O jornal Público de hoje, dirigido por Bárbara Reis, faz uma fanfarra de primeira página até ao editorial por causa dos juízes que "falham prazos e adiam entrega do acórdão para hoje".
O que significa esta notícia assim exposta? Objectivamente, um ataque mediático aos juízes do processo, patrocinado ainda pelo próprio bastonário da Ordem dos Advogados e, naturalmente, por um dos advogados de um dos arguidos mais mediatizados e ontem apelidado de Sua Inocência, pelo comentador Manuel Pina.
Isso apesar de todos os intervenientes processuais serem unânimes na consideração que tal "adiamento não põe em causa direitos da defesa." Isto, que deveria constituir motivo suficiente para reduzir o caso a um fait-divers, adianta nada quando o que se pretende, a olhos vistos é denegrir, seja de que maneira for, a Justiça e o modo como se aplica. Se não vejamos:
Nas razões explicativas do atraso, é escrito na primeira página que se devem à " cópia do acórdão para suportes informáticos e de papel", sem mais.
No interior, na página supostamente explicativa do lead, nada mais se adianta como justificação. O CSM em comunicado tentou explicar, por seu turno, as razões do atraso, mas sem pormenorização, a não ser salientar que o tribunal teve em conta os direitos de recurso que assim ficam melhor acautelados.
Depois disto, o artigo passa o tempo restante das duas páginas a descrever a "indignação dos advogados", mas relata apenas a de um único, a saber, a do causídico Sá Fernandes.
O Bastonário Marinho e Pinto, esse, parece ser o mais indignado. Classificou de modo insultuoso e indigno, o comunicado do CSM, de "ridículo" e "atentado à inteligência das pessoas".
O resto dos advogados, desvalorizaram completamente o assunto e até admitem, quase todos eles, que ficam favorecidos no prazo de interposição de recursos anunciados.
Talvez por causa daquela "indignação" selectiva de um dos advogados e da enxúndia verbal do bastonário, o editorial do jornal, não assinado, replica as dores de parto do acórdão adiado. E não é parco em palavras de ignomínia: " Uma falta inadmissível dos juízes"; "não sobram razões para se confiar numa magistratura incapaz de cumprir prazos que ela própria impõe" e em cereja no topo de um bolo assim, a suspeita, insuflada pelo próprio bastonário de que o acórdão ainda nem estava feito, na altura da sentença.
É assim o jornalismo português. Um jornalismo de opiniões, de proclamações grandiloquentes de princípios que nem conhecem e de frases feitas, papagueadas para um efeito de primeira página.
E justifico já o porquê de mais esta vergonha repetida:
O que deveríamos esperar de um jornal num caso destes? No mínimo, saber as razões concretas do atraso. No mínimo, uma indagação in loco, para se entender como é que funcionam essas coisas de que se dá notícia elaborada em redacção, por informação colhida em telefone. No mínimo, a audição de quem está encarregado de fazer o que tem de ser feito para dar cumprimento à ordem judicial.
O que o jornal deveria fazer e vergonhosamente não fez, acusando gratuitamente quem não deveria, seria conhecer, indagar e informar devidamente os leitores das razões concretas da tal dificuldade justificativa do atraso em copiar o acórdão.
Em concreto, o jornal, deveria ter-se informado junto dos serviços de secretaria do tribunal ou dos serviços judiciários ou de alguém que pudesse esclarecer esses pormenores ( por exemplo, o sempre presente sindicalista do funcionalismo judiciário) que emperraram a máquina. Saber em concreto e informar em concreto as razões concretas, explicadas depois de devidamente entendidas é o mínimo que se espera de um jornal que deve dar notícias fundamentadas.
Para ler opiniões, bastam-nos os comentadores do jornal e o bastonário da Ordem dos Advogados.
Se um jornal não cumpre essa função básica de informar devida e correctamente os leitores e passa imediatamente aos editoriais inflamados de preconceitos e ignomínias o que dizer de um jornal assim?
Que não passa de uma folha de couve que deveria envergonhar quem lá trabalha?
Por outro lado, no reverso, nota-se mais uma vez a ausência de comunicação da Justiça in totum. O sistema de Justiça que temos, tem muita dificuldade em encontrar o tom e som certos para dizer ao povo como se aplicou a lei e o direito. Os juízes tendem a não falar publicamente porque têm um medo que se pelam de apanhar com processos disciplinares por causa da violação do dever de reserva. Quem assim tem medo, não é livre nem é independente, por mais proclamações de princípios que se invoquem. Um juiz deve saber falar em público quando é preciso e explicar se alguns ignorantes dos jornais teimam em não perceber o que é por vezes básico e fundamental. Um juiz que assim fala, não viola nenhum dever de reserva e contribui para uma melhor imagem da justiça se for correcto e exemplar no que diz, porque fará o contraste com os fala-barato dos ricardos sá fernandes que por aí pululam impunemente, uma vez que a Ordem os acapara.
Porém, a ausência de liberdade e que siginfica uma autêntica capitis diminutio, com graves reflexos na independência , tem outras consequências práticas. Como tais processos surgem quando menos se espera e instaurados por iniciativa de um CSM composto de modo heterogéneo, cujo exemplo de actuação se encontra no caso Rui Teixeira e na tentativa de o prejudicar profissionalmente, temos aí a principal explicação para o mutismo, sendo o dever de reserva o enquadramento formal de tal atavismo. É esse o motivo único e principal para o mutismo generalizado.
Assim, os juízes, mesmo sendo órgãos e soberania de per se, quando decidem, entendem ser melhor deferir ao próprio CSM que os rege administrativamente e a quem falece qualquer soberania, a incumbência que lhes deveria pertencer e que seria a de explicar ao povo o sentido de determinadas decisões como a de um adiamento de entrega de cópia de um acórdão.
O comunicado do CSM, lido e explicado por Bravo Serra, é exemplar do modo como não se comunica devidamente um caso destes. E é exemplar do modo como se geram depois equívocos alimentados em nítida má-fé por um Bastonário cada vez mais vergonhoso e sem réplica à altura, porque o modo caceteiro como se exprime, longe de o envergonhar publicamente, só o estimula a maior protagonismo na caceteirice e enxúndia verbal.
Nem sequer do sindicato dos juízes se exprime, muito comedido porque com receio de vir a ser novamente atacado de modo soez como o tem sido pelo mesmo Bastonário.
E assim se vai fazendo a Justiça, com a imagem que todos podemos ver: desfocada, deturpada e até distorcida por quem aproveita todos os pretextos para a denegrir.
Aditamento de um comentário recolhido na InVerbis, sobre este assunto momentoso e que me parece ajustado:
Não sei porquê, mas recordei de repente o parto difícil que foi o início de vida do jornal público.
O jornal viu várias vezes adiada a sua saída, o que levou a que os jornalistas que aí trabalhavam e eram pagos a peso de ouro se entretessem, durante alguns meses, a fazer edições diárias fantasma que ninguém lia.
A situação foi inclusivamente satirizada pelo independente que chamava ao público o boneco, já que os respectivos jornalistas trabalhavam para o boneco.
Tendo em conta o teor do editorial acima reproduzido, a decadência que o jornal regista (que só não levou ainda ao seu encerramento por ser um brinquedo de estimação do patrão da sonae) e considerando a tendência decrescente das suas tiragens, quer-me parecer que os jornalistas que lá estão cada vez mais a trabalhar novamente para o boneco.