Ha quarenta anos, em Portugal havia Censura, por Exame Prévio dos órgãos de informação impressos. Apesar de não se comparar em rigor e eficácia com a que existia nos países ditos comunistas, a verdade é que por cá não era possível ver a foice e o martelo impressos num papel em modo de propaganda política. E muito menos se podiam ler alguns livros que fizessem a apologia do marxismo-leninismo mais esquerdista, porque não se publicavam por cá. Isso não quer dizer que não se lessem, em francês, principalmente e trazidos clandestinamente. Não consta que houvesse interessado nessa teoria que não a tivesse lido por falta de material.
Por outro lado, havia polícia política ( DGS) que velava pelos bons costumes políticos e perseguia, prendendo quem se dedicasse a actividades subversivas contra a Nação, como então se dizia. Tais actividades eram perfeitamente cognoscíveis pelos visados e por isso os que foram presos, geralmente comunistas, foram-no em função de lei nesse sentido. A legalidade do regime era essa; não era outra, apesar de quem a infringia pretender o contrário e tentar retirar qualquer laivo de legitimidade a quem exercia o poder nessa legalidade.
Havia ainda um assunto de grande relevo nacionall que era a guerra no Ultramar português, declarada por movimentos ditos então terroristas e que pretendiam a independência dos territórios ultramarinos sob o pretexto de que eram colónias e por isso ocupados ilegitimamente.
Estes problemas eram alvo de atenção permanente do regime político de então e o chefe de Governo, Marcello Caetano não perdia uma oportunidade nos seus discursos, de os trazer à colação, explicando vezes sem conta qual era a posição de Portugal nesses assuntos e quais as razões para o regime e o governo actuar como actuava, relativamente a essas questões.
Ninguém em Portugal desconhecia estes problemas ou a solução que o governo lhes pretendia arranjar, ou os métodos que usava para fazer cumprir essa política clara e bem definida.
Sobre o problema do Ultramar no Verão de 1973, Marcello Caetano foi a Londres retribuir uma visita de Estado no âmbito das comemorações dos 600 anos da aliança com a Inglaterra. Aí foi recebido com manifestações hostis, promovidas, além do mais pelos socialistas, incluindo Mário Soaresm, aí presente.
No regresso, Marcello Caetano foi recebido assim, com uma manifestação gigantesca no Terreiro do Paço. É escusado dizer que foi tudo menos espontânea porque não é verdade. Foi assim porque foi assim mesmo, como contava o Observador de 27 de Julho de 1973.
As pessoas em geral, nessa altura sabiam o que Marcello Caetano pensava sobre o comunismo, a guerra no Ultramar e quais os verdadeiros desígnios que escondia, etc.
Marcello desde que assumiu o poder político em 1968 falou inúmeras vezes sobre o assunto e particularmente na televisão, através daquilo que chamou "Conversas em Família", que eram uma maneira de fazer passar um discurso político através de ideias claras e precisas, sem rodeios de maior. Toda a gente entendia essa linguagem.
No livro de propaganda política e governativa, III ano do Governo de Marcello Caetano, em 1971, este explicava claramente o que era o regime:
No ano seguinte, 1972, igualmente, explicando o que era a "ditadura do proletariado" e o que significava o "processo revolucionário".
Em 1973, no V volume, explicava o que era o socialismo comunista e o que era a "doença infantil do comunismo", ou seja a extrema-esquerda.
O que pretendo dizer com isto é que ninguém andava alheado destes problemas apesar de não saber exactamente o que era o "comunismo científico", matéria reservada aos "subversivos" estudados na clandestinidade.
Não obstante, em Portugal, há 40 anos, entre a classe dos jornalistas e pessoas de Letras, Artes e até Ciências, havia muitos comunistas e simpatizantes da causa, particularmente nas grandes cidades, Lisboa, Porto e Coimbra.
Seria tal fenómeno suficiente para explicar o que se passou logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, e por este logo pretendo dizer nos dias a seguir, uma semana se tanto?
Não creio.
Com toda a propaganda comunista e dos doentes infantis do comunismo, durante todo o ano de 1974 e primeiros meses de 1975, as primeiras eleições com participação destas " forças subversivas" ( e eram mais que as mães...) conseguiram um magro resultado eleitoral nas eleições para a Constituinte. O PCP nem chegou aos 11% e os doentes infantis, ficaram pelas percentagens abaixo do meio por cento e nem conseguiram chegar à Assembleia.
Não obstante, contando com o PS, a esquerda obteve cerca de 80% dos votos expressos.. .
Como é que isto foi possível e como é que as pessoas que sabiam perfeitamente o que era e significava o comunismo apoiavam, principalmente nos meios urbanso, no Alentejo e em certas franjas de população, uma força política que fatalmente faria regressar o país à Idade da pedra democrática, com uma censura antes nunca vista, com perseguições e prisões antes nunca praticadas e com uma totalização da vida social impensável até para Salazar?
Como é que em meia dúzia de meses aparecem na sociedade portuguesa centenas de milhar de pessoas com ideias comunistas e afectados em estado terminal pela doença infantil do comunismo?
É um mistério e aceitam-se alvitres sobre os motivos.