sexta-feira, setembro 17, 2010

As memórias armadilhadas

Este livro, uma biografia de Salazar da autoria de Filipe Ribeiro de Meneses, merece uma leitura. É a primeira vez que uma biografia de Salazar não desaponta o leitor.

Disso dá conta, aliás, António-Pedro Vasconcelos que considero um indivíduo de cultura acima da média e cujas entrevistas nunca perco, porque se ganha sempre alguma sabedoria. Sobre livros, cinema, cultura popular e não só, A-P.V. é um poço de referências cuja audição vale todo o tempo de escuta.
Nesta pequena crónica hoje publicada no Sol, o autor refere-se em tom elogioso ao livro e acaba por lhe reparar num defeito: o livro não enfatiza suficientemente, " a devastação cultural de que o país ainda não se recompôs ( o apagamento da memória histórica, por exemplo), a perseguição à inteligência, a degradação moral dos portugueses que ele queria que "vivessem habitualmente", e a quem ensinou o medo, a delação e o conformismo. Sob a capa da aurea mediocritas é esse o legado sinistro de Salazar".

Discordo um pouco de A-P. Vasconcelos. Foi sob o regime de Salazar que A-P. aprendeu, se formou e cultivou. Leu tudo o que quis e não esperou certamente pelo advento do 25 de Abril para se inteirar de todos os fenómenos político-sociológicos que perpassaram o mundo, particularmente na década de sessenta.
Para quem quiser ver o que era o "obscurantismo" do tempo do Estado Novo e da ditadura de Salazar-Caetano, nada melhor que uma incursão em catálogos de livrarias desse tempo. As editoras tinham nome como Sá da Costa, Europa-América, Ulisseia, Civilização, Verbo, União Gráfica, d.quixote, Bertrand, Inova, etc etc. Os livros que publicavam iam dos clássicos que agora ninguém lê, aos romances em voga e a ensaios variados, com destaque para os que a d. quixote publicava e que não ficavam atrás do que em França era permitido publicar. Aliás, eram traduzidos desse país e lá, ao contrário do que alguns querem fazer crer, também havia censura nos media.
Tal como a Ulisseia tinha uma colecção de bolso ( Pelicano) semelhante à da Penguin e outras editoras copiavam o que lá de fora vinha, mormente em livros policiais ( onde se formou o "inspector" Varatojo?).

Desafio A-P. Vasconcelos a elencar as obras culturais então proibidas que foram causa desse terrível "obscurantismo" que assolou o nosso país durante o Estado Novo dos anos sessenta, por exemplo.
E desafio a mostrar o Século Ilustrado a Vida Mundial e a Flama dessa época, como prova do que disse...

Quando se escreve sobre História, convém atender aos factos ainda na memória viva de muitos. As inventadas, não interessam muito.

Questuber! Mais um escândalo!