Esta foto foi tirada na tarde do dia 15 de Agosto de 1970,
um Sábado, também dia feriado religioso,
numa freguesia do Alto Minho, aquela em que nasci e conheço bem.
Retrata o momento da entrada de um novo pároco na freguesia,
após a saída do anterior que aí estivera durante alguns anos. A freguesia, por causa de um pequeno cenóbio beneditino,
existente alguns séculos antes e transformado depois em pequena casa senhorial,
tinha um “abade” que era assim a designação do pároco. O “senhor abade”.
Uma análise semiótica ao que se vê como sinal, na foto, permitirá entender melhor o que foi o nosso
tempo no final dos anos sessenta do século que passou, já em plena fase do
marcelismo e ainda com guerra no Ultramar acesa.
Alguns dos seus habitantes jovens estavam na altura a incorporar as fileiras das forças armadas, nesse Ultramar distante e que era depois contado pelos que vinham da guerra de guerrilha, com os pormenores da realidade vivida por eles e sem censura.
Não me lembro de ter ouvido de um único a expressão “guerra colonial” ou sequer a caracterização política do fenómeno como acontece de há cerca de 43 anos a esta parte e que surgiu da linguagem comunista e socialista que pegou de estaca em 1974 e antes não existia no léxico corrente.
A guerra aceitava-se como um sacrifício quase natural e decorrente das obrigações cívicas dos jovens que para lá partiam. Quem não queria, fugia para França e houve alguns que o fizeram, mas nunca por motivos políticos.
Alguns dos seus habitantes jovens estavam na altura a incorporar as fileiras das forças armadas, nesse Ultramar distante e que era depois contado pelos que vinham da guerra de guerrilha, com os pormenores da realidade vivida por eles e sem censura.
Não me lembro de ter ouvido de um único a expressão “guerra colonial” ou sequer a caracterização política do fenómeno como acontece de há cerca de 43 anos a esta parte e que surgiu da linguagem comunista e socialista que pegou de estaca em 1974 e antes não existia no léxico corrente.
A guerra aceitava-se como um sacrifício quase natural e decorrente das obrigações cívicas dos jovens que para lá partiam. Quem não queria, fugia para França e houve alguns que o fizeram, mas nunca por motivos políticos.
O povo que se vê na foto são os habitantes da aldeia que na
altura teria cerca de dois milhares, pelo que estavam ali em peso Além do mais era Sábado, de tarde e feriado religioso e não se
trabalhava no campo como nos outros dias da semana, se fosse preciso, como era,
estar presente num evento desta natureza.
Atrás está um "monte" que era o de Santo Amaro, muito verdejante e pejado de pinheiros e que nesta época era palco de um incêndio ou outro, aliás muito raros e que eram apagados, sempre antes de os bombeiros chegarem, quando chegavam, pela população local que acorria sempre que se ouvia o "sino a rebate". As pessoas até sentiam chieira de apagarem o fogo antes dos bombeiros chegarem...
Só nos tempos da "democracia" os fogos no local atingiram proporções dramáticas e que consumiram mais hectares que em todo o tempo do regime anterior...
As pessoas que se vêem na foto estão vestidas do modo como
iam à missa: roupa de Domingo, gravata para os homens, lenço na cabeça para as
mulheres- que era assim que iam à missa. Roupas escuras e a denotar viuvez, em alguns
casos.
Primeiro sinal: não há jovens adolescentes, rapazes, na foto. Há algumas raparigas, poucas, mas
rapazes não. Onde estavam os rapazes, nesse dia 15 de Agosto de 1970? Algures,
eventualmente no rio, a dois quilómetros dali, porque era Verão embora esse dia
não estivesse particularmente quente. Mas
se não estivessem no rio também não seria provável que ali aparecessem e
ninguém achava estranho porque a adolescência é mesmo assim.
Mas há muitos putos, à frente do cortejo, como era costume. Todos
vestidos com roupa “de Domingo”, com excepção de um ou outro, por motivos que
adiante se explicarão. Todos alegres e activos como é próprio da idade e representativos
dos extractos sociais da localidade, aliás bastante homogéneos. Não havia ricos
ou “senhores” cujo modus vivendi se distinguisse em modo assinalável dos demais
habitantes.
