domingo, junho 14, 2009

Jornalismo tapa-furos


"Foi um pedaço de vida que me tiraram e ninguém vai pagar por isso." A revolta está no olhar e a tristeza na voz de Emília Fernandes. Seis anos após a morte da pequena Mariana, devido a um adenovírus que contraiu no Hospital de Guimarães, esta mãe ficou a saber que o inquérito judicial foi arquivado, com a assinatura de Almeida Pereira, procurador alvo de processos disciplinares por atrasos."
Foi desta forma que o Correio da Manhã de Sexta-Feira passada começou a notícia-reportagem de primeira página sobre "Justiça tapa morte de 5 crianças"- "procurador arquiva processo".
Lendo a notícia na página 6, verifica-se que a mesma aparece assinada por Liliana Rodrigues/ Tânia Laranjo e sintetiza numa pequena coluna e meia de texto corrido a declarações de vítimas de um drama maior ( a morte de um filho é uma tragédia que serve sempre este tipo de jornalismo), com acrescentos em relação ao "procurador" que arquivou o processo e "tapou a morte".
O procurador, ao contrário de outros intervenientes, é nomeado: Almeida Pereira, "nomeado por Pinto Monteiro para chefiar a equipa especial de combate ao crime violento".
A notícia serve, aliás, para chamar a atenção para este "procurador", com um título de primeira página que mais não é do que mais um ataque despudorado à Justiça que afinal "tapa a morte de 4 crianças".
"Tapa"? Vamos já ver o que tapa e destapa.

Na página interior, a Justiça não só "tapa" como "ignora", mostrando em tons jornalisticamente compungidos a tragédia das famílias de 5 crianças, em casos abertamente classificados como de "negligência médica".
De que negligência médica se trata em concreto? Não se sabe bem, os factos relevantes da negligência estão completamente ausentes da mensagem e a notícia apenas aflora um ou outro pormenor factual, deixando ao exercício adivinhatório e de voluntarismo fácil, os restantes factos acessórios e também os principais. As pessoas envolvidas no caso, a quem se imputa a "negligência" não são ouvidas, para dizerem o que pensam de quem escreve por causa dos "tapa" mortos.

O que se fica a saber logo, sem margem para dúvidas é que a Justiça tapou e ignorou, pressupondo, obviamente, que este tipo de jornalismo destapa e informa com esclarecimento profissional.

Ora é nada disso. A notícia, para além do ataque despudorado e genericamente extensível a toda uma classe, com laivos de atenção particular ao procurador, pouco ou nada informa de concreto, o que é dizer tudo sobre esta espécie de jornalismo de chinela na mão e faca na liga dos últimos

Assim, de que médicos trata a "negligência" e que pessoas envolvem?

Médicos e pessoal do hospital de Guimarães que teriam contribuido para a morte de cinco crianças que lá entraram com "poucos dias de diferença e que contrairam um vírus que se revelou mortal", escreve o jornal. O vírus é um adenovirus. O que é um adenovirus? O jornal não explica ( o jornalismo de chinela no pé é assim mesmo), mas a Wiki, diz o que é preciso e uma das coisas refere-se à sua característica especial de não ser passível de tratamento médico específico, por ser...um virus.

Qual o problema com o procurador Pereira e a Justiça que tapa mortes e até as ignora?
O procurador Pereira arquivou os processos, por ter entendido que a "assistência médica foi correcta e adequada". E fê-lo, segundo escreve o jornal, porque a Inspecção Geral de Saúde escreveu no relatório sobre o caso que "não era obrigatório que os médicos pesquisassem a existência de adenovirus em casos de infecções respiratórias" e ainda que esse adenovirus possa ter sido trazido para o hospital pelo "progenitor de alguma das crianças infectadas".

Portanto, o problema, para este jornalismo, é a "culpa que morre solteira", porque a Justiça tapa estas mortes, ignorando-as. Por outro lado, estes pregos no caixão da "crise da Justiça" são sempre bem martelados para esconder a verdadeira crise que se alimenta da outra: a do Jornalismo.

É um jornalismo opinativo em que os factos são irrelevantes a não ser que sirvam para ajustar as mensagens. Neste caso, sobre a crise da Justiça...