Para entender bem o caso da senhora dona Lurdes que foi ministra num governo de José Sócrates é preciso recuar um pouco no tempo e no espaço.
O Público de 15 de Setembro de 2014 relatava assim:
Os
265 mil euros que mandou pagar entre 2005 e 2007 ao advogado João Pedroso eram
para que este compilasse toda a legislação portuguesa da área da educação. Mas
o trabalho não foi levado até ao fim, e o advogado acabou mesmo por ter de
devolver parte do dinheiro - mas só depois de o caso ter vindo a público e se
ter tornado um escândalo. Um manual feito para as escolas no âmbito deste
contrato veio a revelar-se “uma pequena obra bastante incompleta, sem
originalidade nem interesse prático e contendo informações incorrectas,
insusceptíveis de serem assumidas pelo Ministério da Educação”, concluiu o
tribunal. Acresce que já ali existiam colectâneas de legislação feitas pelos
serviços.
Além da
antiga governante, foram condenados neste processo a penas suspensas e pagamento de indemnizações,
igualmente pelo crime de prevaricação de titular de cargo político, o irmão de
Paulo Pedroso, bem como o então secretário-geral do ministério, João Batista. A
chefe de gabinete de Lurdes Rodrigues foi absolvida.Os juízes consideraram provado que a dispensa do obrigatório concurso público foi motivada por afinidades pessoais e político-partidárias: todos os acusados tinham tido antes cargos de confiança em gabinetes governamentais socialistas. E embora a ex-ministra tenha negado qualquer relacionamento pessoal ou partidário com os restantes arguidos, o tribunal revelou que o seu companheiro, Rui Pena Pires, era sócio de João Batista na editora Celta. João Pedroso era na altura assistente da Faculdade de Economia de Coimbra em regime de exclusividade, encontrando-se dispensado de serviço docente para efeitos de doutoramento. (...)
A sentença salienta o facto de nada, no currículo de João Pedroso, justificar a dispensa de concurso público, uma vez que o advogado não era especialista nas leis do ensino. Por outro lado, a relativa falta de complexidade do trabalho em causa também não exigia a contratação de peritos de renome.
Os juízes descrevem a forma como foi “engendrado” um esquema de pagamentos destinado a evitar a publicação do contrato do advogado em Diário da República, de modo a subtraí-lo ao escrutínio público, “subvertendo-se a legalidade”. (...)
Os juízes deram pouco ou nenhum crédito aos depoimentos prestados pelos arguidos em tribunal, frisando as contradições em que incorreram e a sua falta de verosimilhança, para concluirem que o seu único interesse era beneficiar o irmão do dirigente socialista, mesmo que para isso fosse necessário fazer vista grossa aos “princípios da livre concorrência, legalidade, transparência e boa gestão dos dinheiros públicos”.
Pelo tribunal passaram, como testemunhas abonatórias dos acusados, os ex-ministros da Educação Marçal Grilo, David Justino e Augusto Santos Silva. Todos confirmaram a necessidade da compilação ser feita e a falta de juristas no ministério para desempenhar a tarefa. O que não comoveu os juízes, que aludem ao “sentimento de impunidade que se faz sentir” na sociedade portuguesa relativamente a este tipo de criminalidade, “que mina o bem comum, a credibilidade nas instituições democráticas e corrói a justiça social”.
Perante estes factos que assumem notoriedade inusitada relativamente a dois aspectos essenciais, a saber, a ilegalidade da adjudicação nos termos em que se efectuou e a amizade política e até pessoal entre todos os envolvidos, a primeira instância não teve dúvidas em considerar provados os factos da acusação e que por sua vez referiam elementos concretos de prova documental e testemunhal. O tribunal de primeira instância deu afinal como provado que os arguidos cometeram o crime considerando esses factos dificilmente contestáveis.
Pois bem, parece que o Tribunal da Relação de Lisboa contestou tais factos, deu numa nova versão para os mesmos, designadamente quanto a legitimidade e legalidade da adjudicação efectuada e retirou o dolo na actuação dos arguidos que afinal procederam todos de acordo com as boas regras da ética profissional e política e até o Tribunal de Contas se terá enganado nas decisões transitadas que proferiu. Resta ver se não irão ser impugnadas perante estes "factos novos" inusitados e elaborados neste acórdão relatado por uma desembargadora cujas ligações pessoais ao PS fariam desde logo suspeitar que uma decisão deste teor seria assim questionada. É o caso da "mulher de César" que afinal é ensinamento antigo que geralmente este PS não conhece. Viu-se no caso Rangel e vê-se agora e suspeita-se que se verá num futuro próximo. Os pedidos de escusa ou recusa de magistrado estão a um preço institucional pela hora da morte...proibitivo, portanto.
Ora o que esperava ler hoje nos jornais seria a explicação detalhada nos seus aspectos primordiais do acórdão absolutório, mas pouco se diz nas notícias, a não ser aquela alusão à ausência de dolo na actuação dos arguidos.
No entanto, nem o Público, nem o i nem o Correio da Manhã ( o "pasquim" que ensina os outros como se deve fazer...) esclarecem o que deveria ser esclarecido e poderia muito bem ser. Ou não têm juristas nas redacções ou sabem pouco da poda.
Assim, o que dizem os jornais de hoje?