Havia sim, alguns pequenos proprietários que ostentavam esse
título profissional e que também se representam na foto, mas a homogeneidade do
extracto social era comum a todos: nascidos no campo que era a aldeia,
trabalhadores no campo, um ou outro nas fábricas ou pequenas empresas locais,
em diversos patamares profissionais. Uns eram “artistas”, procurados para os
acabamentos das casas; outros eram encarregados ou feitores dos proprietários
locais, uma meia dúzia, se tanto. Havia os merceeiros, dois ou três; o pequeno
construtor civil local que não se distinguia dos restantes trabalhadores a seu
cargo a não ser pela maior mobilidade, com a “carrinha” que era também o seu automóvel e os restantes trabalhadores
das pequenas obras de construção civil .
A maioria dos habitantes tinha as suas pequenas courelas,
adjacentes ao quintal ou espalhadas pela freguesia e que permitiam a economia
doméstica de subsistência básica, com pouco excedente e mesmo assim alguma
poupança para as horas difíceis de alguma desgraça ou doença, porque não havia
assistência social com rendimento mínimo garantido. O trabalho, no campo ou nas
pequenas empresas, era o valor primordial para ter algum rendimento. Alguns,
poucos, sem courelas, trabalhavam para outros, “ao jornal”, para ganhar a
subsistência de si e dos filhos que por vezes eram muitos.
Os animais, vacas, porcos, coelhos, galinhas, etc. eram a
fonte de sustento imediato e permanente da maioria.
As vacas mantinham-se para ajudar nas tarefas dos campos,
com carroças de madeira, já com rodas de ferro forjado e que permitiam carregar
as ervas, os milhos, as palhas, o estrume, as cargas mais pesadas dos pipos de
vinho na altura dele. As carroças do gado eram um instrumento essencial para
desenvolver o amanho das terras, com a ajuda dos animais e quase toda a gente
que tinha terras e animais também tinha uma carroça ou carro de bois. Onde se
compravam esses apetrechos, fabricados por artesãos regionais? Nas feiras
semanais numa localidade situada a meia dúzia de quilómetros que se faziam a
pé, para lá ir mercar.
O trabalho nos campos carecia de horário alargado: de sol a
sol, geralmente. E por vezes pela noite dentro, em desfolhadas, por exemplo, no
tempo delas, para o fim do Verão e antes das vindimas. Toda a gente que tinha
campos tinha vinhas e em Janeiro-Fevereiro podava-as e sulfatava-as, para ter vinho novo no Outono. As vides da
poda guardavam-se em molhos para queimar na lareira e também se queimavam nas
fogueiras do S. João, no calor de Junho.
O leite que as vacas
davam servia para consumo caseiro e para vender, existindo um posto público de
recolha desse leite que as raparigas novas ( não eram os rapazes que faziam tal
tarefa) transportavam à cabeça ou em
canecos mais pequenos, ao fim do dia, para alimentar as fábricas de laticínios
regionais ( Póvoa ou Ponte de Lima). Havia um camião dos lacticínios,
organizados em cooperativas que recolhia diariamente as barricas de leite,
feitas de metal branco de alumínio e que soavam quando se entrechocavam no
camião que as transportava, sinalizando a passagem do veículo.
A tarefa do encarregado do posto do leite era a de assegurar
a medida e as condições de sanidade do produto, por visão directa, rejeitando o
que não lhe parecia prestar.
O resto servia para o queijo Limiano e para o das Marinhas,
cuja manteiga ainda hoje é das melhores do mundo.
Os trabalhos no campo giravam sempre à volta dessa
actividade que envolvia os animais e o ciclo da sua alimentação e retorno que
provocavam ao proprietário quando se vendiam as crias ou o leite.
Tal implicava a existência de cortes para os animais, de
“astro” ou seja cama de tojo que era preciso recolher nos campos e montes e por
isso os mesmos eram limpos dos matos, o que além do mais evitava os incêndios.
Na foto vê-se um monte ao fundo e por vezes ardia, no Verão.
