Morais Pinto proibiu os investigadores do caso Tancos de inquirirem Marcelo e Costa e terá mandado suprimir 48 questões para outras testemunhas que envolviam o Presidente da República.
Sábado de hoje ( apenas a primeira e última páginas do artigo porque quem quiser ler tudo deve comprar a revista):
O essencial está escrito: o director do DCIAP, procurador-geral adjunto Albano Pinto, deu uma ordem no âmbito de um inquérito cuja titularidade pertencia a magistrados que aparentemente não concordavam com tal ordem. Mais: tal ordem nem terá sido emitida no processo propriamente dito mas em documento apócrifo, embora para valer no âmbito das relações hierárquicas, nesse processo, o que se apresenta bizarro.
A conclusão da Sábado é clara: o director do DCIAP, Albano Pinto não quis, eventualmente por "respeitinho" que os investigadores do processo fossem incomodar suas Excelências o presidente da República, o Primeiro-Ministro, a ex-PGR Joana Marques Vidal e uns tantos militares de alta patente. E deu ordem de abstenção de tal actuação aos magistrados titulares do inquérito.
A revista não elabora muito mais que isto a não ser indicar quem foi o bufo que anunciou ao director do DCIAP tais intenções malévolas: o próprio director da PJ, não se sabe a que propósito e tendo em atenção que devia rachar lenha neste caso, porque está efectivamente de fora e dependente dos magistrados que dirigem o inquérito. Este director da PJ já mostrou ao que anda, em algumas ocasiões e não parece nada de bom, infelizmente. Espero estar enganado.
Assim, colocam-se duas questões a dilucidar. A primeira é saber se Albano Pinto tinha competência e legitimidade para dar a tal ordem.
Albano Pinto, como director do DCIAP pode dar "ordens" ao magistrados que são titulares legítimos de processos? Ou seja, Albano Pinto é autoridade judiciária nos inquéritos que estão no DCIAP? A resposta parece evidente: não!
Se não é autoridade judiciária, ipso facto, pode vir a sê-lo? Talvez, se avocar tais processos, ou seja se despachar ele próprio nesses processos, assumindo tal qualidade e justificando-a, evidentemente, por escrito no próprio processo.
Aparentemente não foi isso que sucedeu, porque é dito na notícia e no comunicado da PGR que Albano Pinto deu uma ordem com incidência num processo a cargo de outros magistrados que não ele mesmo. E deu tal ordem num documento "à parte", com várias dezenas de páginas e que não foi incorporado no processo.
Onde é que já se viu isto? Num célebre processo administrativo organizado para controlar uma famigerada "extensão procedimental", pelo incrível ex-PGR Pinto Monteiro. Não sei e gostava de saber qual a legitimidade desta actuação e legalidade inerente. Albano Pinto ou mesmo a PGR que parece ter sancionado este procedimento, uma vez que o DCIAP depende da PGR, tem responsabilidades porque...sim.
Haja quem lhas peça! Porque as intervenções hierárquicas estão bem definidas...e este tipo de ordens parecem mesmo aquelas que nunca deveriam ser dadas...
Porque razão é que tal ordem pode efectivamente ser ilegítima e ilegal? Por isto:
O que é a "lei processual", para este efeito? A que está no CPP, particularmente o artº 278º que estabelece os limites da intervenção hierárquica no MºPª.
Quanto à eventual ilegalidade da ordem, parece que a mesma pode ofender os princípios de autonomia interna do MºPº e particularmente dos magistrados subordinados a uma hierarquia, pela seguinte ordem de razões:
Decorre da qualificação constitucional ( artº 219, nº 4 e 5 da CRP) que os magistrados são responsáveis e hierarquicamente subordinados e a sua distinção relativamente a demais agentes do Estado confere-lhe um estatuto de magistratura que essencialmente contende com a autonomia se não com a independência relativa de que gozam.
Decorre dessa asserção conceptual que o magistrado do MºPº está vinculado ao exercício do cargo segundo “critérios de legalidade e objectividade” ( artº 2º do EMP) e sujeitos a directivas, ordens e instruções previstas na lei ( artº 2º nº 2 do EMP).
