domingo, janeiro 31, 2010

Um juiz incómodo para o ambiente político

Segundo o Expresso de ontem, citado pela InVerbis:

"O círculo íntimo do juiz do mais importante tribunal de instrução criminal do país está apreensivo com o futuro de Carlos Alexandre no cargo. Fontes próximas do magistrado adiantaram ao Expresso que se intensificaram nas últimas semanas as manobras de bastidores para ser colocado um segundo juiz no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) — conhecido no meio judicial por Ticão — agora que estão para ter início as instruções de alguns dos processos-crime mais mediáticos dos últimos anos, todos eles relacionados com os meios políticos: BPN, submarinos, 'Furacão' e, eventualmente mais para o Verão, o caso 'Freeport'.

Carlos Alexandre já manifestou em privado a ideia de que, num cenário desses, a sua opção seria bater com a porta. A hipótese de o Conselho Superior de Magistratura (CSM) nomear um segundo juiz para o Ticão está a ser encarada pelo único titular do tribunal como uma tentativa de condicionarem a sua capacidade de acção, uma vez que essa nomeação nunca foi requisitada por si nem considerada necessária."

O juiz Carlos Alexandre ganhou notoriedade nos últimos meses, por motivos óbvios: tem a seu cargo, em virtude de funções que exerce num tribunal de instrução criminal central e ocupado com processos de importância mediática como o Portucale, Universidade Independente, BPN, Submarinos, Furacão, Freeport.
Processos transversais a toda a classe política portuguesa e cujos factos em investigação no outro organismo central- o DCIAP- passam pelo tribunal de instrução, por causa da lei processual que temos. O DCIAP é dirigido por Cândida de Almeida, ( durante mais três anos, pelo menos) e nenhum processo do juiz Carlos Alexandre, evita a investigação desse departamento do MP. O juiz de instrução, intervém, nos termos da lei, nesses processos dirigidos pelo MP, neste caso, pelo departamento de Cândida de Almeida.

O juiz Carlos Alexandre, não é apenas o "juiz das garantias" nesses casos, porque é também o juiz que determina, em sede de instrução, quem deve ser submetido a julgamento, em função da existência de indícios suficientes para tal, coforme a lei prevê.

O TCIC foi criado há menos de dez anos para prover a necessidades práticas de funcionamento célere e competente, da justiça. A ideia básica foi a de criar um local e um tribunal específico, especializado, para os casos complexos e cuja lógica tinha já determinado a criação do DCIAP, no MP.

Não obstante, é necessário ententer que a instrução de processos, com fase processual, foi considerada pelo legislador ( Figueiredo Dias à cabeça) como residual e excepcional, pois que o lugar de relevo e a ênfase legislativa foi colocada na fase de julgamento.
No início do CPP de 1987, a instrução era encarada como mera circunstância de apreciação extraordinária de excrescências processuais e julgava-se que teria pouco relevo em quantidade ou qualidade.
Enganaram-se os que assim pensaram e legislaram, porque depressa se descobriu que o Direito permite as "aldrabices" do costume através das interpretações mais arrevezadas a que muitos dão acolhimento e por isso, a instrução passou a fase processual de relevo inusitado para entalados excelentíssimos que assim procuraram escapar ao julgamento vexatório. O caso mais exemplar é o do sangue contaminado, em que foi arguida Leonor Beleza. Sempre mostrou disposição para ser julgada e sempre tudo fez para o não ser, até que chegou ao T.Constitucional ( o que Figueiredo Dias nunca imaginou, pela certa) e o juiz Bravo Serra, que se apresta a concorrer ao CSM, relatou um acórdão ( colectivo e com dois votos de vencido) que a livrou de julgamento, declarando a prescrição processual.

Neste ambiente, apareceu o TCIC e o juiz Carlos Alexandre foi o seu titular. E está sozinho. E não tem nada atrasado. E é trabalhador, competente, esforçado, nada podendo apontar-se-lhe profissionalmente. Não reivindica companhia ou auxiliares por causa do trabalho e não se mostra agastado psicologicamente com o mesmo.

Mas...de há uns meses a esta parte, Carlos Alexandre tem sido apontado nos media como " o juiz mais poderoso", o "juiz que manda nos processos mais importantes do país " e coisas do mesmo jaez, saido de intervenções televisivas do tipo que Ricardo Costa, da SIC , gosta de assumir como exemplo jornalístico.

