segunda-feira, julho 23, 2018

Férias com Salazar

Aviso: este postal é extenso e quem  quiser poderá ler com calma, durante uma semana que é de férias. É sobre Salazar e daí o título...

Vasco Pulido Valente foi alvo de atenção do Expresso de ontem que o entrevistou para falar sobre tudo, a propósito da oportunidade do lançamento de um livro que o autor procura vender, sobre aspectos da sociedade portuguesa do séc. XIX. O autor acha que tem muitos paralelos com a actual, daí o interesse eventual do livro. Ainda não decidi se compro, mas leio as entrevistas que entretanto já se multiplicaram por três ou mais.



A entrevista começa por uma declaração de princípios que parece evidente: " As notícias são feitas por uma parte da classe média. (...) Os noticiários são muito enviesados . Sobretudo enviesados à esquerda. "

Depois avança para terreno minado como seja a apreciação que faz do salazarismo, no tempo do imediato pós-guerra.

"Convencido de que os portugueses lhe estavam muito agradecidos por ele ter conservado o país fora da guerra, consentiu que se fizesse o MUD, Movimento de Unidade Democrática. Julgava que ia ganhar as eleições. Mas a reacção dessa pequeníssima  abertura foi avassaladora", diz. "Porque as listas da MUD tinham milhares de assinaturas  em muitos poucos dias, e ele ficou embasbacado. Como é que havia dezenas de milhares de cidadãos portugueses que iam assinar as listas da MUD. O ditador terá tido uma depressão nessa altura, segundo contam biógrafos".

Vejamos. VPV foi um dos redactores da revista O Tempo e o Modo, aqui referida num postal anterior.  No tempo em que VPV integrava o mítico Movimento de Acção Revolucionária que gerou luminárias impressionantes como luzicus.  A publicação era de esquerda, próxima de um comunismo serôdio, já em meados dos anos sessenta, depois da denúncia do estalinismo, da colonização forçada da Hungria e perto da breve incursão em Praga.  Tudo isso que era muito chegaria para afastar o PCP do convívio democrático para todo o sempre, tal como o fascismo, o verdadeiro, o era para estes revolucionários de pacotilha e máquina de escrever,  ao qual aliás, associavam o regime de Salazar,   prestes a terminar.

Tal faceta jornalística com laivos políticos inquina a objectividade seja de quem for se proponha escrever sobre Salazar e o Estado Novo, porque sai sempre do espírito de oposição a tal regime. É por isso que hoje pululam em todos os media os analistas políticos que se referem a tal período como sendo o do "fascismo", numa semântica maior que a realidade.  O enviesamento é maior ainda que aqueloutro citado mais acima.
Apesar de VPV reconhecer que Salazar ou o regime que instituiu, não eram fascistas, assume na prática que seria  uma espécie de regime cripto-fascista, "uma ditadura conservadora católica", como escreveu para o definir, perdendo a oportunidade de questionar a essência do regime, para além das aparências e renegando-lhe qualquer virtualidade positiva.
Salazar e o regime censuravam os escritos e actividades eventualmente subversivas destes democratas que afinal e na melhor das hipóteses queriam o regime que temos e que deram à luz. Estes parteiros da democracia tornada uma espécie de oligarquia partidária criticam o salazarismo que criou a União Nacional e o corporativismo que ligaram Portugal a uma época de prosperidade crescente, indesmentível, de paz, ordem social e valores que ainda hoje merecem atenção, no mínimo.

Analfabetismo? Sem dúvida e que vinha, maciço e alargado,  do tempo da monarquia republicana e maçónica. Pobreza? Idem, aspas.  Alguém escreve para dizer o que o Estado Novo fez para melhorar tal panorama? Escrevem, sim, para dizer que era um país analfabeto e pobre. E basta-lhes como razão.

E esta história do MUD e a sua extensão juvenil tem o mesmo contorno enviesado e apresentação histórica, mesmo com o contexto apresentado.

Serve aliás para desmentir o carácter ditatorial do regime, com aproximação ao fascismo. Obviamente nenhum regime fascista admitiria um movimento "democrático" desse género num regime que se pretendia totalitário. Nem o comunismo, cujos adeptos fervorosos se acoitavam clandestinamente no MUD. Essa contradição, aliás, nunca os incomodou por uma razão simples e paradoxal: consideram-se os verdadeiros democratas...e com essa mentira enganam os tolos há décadas.

Portanto, será verdadeira a análise de VPV sobre um suposto engano fatal de Salazar ao "consentir" um movimento democrático, concorrente a eleições em 1945, logo no pós-guerra e subsequente arrependimento?
Ingenuidade de Salazar que era tudo menos isso? As provas de um realismo indeclinável  podem ser lidas nos Discursos, obra censurada na prática pelo actual regime democrático que publica resmas de compilações dos próceres da oligarquia actual,  mas esquece voluntariamente os seis volumes que se encontram apenas nos alfarrabistas e a preço proibitivo e numa edição obscura de uma editora de Coimbra que vende pela internet?

Para se entender o que foi o MUD e a sua extensão "Juvenil", congregando toda a oposição ao regime do Estado Novo e a "reboque do PCP" ( como escreve Filipe Ribeiro de Menezes na sua biografia de Salazar) é preciso entender o que era a sociedade portuguesa desse tempo.