Os magistrados do MºPº não são independentes como o são os magistrados judiciais, mas a hierarquização decorre das suas funções específicas no seio dos tribunais, aqui entendidos como conceito alargado.
Esta natureza de magistratura obriga a uma conformação da hierarquia em moldes que não esvaziem o conceito de autonomia da sua própria natureza.
Daí que os limites ao exercício do poder hierárquico não sejam apenas de circunstância mas essenciais para se preservar tal estatuto, relevando de alguma delicadeza a sua análise conceptual conforme tem sido referido por alguns estudiosos.
O assunto não tem sido estudado profusamente em tempos recentes embora se encontre um estudo sob a forma de parecer, da autoria de Rui Medeiros e José Lobo Moutinho, professores da Faculdade de Direito da Universidade Católica e suscitado pelo SMMP por ocasião da recente reforma judiciária.
O estudo pode por isso ser consultado no sítio do SMMP e torna-se útil na sua apresentação sumária de tais princípios e na remissão para outros estudos mais antigos e que ainda perduram como referências nesta matéria, designadamente os estudos de Conselheiros, como Cunha Rodrigues e Henriques Gaspar (este , com o estudo - Ministério Público, hierarquia e processo penal, in RMP-Cadernos, nº 6, 1994) e de Paulo Dá Mesquita (Processo Penal, prova e sistema judiciário, WoltersKluwer/Coimbra Editora, 2010, na sequência de estudo anterior, de 2003).
Se o exercício do poder hierárquico encontra limites na legalidade estrita e na conformação da consciência jurídica do magistrado, se a ordem a ofender de modo grave, será ilegal e recusável.
E que dizem aqueles ilustres magistrados sobre o assunto, particularmente as ordens proferidas pelo superior hierárquico, dirigidas ao inferior hierárquico individualizado e titular de um processo concreto, como é o caso do processo de Tancos?
Paulo Dá Mesquita, na obra em causa, cita a fls. 274, Figueiredo Dias que afirma que “o maior perigo para o escrupuloso cumprimento do dever de objectividade do MºPº provirá de um erróneo entendimento da amplitude dos efeitos a atribuir ao seu dever de obediência hierárquica” e em particular a ordens que “respeitem a um processo penal”, cujo poder de direcção tem de “conter-se em limites muito especiais cuja dilucidação exacta suscita os mais intrincados problemas”. E por isso tenha sido intenção expressa do actual CPP, em 1987, em desenvolver uma “tendência recessiva da hierarquia”.
Para além da inadmissibilidade de recusa de ordens proferidas nos termos da lei de processo e aí previstas expressamente, verifica-se que nos outros casos, como é o caso dos autos, “o magistrado que intervém no processo tem de avaliar se em termos procedimentais se configura como admissível e na afirmativa terá de proceder à sua valoração à luz da legalidade substancial”, escreve Dá Mesquita a fls. 276, ob citada.
A fls. 280, em anotação, o mesmo magistrado refere expressamente a possibilidade de recusa da ordem de interposição de recurso através da alegação de ilegalidade ou de recusa com fundamento em grave violação da consciência jurídica, nos termos do artº 79º nº2 do EMP.
Quanto à eventual ilegalidade da ordem, parece que a mesma pode ofender os princípios de autonomia interna do MºPº e particularmente dos magistrados subordinados a uma hierarquia, pela seguinte ordem de razões:
Decorre da qualificação constitucional ( artº 219, nº 4 e 5 da CRP) que os magistrados são responsáveis e hierarquicamente subordinados e a sua distinção relativamente a demais agentes do Estado confere-lhe um estatuto de magistratura que essencialmente contende com a autonomia se não com a independência relativa de que gozam.
Decorre dessa asserção conceptual que o magistrado do MºPº está vinculado ao exercício do cargo segundo “critérios de legalidade e objectividade” ( artº 2º do EMP) e sujeitos a directivas, ordens e instruções previstas na lei ( artº 2º nº 2 do EMP).
Os magistrados do MºPº não são independentes como o são os magistrados judiciais, mas a hierarquização decorre das suas funções específicas no seio dos tribunais, aqui entendidos como conceito alargado.
