O intelectual António Araújo ( basta ver a quantidade de livros que guardará...) foi entrevistado pela intelectual do Público, Bárbara Reis a propósito de um livro daquele saído recentemente, sobre o atentado a Salazar, em 1937.
Só havia três livros sobre tal assunto magno dos anos trinta a seguir a 1926, mas agora há quatro graças ao estudo e compilação de recortes do intelectual Araújo.
Veja-se lá se não é de meter inveja ao Pacheco, tanto livro, tanto papel e tanto saber encalhado em estantes...isto até parece um alfarrabista de Braga. Aliás, deve ser...
Bem, mas o assunto é a entrevista a propósito do livro sobre o atentado a Salazar. A grande questão da entrevista, para além da relativa descoberta em se passar a saber que os comunistas nada tiveram a ver com o atentado, mas sim os anarquistas da época ( Emídio Santana é um deles e em 1988, quando teve oportunidade não se valeu dessa fonte primaríssima de conhecimento histórico para apurar o que se passou...) .
Esta história dos comunistas com o cavalinho tirado da chuva é clássica e bem exemplar da cobardia que sempre os afectou enquanto tais. Mesmo sofrendo as agruras da perseguição do fassismo nunca foram capazes, nos momentos decisivos de tomar a liderança e serem mesmo a vanguarda revolucionária que pretendem ser, teoricamente e quando escrevem memórias de cárcere e de torturas avulsas, como a do sono ou da estátua. Não foram então e não foram no 25 de Abril de 1974 como não foram no 25 de Novembro de 1975. Nunca foram, em suma. Mas querem sê-lo um dia, ou numa manhã de nevoeiro que cante suficientemente alto para os acordar do sono letárgico da fossilização.
Tirando isso que ocupa quase todas as páginas da entrevista, como um feito aliás não reivindicado e que desmente a versão dos factos apresentados em livro na época, o assunto mais estranho é a insistência no conhecimento das causas de um suposto conformismo do povo português da época, dez anos depois da subida de Salazar ao poder e do esforço hercúleo que levou a cabo para reconstruir as finanças do país. Isso é um facto histórico que não aparece de forma alguma na entrevista.
O mote e a ideia básica é dada na capa do ipsilon do Público.
A ideia básica é a de Portugal, nos anos 30 ser "obediente e conformista". O contrário de rebelde e inconformista que se afigura constituir o valor por que se pauta o historiador do coelho guisado. Ah! Se Portugal, em 1937 fosse um país de rebeldes e inconformistas!...que belo seria.
Este género de palermices reservadas a literatos que historiam episódios como o do coelho guisado guardado na mala do carro, sem entenderem o substracto explicativo, permitem todas as dúvidas sobre a inteligência interpretativa dos factos históricos de que se apercebem por leituras travessas.
O que era verdadeiramente o Portugal de 1937, vizinho de uma Espanha que se encontrava em guerra civil, em que se debatia a rebeldia comunista e ateia contra o "conformismo" franquista e católico, para além do mais que era muito mais que isso mas essencialmente ia desembocar nisso? Que valor escolhia Salazar e os portugueses da época? Nem é preciso alvitrar. Portugal era tão católico como sempre foi, mesmo que em Lisboa o pudesse ser menos. Mas Portugal não é Lisboa, como a Nação de 1937 não se resumia ao punhado de comunistas internacionalistas que almejavam instaurar por cá o que tiveram como experiência em França no ano anterior, com a Frente Popular, uma geringonça francesa avant l´heure e que soçobrou devido ao problema comunista de sempre: incapacidade e incompetência. E cobardia.
Portugal, num mundo saído de uma crise económica gravíssima, era um oásis de paz, no final dos anos 30. Conformista e obediente? E porque não? Salazar não era estimado pela esmagadora maioria da população? Quem o pode negar? Salazar dominava o conformismo? Pelo contrário. O conformismo adequava-se ao povo de que Salazar fazia inequivocamente parte, como seu representante mais puro, excepcional e genuíno. E legítimo, portanto. Por isso é que os "oposicionismos eram minoritários". É essa a razão e não o medo ou a ausência de rebeldia popular. Portugal, ao longo da história deu largos exemplos do que é a rebeldia, quando tal tem que surgir...
Aliás, o historiador do guisado de coelho até adianta na entrevista razões para tal e ainda explicativas do que é a normalidade do viver, mesmo nas sociedades de terror politicamente instalado. Contradiz-se ao afirmar que afinal, nessa sociedade conformista havia rebeldia difusa e pontual.
Por outro lado e de modo ainda mais vergonhoso para qualquer historiador que se preze, vai procurar a explicação-chave para a manutenção no poder por tempo indeterminado que acabou em 1968, quando Salazar caiu da cadeira, no carácter vicioso de um regime que sobrevivia pela cunha, pelo jeito e pelo arranjinho entre elites e com participação a nível popular.
Tudo se explica pelas cunhas, compadrios e corrupção. O regime, afinal era isso e só isso.
Que grande palerma que não entende puto do que foi a nossa História contemporânea.
Aqui ficam dois recortes. O primeiro, de Joaquim Vieira do livro sobre Portugal, sec. XX, anos 40, edição Bertrand de 2007.
O segundo, da revista Resistência, de 1977, de uma direita portuguesa que já não existe, porque só existem agora estes híbridos que nem a História de Portugal contemporâneo compreendem e se julgam apesar disso peritos.