quarta-feira, dezembro 02, 2015

O caso singular da dona Lurdes outra vez na ribalta




 Para entender bem o caso da senhora dona Lurdes que foi ministra num governo de José Sócrates é preciso recuar um pouco no tempo e no espaço. 

O Público de 15 de Setembro de 2014 relatava assim:

Os 265 mil euros que mandou pagar entre 2005 e 2007 ao advogado João Pedroso eram para que este compilasse toda a legislação portuguesa da área da educação. Mas o trabalho não foi levado até ao fim, e o advogado acabou mesmo por ter de devolver parte do dinheiro - mas só depois de o caso ter vindo a público e se ter tornado um escândalo.  Um manual feito para as escolas no âmbito deste contrato veio a revelar-se “uma pequena obra bastante incompleta, sem originalidade nem interesse prático e contendo informações incorrectas, insusceptíveis de serem assumidas pelo Ministério da Educação”, concluiu o tribunal. Acresce que já ali existiam colectâneas de legislação feitas pelos serviços.
Além da antiga governante, foram condenados neste processo a penas suspensas e pagamento de indemnizações, igualmente pelo crime de prevaricação de titular de cargo político, o irmão de Paulo Pedroso, bem como o então secretário-geral do ministério, João Batista. A chefe de gabinete de Lurdes Rodrigues foi absolvida.
Os juízes consideraram provado que a dispensa do obrigatório concurso público foi motivada por afinidades pessoais e político-partidárias: todos os acusados tinham tido antes cargos de confiança em gabinetes governamentais socialistas. E embora a ex-ministra tenha negado qualquer relacionamento pessoal ou partidário com os restantes arguidos, o tribunal revelou que o seu companheiro, Rui Pena Pires, era sócio de João Batista na editora Celta. João Pedroso era na altura assistente da Faculdade de Economia de Coimbra em regime de exclusividade, encontrando-se dispensado de serviço docente para efeitos de doutoramento. (...)
A sentença salienta o facto de nada, no currículo de João Pedroso, justificar a dispensa de concurso público, uma vez que o advogado não era especialista nas leis do ensino. Por outro lado, a relativa falta de complexidade do trabalho em causa também não exigia a contratação de peritos de renome.
Os juízes descrevem a forma como foi “engendrado” um esquema de pagamentos destinado a evitar a publicação do contrato do advogado em Diário da República, de modo a subtraí-lo ao escrutínio público, “subvertendo-se a legalidade”.  (...)
Os juízes deram pouco ou nenhum crédito aos depoimentos prestados pelos arguidos em tribunal, frisando as contradições em que incorreram e a sua falta de verosimilhança, para concluirem que o seu único interesse era beneficiar o irmão do dirigente socialista, mesmo que para isso fosse necessário fazer vista grossa aos “princípios da livre concorrência, legalidade, transparência e boa gestão dos dinheiros públicos”.
Pelo tribunal passaram, como testemunhas abonatórias dos acusados, os ex-ministros da Educação Marçal Grilo, David Justino e Augusto Santos Silva. Todos confirmaram a necessidade da compilação ser feita e a falta de juristas no ministério para desempenhar a tarefa. O que não comoveu os juízes, que aludem ao “sentimento de impunidade que se faz sentir” na sociedade portuguesa relativamente a este tipo de criminalidade, “que mina o bem comum, a credibilidade nas instituições democráticas e corrói a justiça social”.
 
Perante estes factos que assumem notoriedade inusitada   relativamente a dois aspectos essenciais, a saber, a ilegalidade da adjudicação nos termos em que se efectuou e a amizade política e até pessoal entre todos os envolvidos, a primeira instância não teve dúvidas em considerar provados os factos da acusação e que por sua vez referiam elementos concretos de prova documental e testemunhal. O tribunal de primeira instância deu afinal como provado que os arguidos cometeram o crime considerando esses factos dificilmente contestáveis.
Pois bem, parece que o Tribunal da Relação de Lisboa contestou tais factos, deu numa nova versão para os mesmos, designadamente quanto a legitimidade e legalidade da adjudicação efectuada e retirou o dolo na actuação dos arguidos que afinal procederam todos de acordo com as boas regras da ética profissional e política e até o Tribunal de Contas se terá enganado nas decisões transitadas que proferiu. Resta ver se não irão ser impugnadas perante estes "factos novos" inusitados e elaborados neste acórdão relatado por uma desembargadora cujas ligações pessoais ao PS fariam desde logo suspeitar que uma decisão deste teor seria assim questionada. É o caso da "mulher de César" que afinal é ensinamento antigo que geralmente este PS não conhece. Viu-se no caso Rangel e vê-se agora e suspeita-se que se verá num futuro próximo. Os pedidos de escusa ou recusa de magistrado estão a um preço institucional pela hora da morte...proibitivo, portanto.

 Ora o que esperava ler hoje nos jornais seria a explicação detalhada nos seus aspectos primordiais do acórdão absolutório, mas pouco se diz nas notícias, a não ser aquela alusão à ausência de dolo na actuação dos arguidos.
No entanto, nem o Público, nem o i nem o Correio da Manhã ( o "pasquim" que ensina os outros como se deve fazer...) esclarecem o que deveria ser esclarecido e poderia muito bem ser. Ou não têm juristas nas redacções ou sabem pouco da poda.

