Este artigo de alguém que conhece o comunismo por dentro e por fora é sintomático do tipo de análise que deveria ser comum nos media mas não é por razões que deveriam ser indagadas porque são estranhas e eventualmente encontrarão explicação esotérica e psicológica.
Milhazes, o correspondente Observador:
Porque será que o Partido Comunista Português é praticamente o único
partido comunista que ainda sobrevive na Europa? Por duas razões
fundamentais: pelo subdesenvolvimento de Portugal em relação aos países
ricos do continente europeu, que continua a manter desigualdades sociais
grandes, e pelo facto de esta força política defender aquilo que
noutros países europeus é defendido pela extrema-direita.
Ninguém esperava que o XX Congresso do Partido Comunista se
transformasse em algo minimamente semelhante ao XX Congresso do Partido
Comunista da União Soviética de 1956, reunião em que os líderes
soviéticos reconheceram os crimes (não foram erros, nem desvios) do
regime estalinista. Como disse o deputado comunista António Filipe numa entrevista ao Observador: “Esses balanços estão feitos”.
Esses balanços estão feitos também em relação aos regimes comunistas
de Cuba, Coreia do Norte, Vietname, China, ou ao regime
“democrático-familiar” de Angola. Segundo os comunistas portugueses,
qualquer um desses regimes é melhor do que as democracias europeias.
Mas, em todo o caso, propõem para os mais cépticos uma via própria para o
socialismo.
António Filipe dá um exemplo curioso para provar que em Cuba não
houve, nem há presos políticos: “Vimos agora na recente visita do
presidente Barack Obama, em que um jornalista norte-americano perguntou
ao presidente Raul Castro porque é que não libertava os presos políticos
e a resposta dele foi: ‘Diga-me lá quais são que eu liberto-os de
imediato’”.
Ora, o deputado comunista deve ter-se esquecido que essa resposta não
foi original, mas utilizada por dirigentes de outros regimes comunistas
e totalitários. Os líderes soviéticos diziam exactamente o mesmo em
relação a conhecidos dissidentes. Por exemplo, é o caso do grande poeta
Iossif Brodski, Prémio Nobel da Literatura. Ele foi condenado por não
ter um emprego, e não pelas ideias que defendia. Ou seja, assim não se
poderia chamar preso político a uma pessoa que cometeu um crime de
delito comum (quem não tivesse um emprego na URSS era considerado um
criminoso — Brodski afirmou no tribunal que era poeta, mas o juiz não
aceitou essa explicação e condenou-o). Esse método é actualmente
utilizado na Rússia, onde Vladimir Putin deu precisamente a mesma
resposta que deu Raúl Castro aos jornalistas quando lhe fizeram essa
pergunta.
Nada de original tem a política do PCP em relação ao apoio de um
governo do PS, considerado pelos comunistas “partido burguês” e de
“direita”. Como é sabido dos clássicos do marxismo-leninismo, os fins
justificam os meios e são permitidas alianças até com o diabo, desde que
favoreçam a causa. Daí a política do “participa, mas não entra”.
Porém, os comunistas serão os primeiros a roer a corda quando as
coisas começarem a dar para o torto. Por exemplo, a domada Intersindical
passará à ofensiva.
Houve tempos em que o PCP se gabava de ter mais de 200 mil
militantes, mas hoje são pouco mais de 50 mil. No entanto, ainda é cedo
para tirar conclusões sobre a morte irreversível desta força política.
Tendo em conta a situação política, económica e social que se vive em
Portugal e na União Europeia, é previsível que o PCP tenha ainda muitos
anos de vida, a não ser que o seu mais perigoso adversário, o Bloco de
Esquerda, lhe continue a roubar o nicho por ele ocupado no sistema
político português.
Além do atraso crónico em relação ao núcleo central dos países da
União Europeia, fruto da incompetência dos partidos centristas, das
ligações obscuras entre os poderes financeiro e político, da corrupção,
etc., que fazem com que muitos cidadãos procurem soluções noutros
quadrantes políticos mais radicais, em Portugal, devido à ausência de
forças da extrema-direita, o PCP e o BE chamam a si também o papel que
esse sector político desempenha noutros países da UE, estão juntos no
combate contra o projecto europeu.
Exceptuando a xenofobia, exigências como a saída do euro ou até da
União Europeia são comuns a ambos esses sectores políticos extremos. Em
alguns sectores, o discurso de Jerónimo de Sousa ou de Catarina Martins
não ficam atrás dos de Marine Le Pen no que diz respeito à “defesa dos
interesses nacionais”.
Também não é por acaso que esses sectores apoiam a política externa
de Vladimir Putin, vendo nela uma ajuda na destruição da União Europeia e
no “combate ao imperialismo”.
A burocracia de Bruxelas e os governos dos países membros da União
Europeia mostram cada vez menos capacidade de dar um novo alento ao
processo de coesão, o projecto europeu está cada vez mais à deriva,
criando um clima fértil para que forças extremistas conservem ou
aumentem mesmo o seu poder de influência, para que surjam políticos
populistas capazes de fazerem recuar a Europa a épocas sombrias.
E já agora esta também tem interesse, mas bate na mesma tecla do conformismo assolapado nas redacções:
1. Posso começar com uma citação? Ao falar sobre a
campanha eleitoral para a Assembleia da República, o secretário-geral do
PCP chamou a atenção para as “duas direcções fundamentais da sua
actuação”. Eram elas: “Por um lado, evitar uma maioria da direita […]
CDS e PSD e, por outro lado, criar condições para uma maioria de
esquerda”. “Temos insistido na necessidade do acordo dos socialistas”,
esclareceu, porque senão “o PS vai aliar-se à direita, vai aliar-se ao
PSD e talvez ao CDS”. Depois de conhecidos os resultados eleitorais, e
perante o sucesso do seu duplo objetivo, defendeu, com convicção e
esperança, que “haveria possibilidades para a formação de um governo de
esquerda assente nessa [nova] maioria”.
Todas estas citações são, obviamente, de Álvaro Cunhal, que falava
sobre as primeiras eleições legislativas da democracia, em 1976. Está
tudo nas Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal — Tomo VI, 1976 (Edições Avante!).
Outra análise sobre o PCP, no Público de hoje e que arrisca a exposição das contradições sem tirar conclusões lógicas...