As razões que justificaram a detenção de Ricardo Salgado não foram explicadas concretamente, no comunicado da PGR.
Devê-lo-iam ter sido? Julgo que sim, para evitar especulações, aliás a razão do próprio comunicado.
Deste modo, temos os jornais e media em geral a tentar adivinhar, como o faz o Jornal de Negócios de hoje.
Quem ler a notícia fica a perceber uma coisa simples: não houve fuga de qualquer elemento em segredo de justiça no que respeita aos fundamentos da detenção.
É preciso notar que segundo as regras processuais, tais fundamentos têm que ser comunicados ao arguido a deter, sob pena de nulidade.
Artigo 258.º do CPP:
Mandados de detenção
1 - Os mandados de detenção são passados em triplicado e contêm, sob pena de nulidade:
a) A data da emissão e a assinatura da autoridade judiciária ou de polícia criminal competentes;
b) A identificação da pessoa a deter; e
c) A indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que legalmente a fundamentam.
2 - Em caso de urgência e de perigo na demora é admissível a requisição da detenção por qualquer meio de telecomunicação, seguindo-se-lhe imediatamente confirmação por mandado, nos termos do número anterior.
3 - Ao detido é exibido o mandado de detenção e entregue uma das cópias. No caso do número anterior, é-lhe exibida a ordem de detenção donde conste a requisição, a indicação da autoridade judiciária ou de polícia criminal que a fez e os demais requisitos referidos no n.º 1 e entregue a respectiva cópia.
Portanto, o arguido ( e o seu advogado) ficou com uma cópia de tudo e lá vem tudo o que interessa para justificar a detenção. Esse documento não é conhecido de ninguém que o tenha publicado ou dado a conhecer mesmo informalmente. A conclusão lógica é a de que se manteve o segredo de justiça neste caso, ao contrário do habitual.
E quem tem acesso a esse documento? Poucas pessoas. Além dos magistrados e funcionário(s) que emitiram tal documento, tem conhecimento as polícias que o entregam no caso de ir aberto, o arguido e advogados.
Assim, a notícia do Negócios de hoje é uma especulação que assenta em deduções, aliás fáceis de realizar.
Os motivos para detenção fora de flagrante delito estão explicados no artigo anterior do Código de Processo Penal
Artigo 257.º
Detenção fora de flagrante delito
1 - Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público:
a) Quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria voluntariamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado;
b) Quando se verifique, em concreto, alguma das situações previstas no artigo 204.º, que apenas a detenção permita acautelar; ou
c) Se tal se mostrar imprescindível para a protecção da vítima.
2 - As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
b) Existirem elementos que tornem fundados o receio de fuga ou de continuação da actividade criminosa; e
c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.
Como é bom de ver, a eventual razão terá de se ir buscar ao artº 204º do CPP:
Artigo 204.º
Requisitos gerais
Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Por exclusão de partes, chega-se à conclusão que o Negócios chegou...
Agora, pergunta-se: por que razão não explicou a PGR isto que é assim e evitaria especulações?
Responda quem souber.
ADITAMENTO
Depois de isto escrever fui ler isto.
O que este entalado disse ontem no espaço televisivo escandalosamente colocado à sua disposição pela RTP de todos nós, é uma achega ao que se escreve.
Este entalado excelentíssimo em vez de se pôr a especular, com as barbas de molho, sobre os motivos esconsos da Justiça, atirando mais pedras para além das que sempre atirou enquanto primeiro-ministro, devia explicar aos portugueses o que fez em parceria com o detido, em nome do país e interrogar-se sobre quando chegará a sua vez . Porque irá chegar...
16 comentários:
Cada um faz o 'papel' que lhe compete.
Mas alguém no seu perfeito juízo poderá imaginar que um homem com o poder e a inteligência de Salgado não acautelou tudo perante a mera hipótese de um dia poder vir a ser vasculhada a sua papelada?
Acaso será um homem desprevenido ou incapaz de encenar o teatro necessário?
Quantos "olhos e ouvidos do rei" não deverá ter o "homem que mandava nisto tudo" ou quantos é que não estariam dispostos a sê-lo a troco de uma boa importância?
