Será porque os dirigentes do MP e da Judiciária são moralmente corruptos e incapazes de enfrentar o poder político de topo? É uma hipótese que deve ser colocada porque nenhum investigador deve descartar elementos plausíveis em qualquer indagação. E deve ainda assim tentar adivinhar elementos que não são plausíveis mas se tornam passíveis de assumir tal estatuto. Nisso consiste o raciocínio abdutivo que se deve ponderar.
Neste caso concreto, os magistrados, mormente os da alta hierarquia, serão moralmente corruptos nessa perspectiva?
Sê-lo-iam sem dúvida, se colocados perante a plausibilidade de um procedimento por factos apontados como tendo relevo criminal, procurassem dolosamente afastar tal hipótese, socorrendo-se de expedientes legais ou mesmo informais para tal efeito.
No caso Freeport, segundo se anunciou, o facto essencial, tem a ver com o licenciamento polémico de um empreendimento urbano gigantesco e de verbas pagas indevidamente pelo promotor a pessoas, eventualmente ligadas ao poder político, para que o projecto fosse viabilizado. As denúncias iniciais e subsequentemente comprovadas por novos factos indiciários, apontavam para a existência de tráfico de influências ao mais alto nível ministerial e de financiamento ilegal de partidos através de práticas de corrupção passiva para acto ilícito.
Há indícios de corrupção no caso Freeport? À partida havia e depois das investigações continuam a existir suspeitas fundadas de que tal sucedeu.
Se houve corrupção, haverá que saber se foi para a prática de um acto lícito ou ilícito. E as suspeitas, aqui, cingem o gabinete do então ministro do Ambiente, por causa do timing do processo de aprovação do licenciamento. Para se distinguir a existência de corrupção, torna-se mister indagar acerca dos procedimentos e regras (in)cumpridas e determinar se a determinado procedimento correspondeu uma vantagem concreta e quem beneficiou directa ou indirectamente da mesma.
Como é que se consegue saber tal coisa se não se investigar directamente os suspeitos ou se limiarem as suspeitas a algumas pessoas, excluindo outras à partida? Não é possível. E como é que se investiga o suspeito? Indagando indícios e provas do recebimento dessa vantagem para si ou para outrém. E como se alcança tal desiderato? Procurando descobrir o rasto dessa vantagem: de onde veio exactamente e onde foi parar precisamente.
Esta investigação não se faz apenas com inquirições e perguntas mesmo em listinhas. Faz-se de modo célere e na altura em que pode ser realizada e em que seja útil e prática. Tratando-se de dinheiro vivo, sabendo quem o entregou, onde e a quem. Tratando-se de outra vantagem , procurando saber como tal aconteceu e quem foi o beneficiário directo de tal.
Na prática como é que se descobrem tais percursos de dinheiro e vantagens? Com buscas, vigilância, raciocínio indutivo e abdutivo e colocação de hipóteses que podem conduzir a uma plausibilidade prática e concreta. Descobrir documentos é essencial, procurar onde se encontrarão, primordial. Buscar ajuda a quem pode auxiliar, importantíssimo. Acolher depoimentos de quem sabe estes meandros, imprescindível.
Se tudo isto não se fez relativamente a um suspeito, importa saber porquê.
No caso do político de topo, que foi ministro e é primeiro-ministro, há duas hipóteses: a primeira e mais prosaica é a de se saber se a investigação nesses moldes seria viável em termos práticos e legais. Pode ser que não seja. A segunda é a mais perversa: a de saber se à partida esteve sempre arredada a possibilidade de incomodar pessoalmente sua Excelência com investigações a contas, mesmo offshores ( porque é exactamente uma daquelas plausibilidades abdutivas e a descobrir antes onde se encontram), com escutas ( autorizadas pelo presidente do STJ) e principalmente com a vontade de descobrir o que poderia ser investigado legalmente e relacionado com as denúncias, suspeitas e factos plausíveis ( quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm...).
É isto que normalmente orienta um investigador criminal. Em casos comuns e cujo trabalho deve realizar-se em segredo, com discrição e com profissionalismo. Será possível um trabalho destes num caso como este?
O Face Oculta provou que era possível. Por isso, a ausência desse trabalho deve justificar-se. E nada melhor do que um inquérito disciplinar para que os investigadores digam de sua justiça...
Porque há um aspecto essencial nesta omissão de investigação que roça a denegação de justiça se for intencional, que importa perceber:
A investigação criminal de topo, em Portugal, teme o poder político que está? Ou estará de tal modo sintonizada politicamente com o mesmo que subjectivamente não se lhe apresentam suspeitas que o comum dos observadores repara e aponta a olho nu?
E será por isso que se inviabilizam à partida certas investigações que se impunham fazer. em nome do princípio constitucional abaixo citado?