O Século Ilustrado de 13 de Fevereiro de 1971 trazia estas páginas de reportagem acerca de um fait-divers que nos diz mais sobre esse tempo do que muitos artigos dos historiadores do guisado de coelho.
Numa tarde de 20 de Janeiro de 1971, uma quarta-feira, um técnico de máquinas da General Electric passava na serra da Estrela, onde se dirigira em trabalho.
Estava em Seia e dirigia-se para a Covilhã e arriscou a travessia quando o tempo ameaçava continuar a nevar, como até aí acontecia.
Aproveitando a esperança de uma informação de um "chófer" de taxi que tinha feito a viagem ao contrário, pouco tempo antes e lhe garantia uma estrada transitável, arriscou. Dali a poucos quilómetros atascou-se na neve que começou a cair com maior intensidade e já não conseguiu sair do lugar em que se encontrava, no meio da serra, nos Lusianos, perto da Lagoa Comprida.
Não conseguindo sair dali, esperou que a neve passasse...durante toda a noite de quarta-feira, todo o dia de quinta e toda a noite de quinta. Só foi resgatado na manhã de Sexta por um "snow-cat" da Esquadra de S. Romão.
O relato é impressivo porque nos fala de um técnico de máquinas português, empregado da General Electric, companhia norte-americana e que no seu Taunus 12M trabalhava para aquela empresa naquele lugar. Que trabalho seria e a que empresa concreta teria ido, fazer o quê?
Um Taunus 12M, naquela altura era um carro médio, talvez o equivalente, hoje, ao Ford Mondeo, para mencionar um carro alemão de marca americana. O modo como resistiu no interior do carro, o medo dos lobos, a rondarem perto, a angústia de ficar ali perdido sem que alguém lhe valesse a tempo é dado no relato de um modo que hoje não se lê.
A referência ao telefonema para a família, na Amadora, que não se fez a tempo nem ao postal que se enviava para dizer quando voltava, mostra como eram naquele tempo, as comunicações. Na ausência de notícias, a família esperou simplesmente, sem julgar o pior...