Parece que estamos esquecidos do tipo de funcionamento que 'as coisas' assumem quando envolvidas estão certa gama de pessoas e, esquecidos, por ex, que PP já há muito que não se encontra de volta da fotocopiadora...
"um homem com o poder e a inteligência de Salgado não acautelou tudo?"
É essa a questão.
E que deveria fazer um bom investigador?
Procurar e vasculhar onde deve. Para tal tem de saber previamente os sítios possíveis, plausíveis e prováveis onde encontrar material.
Como se faz? É arte que conta. Os métodos têm que ser os legais, mas há maneiras de o fazer com sucesso.
Duvido que tal tenha acontecido porque dá muito trabalho e só trabalha nisso quem acha que deve mesmo trabalhar.
Um funcionário não acha isso e está sempre protegido porque pode sempre dizer que seguiu as regras do livro processual e institucional e coisa e tal.
Julgo que na investigação criminal em Portugal falta poder de abdução e empenho.
Muito do insucesso das investigações devem-se a esse facto prosaico: não sabem ou não querem procurar a sério.
Seguem as regras processuais que não os obrigam a mais que a costura da praxe e está feito porque ninguém os poderá atacar.
Muito do fracasso da investigação criminal deve-se a isso.
E estou plenamente convencido disto.
Nem a mais , José , nem a menos . É , ou não é ?
"Muito do insucesso das investigações devem-se a esse facto prosaico: não sabem ou não querem procurar a sério."
Aceito.
O remanescente constitui o alvo do que escrevi.
Parece que é assim: nem a mais e a menos só se não der nas vistas...
As pessoas, ofendidas, ficam geralmente frustradas e nada podem fazer.
E não me parece que haja solução á vista.
Muito do insucesso das investigações devem-se a esse facto prosaico: não sabem ou não querem procurar a sério."
Ou ordens rigorosas, para procurar, no outro lado, se aparecer alguma coisa estranha, ou com capacidade de fazer mossa em alguém, que não se pode, deixa-se estar. Não se mexe.
Depois aparece o culpado disto tudo, tipo bode expiatório.
Dá um ar democrático e de um estado de direito.
Ordens rigorosas não há. Isso quase posso garantir. Garanto mesmo.
O que há é falta de empenho sério e persistente.
Em particular , lembro-me de ter seguido , aqui há uns anos atrás - poucos afinal - o calvário de um certo juíz que teve o atrevimento de ir à AR inquirir um deputado...
( tem a forma de mérito , a inércia...)
A dona Inércia afinal é que é a dona disto tudo.
há um filme do Orson Wells (A Sede do Mal) que exemplifica muito bem em que pode tornar-se o tal empenho sério e persistente.
Haverá falta de empenho, acredito, há aliás em quase todos os sectores, pois a lei do menor esforço é uma lei da natureza, Daí a pressupor que se há fumo há fogo, sem indícios claros e objectivos do mesmo,parece-me excessivo. A independência também está na equidistância, creio que por isso o MP é uma magistratura.
Não, contra-baixo. Estou farto de ver que há deficiências graves no modo como se investiga.
Não há poder abductivo. Fica-se pelas aparências e não se escava mais fundo, com os meios existentes.
Se aparece um papel com aparência de verdadeiro não se questiona a eventual falsidade. Por exemplo.
E se aparece uma justificação plausível não se questiona essa plausibilidade.
E há outras coisas bem mais graves como sejam a de não se investigar quem tem muito poder sobre nós.
Isso foi evidente no caso Face Oculta.
Será preciso um desenho?
Existe medo, nas investigações. O pessoal que está no terreno, não tem confiança, nos superiores.
Vêm da politica, não são da casa.
Existe muito nevoeiro, neste pântano. O poder, quando confrontado, rege mal, que o diga o Juiz, que foi para Torres.
Perdeu as ilusões todas, essa malta, não perdoa. Portugal está completamente manietado. Desgraçadamente.
Isto quase que parece uma democracia ou um estado de direito.
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