Mas era fogo de pouca dura por um motivo simples: as pessoas acorriam logo que
viam fumo. Logo era mesmo isso, deixavam tudo e iam acorrer, havendo situações
em que se tocava o sino “ a rebate” quando um incêndio ameaçava tomar maiores
proporções.
Não me lembro de na infância assistir a um incêndio que
demorasse mais de uma hora a ser extinto. Lembro-me de uma vez começar um fogo
numa casa vizinha e após os gritos de socorro da habitante os vizinhos
acorrerem em bloco com cântaros de água tirada do poço e extinguir o incêndio
antes de os bombeiros chegarem, o que aliás era usual.
Ninguém se queixava particularmente da dureza da vida, para
além do que todos sentiam: era preciso trabalhar e havia sempre trabalho para
quem precisava ou queria.
Na análise pormenorizada de algumas pessoas da foto nota-se
o seguinte:
Com o número 1 está a figura do padre que entra de novo na
paróquia. Ainda na casa dos vinte anos, vindo de outra paróquia em concelho
distante, foi acolhido pela população em
peso, como se pode ver na foto, no largo principal da aldeia, junto a uma
capela cuja torre se vê na foto, ao fundo. No mesmo plano nota-se um “coreto”
que servia para albergar a banda de música nos dias da festa anual, no Domingo
de pascoela. Esse coreto, a par de outro, no outro lado do adro, foi construído
em cimento para substituir os de madeira, amovíveis e montados todos os anos,
com grande esforço das comissões de festa, donativos locais e mão de obra
também da terra.
Com o nº2 está o presidente da Junta de freguesia, por acaso
meu pai, com o meu avô, logo atrás ( nº6) . E porque é que a Junta de freguesia
se associava oficialmente a este evento? Porque nem se pensava que tal não
fosse assim, como aliás continua a ser nos dias de hoje, embora com maior
distância jacobina.
O presidente da Junta foi aliás quem arranjou modo de
construir a via em que todos passam. O caminho anterior, de ligação daquela
parte da freguesia à Igreja principal, fazia-se em lugar apertado por campos de
proprietários que tinham possibilidade de deixar crescer as vinhas por cima
dele, fazendo copa e sombra no Verão, mas como era também passado por aqueduto
de águas livres da chuva de Inverno, tornava-se intransitável sempre que chovia
demais. Por isso a necessidade em abrir novo caminho cuja construção foi
igualmente participada pelo povo local, assim, na foto de 1965:
Nesta foto está o presidente da Junta ( o mesmo) com “fato
de trabalho”, o pároco anterior ( com óculos e de quase perfil) e o responsável
da Câmara ( atrás do presidente da Junta) . A olhar para nós, na foto está o Luciano, um ano mais velho que eu e que já morreu, há uns anos, de cirrose ou doença hepática.
O Luciano era filho de pais pobres, muito pobres e com vários filhos que emigraram para França nos anos sessenta, precisamente a época da foto. Na escola não era barra e começou a trabalhar nas obras muito cedo. Basta olhar para ele e adivinhar dificuldades de vida diária, na família ( pai que gostava de beber) e mãe que trabalhava de vez em quando porque tinha mais que fazer. O cabelo era cortado em casa, certamente, com o método artesanal da tijela.
O Luciano excedia numa coisa: a jogar à lerpa ou a desenrascar-se no trabalho. E nessa ocupação dominical, nas tardes junto ao coreto e escondidos das autoridades que pudessem passar ( e passavam se desconfiassem que aí se jogava a dinheiro...) o Luciano era dos ganhadores. Habituei-me a observar o Luciano e outros como ele, com esperteza suficiente que ultrapassava a inteligência necessária e uma vez arrisquei as cinco coroas ( moeda de 2$50) que o meu pai me dava para gastar no Domingo ( e provavelmente durante a semana, em gastos supérfluos). Joguei e...perdi. E perdi outra vez. A lição foi proveitosa porque nunca mais me tentei por jogos de sorte e azar. Fiquei vacinado com essas experiência.
