Esta notícia contém várias incorrecções graves, para qualquer jornalista. É assinada por Tânia Laranjo que poderia ter telefonado a Rui Pereira, professor de Direito penal e que colabora com o grupo do Correio da Manhã e sabe o que diz nessa matéria.
No meio do jornal vinha assim:
Percebe-se daqui que o julgamento vai começar e no tempo próprio ( a seguir à notificação da acusação) o arguido Orlando Figueira, através de um advogado constituído ( Paulo Sá e Cunha) que entretanto terá renunciado à procuração concedida, apresentou uma contestação negando a prática dos factos.
A referida contestação obedece às regras processuais seguintes, além do mais:
Artigo 315.º
Contestação e rol de testemunhas
1
- O arguido, em 20 dias a contar da notificação do despacho que designa
dia para a audiência, apresenta, querendo, a contestação, acompanhada
do rol de testemunhas. É aplicável o disposto no n.º 13 do artigo 113.º
2 - A contestação não está sujeita a formalidades especiais. 3 - Juntamente com o rol de testemunhas, o arguido indica os peritos e consultores técnicos que devem ser notificados para a audiência. 4 - Ao rol de testemunhas é aplicável o disposto na alínea d) do n.º 3 e nos n.os 7 e 8 do artigo 283.º |
No caso concreto, o arguido apresentou a seguir a uma contestação do seu então advogado, outra, em seu nome, após o mesmo advogado se ter afastado do processo.
Na anotação a este artigo, no sítio da PGDL, vem também um acórdão de 2000 em que se decidiu que a não admissibilidade de contestação apresentada pelo próprio arguido, depois de o defensor nomeado se ter afastado do processo, com o pretexto de ter sido ultrapassado o respectivo prazo, constitui nulidade. Parece que o Estado lhe nomeou outro advogado, oficioso, mas parece ainda que o próprio arguido, sendo jurista, se pode defender a si mesmo, com capacidade para tal.
O procurador que representa o MºPº no julgamento argumentou que a contestação agora apresentada pelo arguido não tem validade formal, devido àquelas circunstâncias. É caso para se ver depois, mesmo em sede de recurso.
O que importa, no entanto, é realçar o teor da notícia que o jornal encontrou para captar a atenção do leitor, como eu:
O MºPº "livrou" Proença de Carvalho e o "procurador recusa investigar Proença". Nem um nem outro título são verdadeiros. São falsos, portanto. Fake news, pura e simples.
Porquê?
Porque o arguido terá ocasião de se defender em julgamento. O que disser fica registado. Se houver indícios de crime imputável a outros indivíduos, mormente Proença de Carvalho, pode sempre haver um inquérito para averiguar tal factualidade. E não haverá já? Se houver, a notícia é duplamente falsa.
Se não houver é falsa também porque não é o "procurador" que se recusa a investigar Proença. É apenas o procurador a argumentar que a contestação apresentada em solitário pelo arguido, depois da primeira, pode não valer formalmente como tal, mas não invalida que os factos da mesma não possam ser repetidos no julgamento.
E será isso fatalmente o que irá suceder, porque o arguido, em processo penal tem direitos de defesa, como tal.
E se os factos que apresentar forem relevantes para a descoberta da verdade não há nenhum tribunal que o possa legalmente impedir de os apresentar e obrigar a discutir.
Era isto que jornalista Tânia Laranjo devia ter escrito. Se calhar, porém, não dava cacha alta. Mas era a verdade e não a falsidade.
Até quando irá continuar este tipo de jornalismo?
Quanto ao Proença de Carvalho é fácil de entender, perante o que tenho escrito por aqui ao longo de muitos anos que não nutro especial simpatia pela personagem e julgo mesmo que o indivíduo está no epicentro de todos os fenómenos de corrupção política indiciados ao longo dos vários anos de democracia.
Isso não significa que tenha cometido ou seja responsável pela prática de crimes. Significa apenas que conhece muito bem quem os praticou e faz parte do sistema político-partidário que os permitiu. Por isso mesmo é um indivíduo muito nocivo à democracia que deveria existir.