Há anos que me interrogo sobre as razões pelas quais Portugal, em geral, adoptou como ideologia dominante a de esquerda com os seus vários matizes.
Desde há 45 anos que Portugal se tornou oficiosamente um lugar privilegiado para a esquerda em detrimento de algo que não siga tal ideologia e se convencionou acantonar numa direita. Em Portugal a direita é mítica, não existe enquanto realidade assumida e visível no espaço mediático.
Há pessoas que se exprimem publicamente, por escrito e em pequenos meios de informação, como o jornal O Diabo, que poderiam assumir tal qualidade, mas a idiossincrasia inerente não é suficiente para tal.
Se formos verificar o que pensam tais pessoas do sistema económico, por exemplo, ou a propósito dos "ricos" teremos a surpresa de ver que não se distinguem da esquerda em geral. A pobreza não afecta apenas a esquerda invejosa e igualitária.
Assentam bases ideológicas em factores de indefinição, como religiosos ou afectivos e ligados a figuras do passado. Salazar, por exemplo. Marcello Caetano não é exemplo. Esta direita é mítica porque Salazar não poderia jamais servir de elemento de unificação a uma ideia ou a uma ideologia.
Salazar era apenas um elemento dessa direita que existia e se poderia rever no que o mesmo escreveu sobre assuntos em geral, acerca da natureza das pessoas e da sociedade, portuguesa, no caso. Porém, Salazar não deveria ser um símbolo dessa direita porque apenas estava imbuído da mesma.
Marcello Caetano, como professor autêntico, dos que geram doutrinas e líder de governo, durante meia dúzia de anos, foi um continuador da direita que poderia continuar a existir, porque os princípios básicos em que acreditava e cumpria era sensivelmente os mesmos de Salazar e de uma parte importante da sociedade portuguesa de então, com destaque para a sociedade rural e a que foi educada pela Igreja Católica e pelos costumes de tradição, migrando para as cidades.
Quando surgiu a revolução de 1974 tal direita não apareceu, integrada em projecto partidário coerente.
Apareceram vários partidos com elementos dessa direita, mas sem líderes carismáticos ou com autoridade académica e moral suficientes para que as pessoas que se reviam nessa direita difusa conseguissem identificar-se como tal.
Surgiram por isso os equívocos que se mantiveram ao longo de décadas, com a agravante dessa direita ter desaparecido da sociedade em geral por efeito deletério das ideologias correntes e costumes imanentes.
Curiosamente, se quisermos saber quem é a tal direita que nunca existiu, sintomaticamente teremos que estudar os livros de um estrangeiro, Riccardo Marchi que dedicou alguns anos a tal estudo publicado em dois ou três livros- Ideias e percursos das direitas portuguesas, publicado em 2014 pela editora Texto, que reune vários textos de autores considerados de direita e depois, em 2017, um livro ainda mais difícil de encontrar- A Direita nunca existiu, sobre os movimentos de direita após 1976 e publicado pelo Instituto de Ciências Sociais, patrocinado pela Gulbenkian com uma bolsa de estudo e ainda Império Nação Revolução, sobre as direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo ( 1959-1974) também da Texto e que não tenho.
Riccardo Marchi é italiano de Pádua, nascido em 1974. Que sabe ele ou sente ou pressente sequer da sociedade portuguesa, rural e católica das freguesias do Minho ou sequer das Beiras? Fez um doutoramento em 2008, sob a orientação de um antigo maoista ( António Costa Pinto) em 2008, no ISCTE, uma das madrassas da esquerda portuguesa.
Que dizer mais? Apenas que vale a pena consultar as obras para orientação geral sobre factos e nomes. Sobre ideias, sobram as lacunas, omissões e percepções da simples realidade social sobre o que foi e será Portugal.
A primeira obra teve uma referência num colóquio organizado pelo mesmo Marchi, em Novembro de 2010, sobre tais ideias e percursos sob o lema " as raízes profundas não gelam?", pergunta retórica emprestada de um escritor nórdico, J.R. Tolkien e redunda numa ideia feita: "em Portugal, os conceitos de tradição e/ou direita encontram-se frequentemente reduzidos, pelo imaginário colectivo, ao legado do Estado Novo e do seu arquitecto António Oliveira Salazar".
Portanto, não se vai além disto...apesar de um cartaz do colóquio apresentar uma caravela portuguesa que mais parece um galeão, com o casco gelado...e as letras de apresentação semelhantes a caracteres góticos. Uma salsaparrilha de incoerência sintomática e iconografia de banda desenhada.
Estas obras de Marchi serão semelhantes a estudos sobre a Mafia italiana se um intelectual como António Barreto disso fosse encarregado. Não falhariam os nomes e factos mas falharia o essencial que é perceber o que é verdadeiramente o espírito da mafia antiga e a sua evolução...coisa que só um mafioso entenderá bem.
Para qualificar e ideologizar o Estado Novo, o autor Luís Reis Torgal, professor de História junta esta imagem ao seu artigo sobre "do tradicionalismo antiliberal" em que conclui "não ser possível a democracia política sem a democracia social". Uma ideia feita que não tem efeito e diz que isso é uma lição histórica e política. Quem assim pensa já pensou tudo o que deveria pensar e não pensou muito.
A imagem é de 1937 e mostra a concepção do Estado Novo segundo a própria propaganda: na base da sociedade organizada está a família. A seguir a riqueza assenta no trabalho " de acordo com o capital". Logo depois os "trabalhadores sindicalizados dão as mãos aos patrões organizados" e depois a "superestrutura", como diriam os marxistas, da câmara corporativa, que representa os vários interesses em jogo na sociedade, incluindo os morais e culturais.