A máquina era da Câmara e a mão de obra, toda, exclusivamente do povo local, como mostram estas fotos do mesmo evento:
O Luciano era filho de pais pobres, muito pobres e com vários filhos que emigraram para França nos anos sessenta, precisamente a época da foto. Na escola não era barra e começou a trabalhar nas obras muito cedo. Basta olhar para ele e adivinhar dificuldades de vida diária, na família ( pai que gostava de beber) e mãe que trabalhava de vez em quando porque tinha mais que fazer. O cabelo era cortado em casa, certamente, com o método artesanal da tijela.
O Luciano excedia numa coisa: a jogar à lerpa ou a desenrascar-se no trabalho. E nessa ocupação dominical, nas tardes junto ao coreto e escondidos das autoridades que pudessem passar ( e passavam se desconfiassem que aí se jogava a dinheiro...) o Luciano era dos ganhadores. Habituei-me a observar o Luciano e outros como ele, com esperteza suficiente que ultrapassava a inteligência necessária e uma vez arrisquei as cinco coroas ( moeda de 2$50) que o meu pai me dava para gastar no Domingo ( e provavelmente durante a semana, em gastos supérfluos). Joguei e...perdi. E perdi outra vez. A lição foi proveitosa porque nunca mais me tentei por jogos de sorte e azar. Fiquei vacinado com essas experiência.
A máquina era da Câmara e a mão de obra, toda, exclusivamente do povo local, como mostram estas fotos do mesmo evento:
Será caso para repetir o slogan esquerdista , “se isto não é o povo, onde é que
está o povo?” …
O nº3 na foto é o sacristão que o foi durante décadas. Figura importante na paróquia,
encarregado de preparar as alfaias religiosas, ajudar à missa, antes da
introdução dos acólitos ( fruto da renovação do Vaticano II) , recolher as dádivas dos fiéis, nas missas, tocar o
sino nas diversas circunstâncias dos dias, lançar os foguetes nos dias de
festa, pregoar nos leilões ( precisamente no dia da festa que se iria celebrar
no dia seguinte. 16 de Agosto), etc.
A foto nº4 está relacionada com esse dia porque é de um seminarista quase a ordenar-se padre,
autor das fotos sobre a “obra da estrada da Igreja” acima mostradas e que iria
proferir o sermão da “Missa de festa” naquele dia, a convite do novo pároco.
Esse seminarista era filho da figura com o nº11, um pequeno
lavrador local que vivia do que a terra produzia, os animais que tinha, o vinho
que guardava e a economia assim gerada.
Já o pai era assim e os filhos deixaram de o ser porque dos três que tinha, só
a filha continuou a tradição. Esta, na adolescência, estourou inadvertidamente
uma bomba de foguete sem rebentar que trouxe para casa e ficou sem uma mão. Tal
não a impediu de fazer as tarefas diárias, até hoje.
Com o nº 13 e quase encoberta está a figura da professora
primária local, uma senhora que sendo já cinquentenária tinha vindo de longe
quando foi colocada na freguesia nessa função, ainda nos anos cinquenta e que
fora professora sucessiva de várias gerações. Casada com um funcionário superior
dos caminhos de ferro era “ a Professora”, não podendo faltar ao acontecimento.
Com os nºs 5, 8 e 10 estão figuradas três pessoas da aldeia,
típicas: um indivíduo solteirão, lavrador quase abastado, quase analfabeto, de
famílias antigas da freguesia e com peso representativo pela posição social
ocupada. Vivia em casa de família com
mais duas irmãs, também solteiras e a história da família poderia ser um
compêndio do Portugal rural desse tempo, nestas terras do Norte. Pena que
ninguém a faça…
A que tem o número 8 é uma viúva, tal como a que se lhe
segue imediatamente atrás. Vestidas de preto e de extracção familiar pobre, não
se sentiam diminuídas pela circunstância. A que segue atrás tinha a família
emigrada em França. Na aldeia trabalhavam nos campos dos outros, como
jornaleiras.
Uma das netas casou com o rapaz que tem o nº12 e que também
aparece na foto seguinte, com as mãos nos bolsos. Era um aluno inteligente,
estudou um pouco, até seguir para França onde os pais já se encontravam também,
desde os anos sessenta a trabalhar na construção civil e seguindo as pisadas
dos mesmos, chegou a gerente de grande firma de construção até ser abatido por
um cancro há alguns anos. Era o “Tone redranga”, um ano mais novo que eu.