Esta natureza de magistratura obriga a uma conformação da hierarquia em moldes que não esvaziem o conceito de autonomia da sua própria natureza.
Daí que os limites ao exercício do poder hierárquico não sejam apenas de circunstância mas essenciais para se preservar tal estatuto, relevando de alguma delicadeza a sua análise conceptual conforme tem sido referido por alguns estudiosos.
O assunto não tem sido estudado profusamente em tempos recentes embora se encontre um estudo sob a forma de parecer, da autoria de Rui Medeiros e José Lobo Moutinho, professores da Faculdade de Direito da Universidade Católica e suscitado pelo SMMP por ocasião da recente reforma judiciária.
O estudo pode por isso ser consultado no sítio do SMMP e torna-se útil na sua apresentação sumária de tais princípios e na remissão para outros estudos mais antigos e que ainda perduram como referências nesta matéria, designadamente os estudos de Conselheiros, como Cunha Rodrigues e Henriques Gaspar (este , com o estudo - Ministério Público, hierarquia e processo penal, in RMP-Cadernos, nº 6, 1994) e de Paulo Dá Mesquita (Processo Penal, prova e sistema judiciário, WoltersKluwer/Coimbra Editora, 2010, na sequência de estudo anterior, de 2003).
Se o exercício do poder hierárquico encontra limites na legalidade estrita e na conformação da consciência jurídica do magistrado, se a ordem a ofender de modo grave, será ilegal e recusável.
E que dizem aqueles ilustres magistrados sobre o assunto, particularmente as ordens proferidas pelo superior hierárquico, dirigidas ao inferior hierárquico individualizado e titular de um processo concreto, como é o caso do processo de Tancos?
Paulo Dá Mesquita, na obra em causa, cita a fls. 274, Figueiredo Dias que afirma que “o maior perigo para o escrupuloso cumprimento do dever de objectividade do MºPº provirá de um erróneo entendimento da amplitude dos efeitos a atribuir ao seu dever de obediência hierárquica” e em particular a ordens que “respeitem a um processo penal”, cujo poder de direcção tem de “conter-se em limites muito especiais cuja dilucidação exacta suscita os mais intrincados problemas”. E por isso tenha sido intenção expressa do actual CPP, em 1987, em desenvolver uma “tendência recessiva da hierarquia”.
Para além da inadmissibilidade de recusa de ordens proferidas nos termos da lei de processo e aí previstas expressamente, verifica-se que nos outros casos, como é o caso dos autos, “o magistrado que intervém no processo tem de avaliar se em termos procedimentais se configura como admissível e na afirmativa terá de proceder à sua valoração à luz da legalidade substancial”, escreve Dá Mesquita a fls. 276, ob citada.
A fls. 280, em anotação, o mesmo magistrado refere expressamente a possibilidade de recusa da ordem de interposição de recurso através da alegação de ilegalidade ou de recusa com fundamento em grave violação da consciência jurídica, nos termos do artº 79º nº2 do EMP.
Se isto for assim, a PGR e o director do DCIAP ainda têm muito que explicar ao país e não chega o comunicado sucinte emitido, para eventualmente controlar danos.
Dito isto, resta a questão de fundo:
Deveriam as aludidas Excelências ser incomodadas nos seus altos cargos, em véspera eleitoral e aparentemente para serem ouvidas como testemunhas de factos cuja prova já era suficiente? Se calhar, não.
Então porque quiseram os magistrados ouvir suas Excelências? Para esgotar prova que saltava no processo e se assemelhava a elefantes em salas já cheias? Enfim, talvez não fosse despiciendo ouvir suas Excelências noutras circunstâncias, mas nestas, nestas, julgo que seria insensato.
A não ser que...houvesse suspeitas efectivas de que suas Excelências deveriam passar a outra condição que não a de testemunhas, o que aliás me parece mais que indicado.
E ainda assim, deveriam tais diligências ter lugar? Também me parece que não. Seria preferível, como ainda o será, extrair certidões de peças processuais, enunciar suspeitas e remeter a entidades competentes para ouvir suas Excelências. E não será o DCIAP que tem essas competências. Logo...a decisão de Albano Pinto até pode estar correcta.
Resta saber é se foi pelas boas razões. Suspeito que não...
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