Assim, o que dizem os jornais de hoje? 

Jornal i ( em vias de se transformar noutra coisa) :

O Tribunal da Relação de Lisboa absolveu ontem a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, sustentando que os trabalhos adjudicados a João Pedroso – irmão do socialista Paulo Pedroso – “não eram contra o direito”. No acórdão a que o i teve acesso, os desembargadores Maria José Machado, Carlos Espírito Santo e Cid Geraldo afirmam ainda que “nenhum dos arguidos actuou dolosamente”.
No ano passado, Maria de Lurdes Rodrigues foi condenada a três anos e seis meses de prisão com pena suspensa mediante o pagamento de 30 mil euros ao Estado. Em causa estava um crime de prevaricação de titular de cargo político. Além da ex-ministra, o colectivo de juízes da antiga 6.a Vara Criminal de Lisboa condenou ainda o jurista João Pedroso e João Baptista, antigo secretário-geral do Ministério da Educação. Ambos ficaram com uma pena de três anos de prisão, também suspensa mediante pagamento de valores que, somados, atingiriam os 70 mil euros.
O tribunal deu como provado que a ex-ministra decidiu adjudicar a João Pedroso um trabalho extenso de compilação da legislação na área da educação. Sustentaram ainda que houve intenção de beneficiar o arguido João Pedroso, lembrando que existiam “ligações político-partidárias”. Na leitura do acórdão foi mesmo referido que as regras da adjudicação foram violadas uma vez que deveria ter sido aberto um concurso público ou feita uma consulta ao mercado.
A compilação legislativa nunca foi terminada e João Pedroso ainda teve de devolver parte dos 265 mil euros, montante por que tinha sido adjudicado o trabalho. 
Pode ter havido benefício .
O Tribunal da Relação de Lisboa não fecha a porta a que João Pedroso tenha sido beneficiado. O acórdão deixa claro que mesmo que tenha existido algum favorecimento foi por negligência.
“Os despachos proferidos em 2005 e 2007 pela arguida Maria de Lurdes Rodrigues, e bem assim os contratos celebrados na sequência desses despachos, não eram contrários ao direito, o que bastaria [...] para absolver todos os arguidos do crime por que foram condenados em primeira instância”, começam por referir os desembargadores, continuando: “Mas, para além disso, como se demonstrou, nenhum dos arguidos actuou dolosamente, o que também, só por si, determinaria a sua absolvição.”
A Relação considera não ter ficado provado que Maria de Lurdes Rodrigues quis “favorecer patrimonialmente o arguido João Pedroso, com base em relações de proximidade pessoal, em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios que norteiam a contratação pública”.

Público de hoje:
O que diz o jornal sobre o assunto e de essencial?
Que "alterando a matéria provada na primeira instância, nomeadamente no que respeita a tais  afinidades, os juízes do Tribunal da Relação entenderam, porém, que a antiga governantes e restantes arguidos não tiveram intenção de beneficiar de forma ilegítima o irmão de Paulo Pedroso."  E mesmo que tal tivesse acontecido, diz ainda o jornal, não se deram conta...
E mais: " Apesar de o tribunal de Contas ter concluído pela invalidade do contrato em 2007, o que é discutível, exclui a responsabilidade de Maria de Lurdes Rodrigues por esta ter decidido em conformidade com as propostas que lhe foram apresentadas  pelos serviços"

De essencial, no artigo do Público, para explicar a absolvição é isto que aí fica e o mais que se pode ler no artigo. É pouco.  Seria importante o leitor saber se houve alteração à matéria de facto de modo a configurar-se um erro notório na apreciação da prova na primeira instância e isso deve constar do acórdão. Seria importante confrontar tal eventual erro com factos dados como provados na decisão da primeira instância e isso deve constar do acórdão. Seria importante informar se foi detectada alguma contradição entre a matéria de facto dada como provada na primeira instância e a respectiva decisão ou se houve insuficiência dessa matéria, para tal e isso constará obrigatoriamente do acórdão se foi esse o caso.
Nada disto se escreve ou dá sequer a entender.  Para jornalismo deste prefiro o do Correio da Manhã que resume o assunto em duas penadas. Asssim:
" Na decisão, a Relação de Lisboa considerou que não houve dolo na contratação do advogado nem intenção de o beneficiar."  Claro que falta a expressão essencial "ilegítima", mas enfim,  o Correio da Manhã não perde muito tempo com estes pormenores quando tem o pormaior: a desembargadora "é associada ao PS". 


E o Correio da Manhã que despacha o assunto em duas penadas, com a "gorda" que lhes interessa destacar e a imagem da desembargadora em causa, o que é notícia também com interesse ( perante um caso destes as pessoas interrogam-se naturalmente sobre quem é a tal juíza...e isso deveria ser do conhecimento da dita e motivo para a escusa que não foi devidamente apresentada) : 


 Espero, para poder comentar com mais substância esta decisão singular a vários títulos, para ler o acórdão se o conseguir arranjar a tempo e estiver disponível. Pelos vistos o jornal i já o tinha...e não acredito que tenha sido o tribunal a oferecer-lho... 

Questuber! Mais um escândalo!