Com o nº 10, uma "mãe solteira", já com uma neta ao colo e que teve dois filhos, de vizinhos, casados e que apesar de se saber tal, nunca foi motivo de discriminação social ou de comentário público aberto depreciativo. A censura de costumes era essa: sabia-se do assunto mas quem sabia não propalava sem necessidade de tal. Os filhos eram de "pai incógnito" que eventualmente ajudaria, pouco claro e consoante as posses, a criar os filhos bastardos. E o equilíbrio social fazia-se desse modo discreto e com aceitação de harmonia de séculos de costumes.Havia na aldeia alguns casos destes, muito poucos, mas todos integrados desse modo.
Com o nº 10, uma "mãe solteira", já com uma neta ao colo e que teve dois filhos, de vizinhos, casados e que apesar de se saber tal, nunca foi motivo de discriminação social ou de comentário público aberto depreciativo. A censura de costumes era essa: sabia-se do assunto mas quem sabia não propalava sem necessidade de tal. Os filhos eram de "pai incógnito" que eventualmente ajudaria, pouco claro e consoante as posses, a criar os filhos bastardos. E o equilíbrio social fazia-se desse modo discreto e com aceitação de harmonia de séculos de costumes.Havia na aldeia alguns casos destes, muito poucos, mas todos integrados desse modo.
Com o nº7 aparece outro rapaz que tinha a alcunha de “pitomorréu”
devido à pronúncia característica dos pais que apareceram na aldeia, pouco
tempo antes, vindos de outra mais distante e cuja pronúncia das palavras
contrastava com a local. Um dia, a mãe, vendo um pinto pequeno de asa caída e
quase a entregar as penas ao criador perguntou ao marido “ Ó Jé, o pito morreu?”
, e como a conversa foi escutada por vizinhos que estranhavam a pronúncia “estrangeira”
a alcunha pegou de estaca, logo que contada a história na mercearia local.
O filho do “pitomorréu” era pobre, filho de pobres,
alcoólicos como alguns da aldeia e como se vê, ia descalço, ao contrário dos
demais. Apesar disso, a dignidade que tinha como indivíduo não era menor às dos
demais, porque os valores então, eram outros que não exactamente os de agora. Não era só a pobreza ou riqueza, mesmo relativa que impulsionava as opções políticas e as ideias sociais, como agora acontece com as ideias de esquerda fundamentais e de "luta de classes". Era outra coisa que também abarcava isso mas de modo mais sincrético e completo.
São esses valores, intrincados e imbricados em todas estas
circunstâncias locais e de educação, com as instituições referidas, as
personagens elencadas e as idiossincrasias próprias da época que se tornam imprescindíveis
entender para que a História se faça de modo correcto e não por um prisma
apenas politicamente correcto.
O que falha actualmente quando se escreve sobre o tempo do
Estado Novo ou até mesmo o que se lhe seguiu como é aquele retratado nas fotos
é essa compreensão clara de todos esses fenómenos.
Quem viveu sempre nas cidades ou apenas conhece as aldeias
de cor não poderá apreender todos os cambiantes culturais e sociais que
determinam essa História e ajudam a compreender a sociedade portuguesa desse
tempo.
Quem viveu ou conheceu apenas o Sul não poderá ajuizar o
Norte do mesmo modo, sem conhecer tudo isso.
Sempre que leio alguma coisa agora publicada sobre o tempo
do Estado Novo ou do antigo regime lembro-me sempre disto e de como é
impossível escrever sobre esse tempo, desligando-o destes fenómenos e
principalmente sem ter a noção sequer da sua compreensão obrigatória.
É por isso que escrever sobre esses assuntos não é para todos,
parecendo-me que aqueles que têm escrito e são o gotha da nossa
intelectualidade lusa têm falta desses requisitos mínimos para tal e por isso
escrevem burricadas e obras de ficção sobre a História que tentam narrar.
Ler o que escrevem assemelha-se muitas vezes a um relato de
sociedade sub-tropical efectuado por um nórdico das tundras: só apreende as
aparências e interpreta os sinais com um código errado. Logo, torna-se desprezível como documento de realidade histórica.