Estes apartes ocasionais e intervenções "oportunas" e de grande relevo mediático, ajudaram a construir um perfil individualizado para o "superjuiz", como o apelidam no Expresso e na SIC, com influência do tal Ricardo Costa, um personagem cuja cretinice assume foros de susto, por vezes, mas cujo objectivo se torna cada vez mais claro e evidente.

É por isso que surgem perfis do género deste, elaborado na Sábado. É por isso que Carlos Alexandre, na condição de juiz, mesmo sem o poder ser, aceitou dar uma entrevista ao Correio da Manhã, recentemente e já aqui relatada, por altura de o terem considerado " a figura do ano". Uma entrevista com quase nada de relevante, a não ser a projecção do relevo do superjuiz, com um efeito óbvio - a alimentação da curiosidade- e outro escondido e eventualmente involuntário- a criação do clima de descrédito, associado à mentalidade nacional de destruir depois de levantar o pedestal.

E agora, aparece isto. Isto é a notícia do Expresso de Ricardo Costa, com ressumância a outras mais breves, já lançadas anteriormente.
A essência da manobra é simples de explicar: o juiz Carlos Alexandre é agora, um real "protagonista", um dos pecados capitais que a corporação entende como irremissível. Só por isso se explica a incompreensível e surpreendente atitude de alguns pares. Nada mais se lhe aponta e nem isso se aponta, porque o problema parece residir numa circunstância que nunca incomodou: ser o único juiz do TCIC. Talvez o incómodo, para alguns pares, resulte da circunstância de o superjuiz, dizer não às polícias e MP, mas em sentido contrário ao pretendido: agravar a condição dos arguidos, já protegidos generosamente por uma caterva de direitos, liberdades e garantias gizados para a imunidade prática.

Perante tal ofensa ao estatuto, cimentada em certas decisões pontuais de exercício de direitos, liberdades e garantias, relativamente a alguns arguidos, cujo teor não afiança muita tranquilidade em determinadas superestruturas, o juiz Carlos Alexandre, passou muito simplesmente de superjuiz a juiz a abater ou mesmo a überjuiz. E rapidamente, que o tempo processual urge.

E como se vai resolver um problema tão sério que contende com um princípio ainda mais sério e fundamental como é o da inamovibilidade dos juízes, como garantia das pessoas em geral e princípio fundamental da democracia e independência do poder judicial?

Bem, se não se pode mudar o juiz, mudam-se as regras para obter o efeito desejado: subtrair ao juiz natural o que naturalmente não pode ser decidido por ele...
E vai daí, afigura-se já como provável a alteração da lei orgânica do TCIC, da lei de funcionamento dos tribunais e coisas que tais. Tal como se fazia no tempo da ditadura salazarista, sem tirar nem pôr, a não ser uns deputados eleitos em listas partidárias.

Não pode haver outra leitura das notícias que o Expresso ressuma este fim de semana.
Se não, vejamos como o problema é encarado no seio do CSM, onde ponderam administrativamente os conselheiros que gerem as carreiras dos juizes que paradoxalmente se querem independentes e inamovíveis, para garantia geral: Ferreira Girão, vice, disse ao Expresso que " a alteração da lei orgânica dependerá inevitavelmente de uma aprovação pelo Parlamento".
Já vamos aqui... e o presidente, Noronha Nascimento, cujo despacho de arquivamento no expediente das escutas no Face Oculta, ainda não foi devidamente esclarecido, quanto ao valor real e jurídico, já disse nada ter a responder aos costumes.

Ora, tal é facílimo de resolver: basta que as "forças vivas", entaladas, e ainda as de clube secreto, dêem o devido assentimento senão mesmo as instruções.
E como é que isso se faz, afinal?
O próprio Girão dá a instrução: (...) "por exemplo, por uma discussão pública nos órgãos de comunicação social".

Já começou.

2 comentários:

Karocha disse...

Não existe vergonha neste Pais José?!!!
Ninguém para isto?
Somos a vergonha da Europa nem em Itália!!!

MARIA disse...

Colocar outro juiz?!...
Daqui por algum tempo até pode ser
HUGO MARÇAL que segundo a 2ª Série do DR nº 802, pag 4961, acaba de ver assegurado o seu ingresso no CEJ.
E a classificação de RUI TEIXEIRA, alguém sabe como andará?

O Público activista e relapso