segunda-feira, janeiro 29, 2018

The Post ou The Times?

Fui ver o The Post, filme sobre a saga dos "papéis do Pentágono", episódio americano do início do Verão de 1971 em que o jornalismo de então tentou e conseguiu fazer prevalecer a ideia que a liberdade de informação tem precedência sobre alguns segredos de Estado. Para tal houve a intervenção do poder judicial do Supremo Tribunal americano, entidade que decidiu a favor do jornalismo e em detrimento do poder político do momento ( Nixon).

Na altura lembro-me de ler no Diário Popular a transcrição dos célebres papéis, assunto para mim algo árido mas interessante pela aura de mistério que se imprimia na expressão "top-secret". Guardei um exemplar de um desses jornais, de 20.7.1971,  já no VIII fascículo.



Se tivermos em atenção a cronologia dos acontecimentos, segundo a Wikipedia, a primeira publicação dos célebres papéis, começou em 13 de Junho de 1971  no New York Times, na sua edição de 486 páginas dominicais.
Provinham de um estudo encomendado pelo Governo americano de então, em que era secretário da Defesa, Robert MacNamara. Este, em 1995 nas suas memórias declarou expressamente que toda a aventura no Vietnam fora um erro. O obituário do mesmo New York Times (McNamara morreu em 2009) , refere: "[he concluded well before leaving the Pentagon that the war was futile, but he did not share that insight with the public until late in life. In 1995, he took a stand against his own conduct of the war, confessing in a memoir that it was 'wrong, terribly wrong.'"

Tal estudo fora realizado por um  militar, Daniel Ellsberg, por conta da organização Rand, compilado em 47 volumes, milhares e milhares de páginas e que foi passando, clandestinamente, para o New York Times e depois para o Washington Post e outros jornais americanos.  O mesmo Ellsberg viu-se envolvido posteriormente nos acontecimentos de Watergate...
Estes jornais, perante tal avalanche de informação tiveram que a ler em tempo record ( mais que as 4 mil páginas da acusação de Sócrates e Cª) e o New York Times, segundo o filme, teve três meses para analisar os "papéis" ( sendo assim, os advogados de Sócrates e Cª não precisam e mais, parece-me).   O New York Times então foi avisado solenemente para o não fazer, por ordem de um tribunal e cumpriu a injunção, mas apenas nessa altura. Antes disso, ao terceiro dia de publicação já tinha havido tentativas para impedir a publicação, mas o NYT não suspendeu a publicação.

Foi então a vez de o Washington Post retomar a publicação, em 18 Junho 1971. Durante 15 dias o NYT parou de publicar fosse o que fosse dos "papéis". Mas retomou-a logo que o Supremo se pronunciou a favor da liberdade de imprens dessas matérias.
O filme retrata toda esta série de acontecimentos, mas dá uma ênfase exagerada ao papel do Wasghington Post e à sua proprietário de então, Kathleen  Graham, que viria a ter um papel relevante depois, na altura da divulgação do caso Watergate, ocorrido cerca de um ano depois.

Na época, em Dezembro de 1972 li este artigo na revista brasileira Realidade que mostrava outra realidade: a do papel do NYT. Nem falava no Post como agora o filme evoca, ou no papel heróico da sua proprietária, afinal amiga pessoal de McNamara...

Tal como se escreve, em 15 de Junho de 1971 ( terça-feira) o NYT aparecia com o terceiro fascículo  da saga e com a notícia de que o Governo tentara impedir a publicação de mais, com a indicação expressa que o Times recusara tal indicação. " De facto àquela altura , já não importava o que diziam os papéis do Pentágono; o que interessava era saber se a imprensa tinha a coragem e o direito de publicar um material desse tipo".
Exactamente e por isso fosse o que fosse que o Wasgington Post fizesse a questão estava já nas mãos do Supremo Tribunal que foi quem decidiu tal matéria. Não foi o Post nem o Times...como parece querer dizer o filme, embora se perceba o papel importantíssimo que tiveram na divulgação, a meu ver com maior relevo para o The Times.

Em Portugal nessa época e que se saiba só o Diário Popular deu o destaque devido ao assunto. A revista Observador que tinha começado a sair em Fevereiro desse ano nem uma linha escreveu sobre o caso...e o Século Ilustrado, idem aspas.