Por último e com o nº9 o fotógrafo da aldeia vizinha que aparecia sempre a documentar estes acontecimentos festivos, As fotografias que tirava eram reveladas do modo antigo, em papel que perdurava décadas. Havia dois fotógrafos para estes eventos e eram ambos pobres, amadores e andavam de bicicleta. O que tirou a foto é um deles; o outro é o retratado que traz a máquina ao colo para depois tirar os retratos individuais a quem o solicitasse.
As fotos de ambos mostram mais que muitos livros escritos pelos Rosas&Flunser...e eram quase analfabetos.
20 comentários:
Que maravilha de crónica. O "pitomorréu"
ehehehe
As viagens nas nossa terras, tudo muito simples. Havia humildade, carácter e confiança em cada um é em todos.
Obrigado, José
"tudo muito simples. Havia humildade, carácter e confiança em cada um é em todos. "
É muito difícil explicar essas coisas a quem só acredita na luta de classes.
Muito difícil porque além do mais são idiotas.
Muito bom. Parabéns!
O meu Pai também é Minhoto, apesar de ser citadino (Viana) e, nas suas vivências, tem muito em comum com o jose. A exaltação do trabalho, modéstia, poupança está tão distante da mentalidade vigente que parece apenas existir em livros de contos de fadas.
Hoje, o Portugal real, verdadeiro, apenas subsiste em locais remotos: todos os que vivem nas grandes cidades e não se preocupam em escavar para além do que nos é transmitido pela MSM, movimentam-se na mais absoluta ignorância.
Estou-lhe grato por este naco de excelente prosa. Retrata de forma exemplar a vida das gentes que nos antecederam e de nós.
Eu vivi, também, esses tempos, mas no Douro Litoral.
Muito bom!
A minha família paterna é de perto de Pinhel e recordo-me de lá ir, por altura da Páscoa, e tudo ser muito semelhante ao que aqui descreve.
Vou acrescentar outra memória que me ocorreu e relacionada com um dos rapazes visível na foto.
Um verdadeiro retrato histórico de uma época.
Cpmts.
Gostei bastante de ler este texto. Eu tenho uma certa nostalgia por estas coisas que na verdade não vivi… Nasci na cidade mas tornei-me campestre.
Muito bom.
A providência de Portugal sente-se mais no campo do que nas cidades. E vemos esse peculiar modo de vida português nos dias de hoje a arder e a definhar.
Muito obrigado, José.
Revejo-me nesses valores, nessa educação, nesse ambiente e na forma de contornar as dificuldades e as vivências desses dias e desses tempos, nomeadamente a alegria contida da canalha da escola nos funerais de "anjinhos". Esse mundo e essa cultura acabou e somos diáriamente contaminados por funcionários de diversos e avermelhados partidozecos que palram de cor o que os Giróminos, Louçãos ou Rosetes lhes encucam nas mentes tão mais brutas que pederneira, disfarçados de intelectuais.....Mestres na burrice e ignorãncia
Era capaz de ficar a ler horas e horas crónicas assim. Obrigado.
Era precisamente assim, também, na beira alta! E assim me recordo até aos largos anos 80! Depois tudo mudou, a maior prosperidade levou a um afastamento burguês! Os velhos foram morrendo e os novos já não voltavam no verão! Fizeram-se à vida, como era seu dever! Mas lá voltarão, com filhos, espero. O apelo da terra dos antepassados é, por vezes, revisitado a destempo e carece de uma clarividência do espírito para que se furte a outros chamamentos!
Refóios do Lima. Bela descrição.
Será mesmo? Não me parece. Será Miranda? Gostava de ter a certeza.
Podia ser a aldeia dos meus avós.
Obrigado pelo post
Miguel D
A aldeia é do concelho de Viana
A aldeia dos meus avós é na Beira, mas a paisagem e a descrição da vivência da comunidade fazem lembrar as histórias que me contavam.
Miguel D
Caro José
Mazarefes parece-me. Andou no Liceu Nacional de Viana do Castelo? Por lá andei de 64 a 69.
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