O Tribunal da Relação de Lisboa absolveu ontem a
ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, sustentando que os trabalhos
adjudicados a João Pedroso – irmão do socialista Paulo Pedroso – “não eram
contra o direito”. No acórdão a que o i teve acesso, os desembargadores Maria
José Machado, Carlos Espírito Santo e Cid Geraldo afirmam ainda que “nenhum dos
arguidos actuou dolosamente”.
No ano passado, Maria de Lurdes Rodrigues foi
condenada a três anos e seis meses de prisão com pena suspensa mediante o
pagamento de 30 mil euros ao Estado. Em causa estava um crime de prevaricação
de titular de cargo político. Além da ex-ministra, o colectivo de juízes da
antiga 6.a Vara Criminal de Lisboa condenou ainda o jurista João Pedroso e João
Baptista, antigo secretário-geral do Ministério da Educação. Ambos ficaram com
uma pena de três anos de prisão, também suspensa mediante pagamento de valores
que, somados, atingiriam os 70 mil euros.
O tribunal deu como provado que a ex-ministra decidiu
adjudicar a João Pedroso um trabalho extenso de compilação da legislação na
área da educação. Sustentaram ainda que houve intenção de beneficiar o arguido
João Pedroso, lembrando que existiam “ligações político-partidárias”. Na leitura
do acórdão foi mesmo referido que as regras da adjudicação foram violadas uma
vez que deveria ter sido aberto um concurso público ou feita uma consulta ao
mercado.
A compilação legislativa nunca foi terminada e João
Pedroso ainda teve de devolver parte dos 265 mil euros, montante por que tinha
sido adjudicado o trabalho.
Pode ter havido benefício .
O Tribunal da Relação de Lisboa não fecha a porta a
que João Pedroso tenha sido beneficiado. O acórdão deixa claro que mesmo que
tenha existido algum favorecimento foi por negligência.
“Os despachos proferidos em 2005 e 2007 pela arguida Maria de Lurdes Rodrigues, e bem assim os contratos celebrados na sequência desses despachos, não eram contrários ao direito, o que bastaria [...] para absolver todos os arguidos do crime por que foram condenados em primeira instância”, começam por referir os desembargadores, continuando: “Mas, para além disso, como se demonstrou, nenhum dos arguidos actuou dolosamente, o que também, só por si, determinaria a sua absolvição.”
“Os despachos proferidos em 2005 e 2007 pela arguida Maria de Lurdes Rodrigues, e bem assim os contratos celebrados na sequência desses despachos, não eram contrários ao direito, o que bastaria [...] para absolver todos os arguidos do crime por que foram condenados em primeira instância”, começam por referir os desembargadores, continuando: “Mas, para além disso, como se demonstrou, nenhum dos arguidos actuou dolosamente, o que também, só por si, determinaria a sua absolvição.”
A Relação considera não ter ficado provado que Maria
de Lurdes Rodrigues quis “favorecer patrimonialmente o arguido João Pedroso,
com base em relações de proximidade pessoal, em detrimento dos interesses
públicos tutelados pelos princípios que norteiam a contratação pública”.
Público
de hoje:
O que diz o jornal sobre o assunto e de essencial?
Que "alterando a matéria provada na primeira
instância, nomeadamente no que respeita a tais afinidades, os juízes do Tribunal da Relação
entenderam, porém, que a antiga governantes e restantes arguidos não tiveram
intenção de beneficiar de forma ilegítima o irmão de Paulo Pedroso." E mesmo que tal tivesse acontecido, diz ainda o jornal, não se
deram conta...
E mais: " Apesar de o tribunal de Contas ter
concluído pela invalidade do contrato em 2007, o que é discutível, exclui a
responsabilidade de Maria de Lurdes Rodrigues por esta ter decidido em
conformidade com as propostas que lhe foram apresentadas pelos serviços".
De essencial, no artigo do Público, para explicar a
absolvição é isto que aí fica e o mais que se pode ler no artigo. É pouco. Seria importante o leitor saber se houve
alteração à matéria de facto de modo a configurar-se um erro notório na
apreciação da prova na primeira instância e isso deve constar do acórdão. Seria
importante confrontar tal eventual erro com factos dados como provados na
decisão da primeira instância e isso deve constar do acórdão. Seria importante
informar se foi detectada alguma contradição entre a matéria de facto dada como
provada na primeira instância e a respectiva decisão ou se houve insuficiência
dessa matéria, para tal e isso constará obrigatoriamente do acórdão se foi esse
o caso.
Nada disto se escreve ou dá sequer a entender. Para jornalismo deste prefiro o do Correio da
Manhã que resume o assunto em duas penadas. Asssim:
" Na decisão, a Relação de Lisboa considerou que
não houve dolo na contratação do advogado nem intenção de o
beneficiar." Claro que falta a
expressão essencial "ilegítima", mas enfim, o Correio da Manhã não perde muito tempo com
estes pormenores quando tem o pormaior: a desembargadora "é associada ao
PS".
E o Correio da Manhã que despacha o assunto em duas penadas, com a "gorda" que lhes interessa destacar e a imagem da desembargadora em causa, o que é notícia também com interesse ( perante um caso destes as pessoas interrogam-se naturalmente sobre quem é a tal juíza...e isso deveria ser do conhecimento da dita e motivo para a escusa que não foi devidamente apresentada) :
Espero, para poder comentar com mais substância esta decisão singular a vários títulos, para ler o acórdão se o conseguir arranjar a tempo e estiver disponível. Pelos vistos o jornal i já o tinha...e não acredito que tenha sido o tribunal a oferecer-lho...