O Ministério Público em Portugal, desde 1978, com a sua primeira lei orgânica, era uma magistratura e os seus representantes junto dos tribunais, particularmente na área penal, gozavam de uma autonomia externa e interna assinalável e definida estatutariamente.
Em Novembro de 2020, a procuradora-geral da República, escolhida pelo poder político para chefiar o MºPº emitiu uma directiva ( 4/2020) destinada a regulamentar de forma inédita até então, tal autonomia.
Passou a ser possível na prática o que até então estaria vedado em teoria, ou seja a possibilidade de um magistrado de categoria superior poder dar ordens directas e com efeito imediato, ao inferior na hierarquia, para além do que o Código de Processo Penal já previa, no âmbito de um processo penal.
Com tal directiva a autonomia da magistratura, no processo penal, ficou virtualmente reduzida a nada porque desde o momento em que se admite que o superior hierárquico possa alterar ou condicionar o exercício de magistratura no processo penal, sempre que o entenda e sem justificar sequer porque o faz ou ao arrepio do que autoriza o CPP ( no fim do inquérito ou avocando o mesmo quando o entenda necessário, assumindo então a responsabilidade por tal) isso significa que o "livre-arbítrio" do magistrado deixa de existir e passa a ser um "pau mandado" do superior hierárquico, mormente da PGR designada pelo poder político.
O ambiente e caldo de cultura que rodeou esta ordem hierárquica surgiu em 2019, com o caso Albano Pinto, o director do DCIAP que meteu o bedelho no inquérito a cargo de dois magistrados, ordenando-lhes para não fazerem uma diligência que eles pretendiam, bem ou mal, fazer: ouvir o presidente da República e o primeiro-ministro no caso Tancos.
Como agora se percebe melhor por causa do julgamento, havia toda a conveniência nisso, mas o magistrado superior hierárquico, Albano Pinto, alertado pelo director da PJ, esse funcionário público às ordens de ministros, interferiu e vetou a realização de tal diligência.
Ciente do perigo que tal constitui para os cidadãos em geral, porque permite manipular a investigação criminal a contento de outros poderes, mormente o executivo, como se denota nesse caso concreto, a estrutura sindical do MºPº accionou os mecanismos legais para pôr um travão em tal deriva.
O resultado é este agora noticiado: pelo menos dois juristas de grande mérito, um deles professor de direito penal, consideram que a directiva é ilegal porque significa que a PGR se arrogou poderes de legislador e tal é inconstitucional.
Se tal se confirmar, o que deve fazer uma PGR que insistiu numa asneira grave depois de ter sido avisada? Sair. "O" quando antes.
Quanto ao facto de a anterior PGR considerar que tal directiva era ilegal, não deixa de ser curioso porque durante o seu mandato verificaram-se situações concretas com idêntica gravidade à qual a mesma encolheu os ombros e respaldou hierarquicamente quem as cometeu.
Como tais situações não deram brado público ficou assim e agora vem dizer o que diz, o que é triste, também.
Quanto ao Público de que aqui ficam o extracto da notícia também merece desvelo porque este jornal do Carvalho, escrevia assim nessa época:
Como dizia o outro, "isto está tudo ligado"...
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