/seguidores da direita que lhes façam sombra (isto acontece por alguma razão fortíssima e todos sabemos perfeitamente qual é), impondo por todos os meios ao seu alcance a sua ideologia e só o farão se for à custa das armas. Esta é a diferença abissal entre os dois regimes. Os povos de todos os países do mundo - desde os índios que ainda restam em toda a América do Norte até, no extremo oposto, os de Leste que viviam sob regimes marxistas - são por natureza conservadores. Quem duvidar que vá aos respectivos países e pergunte a uns e a outros. A prática religiosa e a devoção aos Santos, a Jesus Cristo e a Nossa Senhora de Fátima (confissão extraordinária, esta, feita a um jornalista por uma índia(!) norte-americana que tinha junto dela uma imagem de N.Sª. de Fátima!), rigorosamente proibidas durante aquele regime, voltaram a ser veneradas em força por todos esses povos intrìnsecamente religiosos após a queda do comunismo.
Até na própria China comunista aconteceu esta viragem de 360º a partir da abertura do regime ao capitalismo...
Eis a resposta à sua pergunta.
Cumprimentos.

zazie disse...

AHAHAHAHHAHAHA

João Nobre disse...

Essa gente não tem limites para a hipocrisia. A extrema-esquerda portuguesa andava a defender os piores regimes que alguma vez existiram no Mundo, com resultados "fantásticos" na ordem das centenas de milhões de mortos e agora fazem-se de santinhos e amigos dos direitos humanos.

Há amnésia a mais em Portugal...

Publiquei:

http://www.historiamaximus.blogspot.pt/2014/02/os-nostalgicos-do-anti-fascismo.html

Cumpts,
João José Horta Nobre

Contacto: historiamaximus@hotmail.com

A obscenidade do jornalismo televisivo