E já agora a que se lhe seguiu. No Público de hoje ( terça-feira) há um artigo de José Pereira Costa, um "Investigador de Relações Internacionais, antigo funcionário da Comissão Europeia", antifassista pela certa) sobre o que foi o MDP/CDE do falecido Tengarrinha e uma pequena revisão histórica do que foi o período de Marcello Caetano. Não se vislumbra fascismo algum, mas para toda a gente mediática tal foi um período negro e obscurantista de um fascismo atroz. E isto nem é caricatura porque é o que dizem, escrevem e tentam mostrar a cada artigo que escrevem ( menos este, claro).
Nele se diz que o MUD deu origem ao MDP/CDE. Ou seja, a outro rebocado pelo PCP. Condiz com a História...mas será que nãos e dão conta que se o PCP chegasse ao poder, o MDP era um ar que se lhe dera? Alguém pode ter ilusões acerca disso e não tirar as respectivas conclusões? E alguém pode escrever como escreve, defendendo um sistema de regime que logicamente iria parar aí, a um totalitarismo implacável, como existiu nos antigos países de Leste? E alguém pode censurar o regime de Salazar e Caetano de terem impedido tal coisa? Sim, que respondem a isto que é claro, lógico e indesmentível?



Tinham passado cerca de 20 anos da Revolução do Estado Novo e tinha acabado a II Guerra Mundial, com todas as mudanças que trouxe.  Não se sabia ainda muito bem o que tinha sido o comunismo soviético, sob Estaline, apesar de alguns portugueses terem estado em Moscovo na época de maior perseguição política a adversários de Estaline. Os assassínios de adversários políticos era coisa corrente e já tinha ocorrido o horror do Holodomor.

Em Portugal, em 1945,  Salazar, com o regime, procurou uma legitimação suplementar, eleitoral e tal ocorreu com a marcação de eleições em finais desse ano.  Havia uma oposição que se atrelava toda ao PCP, que desde os anos trinta procurava minar o regime e depôr Salazar, mesmo pela força se tal lhe fora possível. Que não era. Salazar tinha sofrido um atentado pessoal em 1937 e se não fora orquestrado pelos comunistas, estes aplaudiram e se tivesse sido bem sucedido provavelmente teriam aproveitado a oportunidade de chegar ao poder e instaurar o regime totalitário que vigorava na então URSS.

O contexto social, urbano, de Portugal poderia ser mostrado deste modo, tal como o fez há uns anos Joaquim Vieira numa série de volumes ilustrados e editados pela Bertrand.

O Portugal dos anos 40  não era como o costumam pintar os historiadores actuais hostis a Salazar.

A guerra, no início da década era uma realidade para todos e no meio urbano era assim, com a apreensão diária de um eventual ataque que nem se sabia de onde poderia provir. Este é um facto que as pessoas costumam ignorar.


Depois da guerra e da penúria generalizada ( da sardinha para três) surgiu um período de maior distensão e progresso que continuaria nas décadas seguintes.





A "situação" apresentara os seus trunfos em modo de propaganda que espelhava uma realidade comprovável:





Mas tal não era suficiente. Havia quem quisesse correr com Salazar e o regime para o substituir por algo indefinido e que poderia muito bem ser um regime totalitário, verdadeiramente  comunista. E Salazar tinha consciência plena disso mesmo.

Internacionalmente, em 1946 era uma figura isolada. Dez anos depois, como já vimos num postal anterior, era uma figura respeitada, até pelos mesmos que o criticavam antes ( Times de Londres, por exemplo).


Se quisermos saber o que era o regime, sob o ponto de vista da oposição, não faltam fontes de informação: era fascista e falseava as eleições. Basta ler o que Mário Soares escreveu no Portugal amordaçado e nas entrevistas que ia concedendo, reunidas no volume Escritos do Exílio para o entender.

A oposição, nos anos 40: grandes esperanças!



Em Portugal a questão foi sempre esta: o fascínio do comunismo. Estranho fascínio que para mim só se explica pela inveja.



O tal MUD foi o agregador de todas as esperanças comunistas. Tal como explicava o "biógrafo" de Salazar , Ribeiro de Menezes, provável fonte directa da afirmação de Vasco Pulido Valente.



E como é que outros, para além da oposição cuja versão é a corrente, hoje em dia,  explicavam o que foi o MUD e as eleições de 1945?


Marcello Caetano sobre Salazar nessa época, no livro As minhas memórias de Salazar, Verbo, 1975:






Marcello Caetano escreveu este livro com esta justificação:








Para além deste testemunho há o  de Franco Nogueira reunido no  Vol. IV da sua biografia de Salazar, outro livro raro...







Para além destes testemunhos há ainda o discurso directo do próprio Salazar reunido no IV volume dos Discursos reunidos em seis volumes. Vale a pena ler com atenção.



Com estes documentos duvido que  alguém seja capaz de confirmar a afirmação de VPV sobre o MUD e as eleições de 1945, com o modo peremptório com que aquele o faz.

O MUD, "a reboque do PCP" continuou e só se tornou proibido em 1947. Por causa dos comunistas. E Salazar, nisso, como noutras coisas, provavelmente tinha razão.

PS: O Correio da Manhã e a Sábado prometem um volume sobre Salazar-só a cadeira o derrubou, da autoria de Manuel Catarino que não sei quem seja, com um prefácio que prenuncia o pior, de Moita Flores.  Sai na próxima quinta-feira e conto ler para contar como é.

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A obscenidade do jornalismo televisivo