quinta-feira, fevereiro 06, 2014

O desconhecimento jornalístico dá nisto...

RR:

O Ministério Público actuou de imediato no caso do Meco, garantiu a Procuradora Geral da República (PGR). Em entrevista à RTP, Joana Marques Vidal explicou porque transitou, afinal, o processo de Sesimbra para Almada.
“O inquérito no Ministério Público foi instaurado no dia em que ocorreu a tragédia. Foi dada a notícia de facto e foi aberto o inquérito. O que aconteceu é que o inquérito aconteceu na comarca de Sesimbra, posteriormente considerou-se que era importante que o procurador da República do círculo avocasse o processo e definiu que seria da competência de uma equipa mista composta pela Polícia Marítima e pela Polícia Judiciária”, disse.
A PGR recusa, para já, que se fale em falta de acção dos magistrados, mas remete para mais tarde a análise do que possa ter corrido bem ou mal neste caso.


 Se o jornalismo português fosse menos de meia tijela e mais de competência estrita, estas notícias não apareciam nem as perguntas que se fazem à PGR teriam o mesmo tom e teor.
Assim, vemos uma afirmação banal da mesma transformar-se em revelação de cacha.

Se o jornalismo português não fosse tão, tão,  afoito ao efeito de choque, num fenómeno de procura insistente das pessoas que mordem cães, teríamos melhor informação. Assim...para quem é, bacalhau basta ( a expressão é muito antiga, rural e do tempo do bacalhau a pataco, que não hoje certamente)  e os jornais vendem-se cada vez menos.

Assim, logo que há notícia de um acidente que envolve pessoas, as autoridades policiais intervêm. É esta a regra geral e cujas excepções não a colocam em causa.
Sempre que sucede um caso de morte de alguém em lugar público, por causas violentas, a polícia intervém. A primeira coisa que uma polícia faz ao deparar-se com um caso de morte é tentar perceber como ocorreu e se tal se deveu a uma causa violenta originada por outra(s) pessoa(s) e ainda se  pode haver suspeita de comportamento criminoso, doloso ou negligente.
Nos acidentes de viação assim sucede, com a polícia a recolher vestígios do acidente, para preservar eventuais provas susceptíveis de serem úteis no futuro. Nos homicídios idem, mas neste caso, sendo clara a ocorrência de homicídio doloso, há uma polícia especialmente vocacionada para intervir, em razão das suas maiores qualificações técnicas, a Polícia Judiciária. Tal não significa que as demais polícias qeu eventualmente tenham conhecimento antecipado em razão de proximidade geográfica, por exemplo, não tenham o dever estrito de preservar imediatamente o que entenderem como útil a tal efeito.
Uma morte na praia, por afogamento, se não houver suspeitas de comportamento criminoso, á partida, é investigada pela Polícia Marítima que vai ao local e recolhe os vestígios e os corpos se os houver. Uma entidade obrigatoriamente presente nestas ocorrências é o perito médico-legal, um médico ( que não é o do INEM) que deve reconhecer a vítima e passar o atestado de óbito exarando o que lhe parece em face das circunstâncias, mormente se existem aparentes suspeitas de comportamento criminoso, doloso ou negligente.
Há falhas nestes procedimentos? Pode haver, principalmente em casos de acidentes presumidos como tal. Mas não foi esse o caso do Meco, segundo relatam os media, particularmente no excelente trabalho ( até certo ponto)  da CMTV.
É agora vem a revelação que os jornalistas aparentemente não sabem: quem é informado "imediatamente" e em primeiro lugar de tais ocorrências? O magistrado do MºPº que está de turno, voilà. Pode ser às 2, 4 ou 5 da manhã, o que é corrente e habitual acontecer em muitas comarcas do país.
Normalmente, o polícia que toma "conta da ocorrência" telefona ao magistrado cujo nome consta de uma lista que é enviada às polícias para o efeito e comunica-lhe o facto por várias razões: ou para isso exactamente ou para solicitar que lhe sejam dadas instruções em função do caso, designadamente para saber se o corpo da vítima deve ser removido para a morgue, para autópsia. Nem todos os cadáveres que aparecem nestas circunstâncias devem ser autopsiados mas apenas os que se relaciona com mortes violentas ( acidentes de viação ou afogamento, por exemplo) e os que carecem de recolha de indícios para averiguação de causa de morte, eventualmente dolosa. É por isso que em muitas comarcas existem inquéritos designados como de "averiguação de causa de morte".

Tais processos são instaurados com base nos autos remetidos pelas polícias, "imediatamente", ou seja, na altura do acontecimento ou nas horas a seguir ( se o fax chegar ao MºPº fora de horas de expediente, como pode acontecer, logo de manhãzinha).

São estes os procedimentos standard das polícias e do MºPº em Portugal, seguindo as regras do Código de Processo Penal que poderá ser consultado na internet que com certeza existe nas redacções. Tudo isto é corriqueiro de há décadas a esta parte. Tudo isto é praticado exemplarmente pelas polícias, acho. Tudo isto devia ser do conhecimento jornalístico e não é. Tudo isto vem no Código de Processo Penal de 1987, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1998. Como é possível que alguém que exerca profissão de apresentar notícias e factos relacionados com estas regras, as não conheça e julgue que nem tem que conhecer? Um lavrador ou um cantoneiro não têm que as conhecer, mas um jornalista tem.

Portanto, o que Joana Marques Vidal disse a propósito do assunto é isto. Não é nada de novo, nada de extraordinário e nada que não seja habitual no MºPº e polícias, mesmo com a Polícia Marítima cujas competências, por ser uma polícia relativamente recente, ainda precisam de afinação, com a devida formação dos seus agentes.

Por isso mesmo, é mais que certo que o caso do Meco foi autuado como inquérito no próprio dia em que sucedeu. Porém, também parece mais que certo que foi a Polícia Marítima quem procedeu a essas investigações, tomando como base de partida a existência de vários afogamentos, com uma vítima que escapou e que aparentemente também o poderia ter sido.
Dali para a frente sucederam-se as diligências de investigação, mormente a espera pelos cadáveres para autópsia. A recolha de indícios de eventual crime, no caso negligente porque ninguem, nem mesmo este jornalismo, ainda supôs que pudesse ser outra coisa,  revelou-se tardio? Talvez, mas terá sido prejudicial à descoberta da verdade?' Duvido.
A Polícia Judiciária faria melhor? Não creio. O jornalismo de meia-tijela faria melhor? Responda quem souber.

Quem quiser saber com propriedade, saber e competência tudo isto, pode assistir ao programa da CMTV em que participa o professor Rui Pereira que foi ministro da Administração Interna, pelo PS.
É um indivíduo que apesar de não ter sido um ministro excepcional, sabe do que fala, sabe exprimir-se, não diz enormidades e burrices evidentes como agora este jornalismo o faz e é um exemplo de comunicação destes assuntos.