domingo, outubro 23, 2016

Et maintenant... a canção francesa

Há muito, muito tempo, era eu uma criança e já ouvia algumas canções em francês porque o rádio as passava nessa altura.
No final dos anos sessenta do século que passou a música que se podia ouvir nos rádios e se comprava nas discotecas que então eram lojas onde se vendiam discos não era apenas de proveniência anglo-saxónica como hoje. A música ligeira italiana, espanhola ou francesa também era apreciada por cá e havia artistas de renome que vendiam discos.

Da França, no final dos sessenta havia estes cantores da ligeira: o destaque vai todo, todo para Françoise Hardy, a beleza feminina suprema desse tempo. Até o Dylan a veio ver, nesse tempo.


E a revistinha que os mostrava também se vendia bem nos quiosques:


Portanto não tínhamos falta de cantores franceses por cá e Adamo que na altura cantava Inch´Alla-imagine-se!- era mais popular que Charles Aznavour.

Vindos dos anos cinquenta havia alguns que valia bem a pena ouvir como Leo Ferré ou Georges Brassens.

Em Janeiro de 1971 a revista Rock&Folk decidia nas páginas interiores que a pop em França não existia ainda em condições de poder ouvir-se e mostrava Leo Ferré na capa.


Aliás em Novembro de 1969 e Janeiro de 1970 mostrara outros dois colossos da chanson que não era de intervenção e que então era notícia por se produzirem em espectáculos no Bobino durante semanas seguidas:  Georges Brassens e Georges Moustaki.


Para sintetizar a essência dessa chanson, duas páginas da mesma revista sobre os dois compositores e cantores:
Em Novembro de 1969, sobre Brassens, as frases lapidares do artista sobre a "função social da canção" são mesmo de antologia porque nessa altura, por cá, os baladeiros socialo-comunistas pensavam exactamente ao contrário e que era necessária a canção de intervenção para dar a volta a isto e mudar o mundo. Brassens pensava exactamente o contrário...


Por seu lado, Moustaki , na mesma revista de Janeiro de 1970, na época em que Le Méteque destronou o o êxito do momento ( Casatchock, imagine-se!)  na tabela de vendas,  era mais interventor, mas do lado da poesia e do romantismo anarquista


 Ou em Março de 1970 em que se escrevia sobre a música francesa de Jean Ferrat, o único comunista explícito deste lote. Aqui se cita Leo Ferré que diria que Maio de 1968 era mais importante que Maio de 1789:



Este caldo de cultura francesa tinha por cá o seu ponto de distribuição nos rádios e as revistinhas como a Mundo da Canção, que aparecera em finais de 1969, dava mostras disso: Le Méteque era letra mostrada no primeiro número da revista que tinha o Pe Fanhais, celebrado no Zip Zip desse ano, na capa.


Tal como outras de expressão francesa ao longo dos anos seguintes.
Abril de 1970:




Fevereiro de 1970, com uma pequena biografia de Brassens, com um adjectivo: era "o poeta das pessoas "bem"...o que já dizia qualquer coisa sobre o esquerdismo da revistinha comunista do Porto.


Em Dezembro de 1972 entre os discos vendidos em Portugal havia vários vindos de França...


E as letras francesas continuavam a aparecer na revistinha, durante o ano de 1972:


Assim, da trilogia dos mais famosos- Ferré, Brassens e Brel- estava cá tudo representado nas chansons que passavam nos rádios.
Faltava outro muito importante: Serge Reggiani, um cantor que cantava outros poetas mas de um modo incomparável. As três canções aqui indicadas, na Mundo da Canção de Junho e Março de 1972 são antológicas da música de expressão francesa: Tes gestes, L´absence e La putain. Ninguém com mais de 60 anos se esquece destas músicas e letras desse tempo...porque não há nenhuma poesia de Dylan ou outros que digam o que estas dizem.

Jacques Brel, o de Ne me quite pas também ressurgiu em meados dos anos setenta com um disco novo que foi sensação na altura e falava nos Flammands...

O artigo da Música & Som de 15 de Março de 1978 da autoria de Bernardo Brito e Cunha, um dos especialistas da época que aparecia muitas vezes em certos programas de rádio a comentar discos rock, escrevia a propósito de Brel que o mesmo "é com raiva que desmascara a detenção do capital por sectores neo-burgueses"...

Basta esta frase, escrita em 1978 para perceber o estado de espírito da nossa crítica de cá a propósito destes artistas de lá. Os cantores de cá, então, ainda eram mais radicais...



Para além destes, nos anos setenta apareceram outros, poucos. Um deles, Maxime Le Forestier tem dois ou três discos que antologia e que também passaram por cá. Um deles, Mon Frère, de 1972 e o outro, Le Steak, de 1973. Fabulosos.

Outro ainda de meados desses anos setenta: Gérard Manset, cujo disco de 1975, Y a une route contém o tema Il voyage en solitaire que se recomenda viva audição.

Alguns desses discos estão aqui nesta imagem:


Outros cantores franceses há, mas poucos mais me interessaram ouvir.

Questuber! Mais um escândalo!