No topo surgem os órgãos de soberania, clássicos: o assembleia legislativa, o governo e os tribunais, encimados pela figura do "chefe", o último responsável sem rosto, no caso.
Seria isto a imagem-síntese da direita do Estado Novo que andam por aí a vituperar? Mesmo que fosse em 1937 antes da II Guerra mundial, o que resta disto em 1968, até 1974? O corporativismo? Com a CUF e Champalimaud? Ala Liberal e as taxas de crescimento perto dos dois dígitos? Valha-os Deus...
No livro aparece um artigo de Paula Borges dos Santos sobre "o significado do ´estar à direita` durante o Estado Novo" e estende tal período de 1945 a 1974 o que define logo uma incorrecção.
Seja como for, centra tal atenção na acção dos católicos durante tal período e mormente o que se seguiu ao Vaticano II, para concluir que "a maioria dos católicos politicamente actuantes optaria ainda na fase prè-constitucional por aderir ao PS, ao PPD e ao CDS. Para alguns católicos integristas a tentativa de integração política no processo democratizante seria mais difícil e realizou-se através de partidos como o Movimento Popular Português, organizado em torno do Círculo de Estudos Sociais e da revista Resistência, o Partido Nacionalista Português, o Movimento Federalista Português/Partido do Progresso e o Partido Trabalhista Democrático Português."
Depois de 28 de Setembro de 1974 estas forças partidárias dissolveram-se. Alguns integristas criaram depois partidos com uma dimensão confessional: Partido Cristão Social-Democrata, Partido Democrático Popular Cristão e Partido da Democracia Cristã.
O episcopado português desautorizou então o uso do nome "cristão" por qualquer agrupamento político e passou a ser consensual que a participação política dos cristãos não deveria ser do tipo confessional.
Depois disto apareceu, no final dos anos oitenta uma "direita liberal" e um dos próceres seria, imagine-se!, Miguel Esteves Cardoso. Juntamente com o "espírito Indy" que agregou outros nomes como Pedro Mexia, João Pereira Coutinho, Rui Ramos, Pedro Lomba e outros.
Enfim, uma direita com os "filhos de Miguel Esteves Cardoso". Quem isto escreve também costuma escrever no Expresso- Henrique Raposo.
Valha-os Deus, outra vez...
O Livro sobre a direita de 1976 a 1980 engloba nomes como de Manuel Múrias e o grupo da Rua. Silva Resende e o grupo do PDC, o MIRN de Kaulza de Arriaga e o Futuro Presente da nova Direita, esta a incluir Jaime Nogueira Pinto, José Miguel Júdice ( ?!?!) Nuno Rogeiro e outros.
Cita-se Jaime Nogueira Pinto a dizer: " no fundo pensamos fazer o seguinte: o discurso da direita antiga, ou seja o salazarismo, o integralismo, o Ultramar, tudo isso acabou, ou melhor, lá está, mas, sem cortar com as raízes, sem fazer um mea culpa antifascista, vamos refundar esse pensamento".
Estamos nessa, vanessa? Não, este paleio é de 1980, passaram mais de trinta anos e nunca estivemos nessa. Nunca.
Logo, a direita feneceu. Apagou-se. Eclipsou-se e já não é visível. Como "extrema-direita" aparece um movimento risível que ideologicamente é neutro,o chega. E é isso que aparece como "extrema-direita" em mais uma mistificação esquerdista.
Porque é que isto aconteceu? Como foi que aconteceu? Será que a esquerda é superior, moral e intelectualmente? A direita não tem direito a uma existência? A direita desistiu de se afirmar?
As eleições de ontem enterraram mais fundo o corpo dessa direita de semi-vivos, de zombies de uma ideia , sem coragem de a pôr em prática.
Já tentei encontrar uma explicação que passa por analisar o passado.
Quem aparece hoje como representante de uma direita, nem sequer mítica mas a que é apontada pela esquerda como sendo a direita, centra toda a importância na economia, provavelmente porque os seus mentores são economistas, de feição liberal, ou seja pró-capitalismo puro e duro. Menos impostos, maior liberalismo económico, menos regulação estatal, etc etc. , como é o caso do Iniciativa Liberal.
A direita é isto? Deve ser isto? Não me parece nada. Quem apenas sabe de economia nem de economia saberá.
Julgo que uma das razões explicativas do fenómeno reside nesta espécie de cartoon, já de meados dos anos setenta e que vinha publicado na revista Isto é Espectáculo, de Agosto de 1977. O equívoco da "direita" portuguesa, então representada em Freitas do Amaral está todo aí, também. Freitas nunca achou estas personagens "insuportáveis". Acabou mesmo por lhes render homenagem...deixando-se enredar pela esquerda socialista do PS, cujo líder aliás considerava, nessa altura, como podendo fazer parte do CDS...
Estes senhores "indispensáveis" juntamente com outros que faziam caminho conjunto, moldaram os antónios costas filhos das marias antónias pallas e descendentes de ex-comunistas arrependidos que se juntaram num ps maçónico e macarrónico.
Essa amálgama gentílica deu no que tinha a dar: a ideologia de esquerda que nos domina e predomina de há mais de 40 anos a esta parte na sociedade mediático-cultural nacional.
É esta a nossa maior desgraça, a que influencia todas as outras. A desgraça dos "Inimigos de Salazar".
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