Nas últimas semanas apareceu como praticável a hipótese política de um governo formado por uma Frente de Esquerda, incluindo comunistas, trotskistas e outros istas da revolução permanente, todos associados a um PS irreconhecível e repescado do marxismo-leninismo de antanho.
Poucos se deram ao esforço de pensar e dizer publicamente o que tal significava na realidade, preferindo edulcorar a pílula esquerdista pronta a tomar.
Perante o espectro do comunismo, o antigo, real, mesmo sem pátria a Leste, uma grande maioria de opinadores de media desvalorizou a ameaça e tendencialmente aceitou a ideia como fungível.
Entendem que está exorcizado qualquer perigo que antigamente tornava impeditiva a aceitação de tal frentismo a caminho da sociedade sem classes. A intelectualidade serôdia do salazarismo monárquico também não se rala com o assunto e desvaloriza o regresso ao passado, rindo dos que temem o perigo.
Tal postura intelectual dura há décadas, aliás, praticamente desde 25 de Abril de 1974, pelo que foi possível a essa Esquerda associada controlar todo o espaço mediático com algumas raras e honrosas excepções que nem alcançam expressão, et pour cause.
Neste últimos dias, porém, apareceram alguns gritos de alerta. O primeiro de que me dei conta, da autoria de uma cronista do Expresso, Maria João Avilez que conhece a nossa História pregressa dos últimos anos e por isso sabe do que fala. Escreveu no Observador que "não pensei poder espantar-me tanto: que é feito da outra metade do país?
Acreditam na bondade politica de que se anuncia? Que pensam desta
inóspita paisagem?" a propósito da inacção de quem tinha o dever de escrever e manifestar-se por princípios e valores que são os seus e diferem dos outros que se defendem à Esquerda comunista de sempre. Ou será que parafraseando a cronista "isto tanto faz?"
Não faz não. Ora leiam-se em primeiro lugar estas duas crónicas no Sol de hoje:
Conclusão prática? A Direita em Portugal não existe e por isso a Esquerda é omnipresente, omnisciente e domina o panorama mediático. Curiosamente há alguns esquerdistas ( Arons de Carvalho) que acham o contrário e que tudo é dominado pela direita...
António Barreto, um sociólogo socialista de sempre, antigo governante no tempo da primeira bancarrota e que lutou para desfazer a reforma agrária comunista, percebendo o logro e a tragédia que tal significava ( educou-se na Suíça e percebeu a natureza do comunismo, como por cá não se conhecia...) disse na RTP3 um destes dias que "Em 100 anos nunca vi um partido comunista no poder que governasse com eleições livres, com partidos políticos, com liberdade de expressão, sem exilados, sem presos políticos".
O Público de hoje pegou nessa frase de ontem e encarregou Paulo Pena de verificar os factos. Depois escreveu assim:
Conclusão? Barreto equivocou-se porque factualmente "há vários exemplos de partidos comunistas no poder que governaram "com eleições, com partidos políticos, com liberdade de expressão, sem exilados, sem presos políticos". Onde? Em Chipre, em França (!), na Dinamarca, Grécia, Áustria, Luxemburgo, e Finlândia e até no Brasil e no Chile ( 1070-73).
Tirando o caso de Chipre, com um PC de características especiais ( a ilha é um paradouro de russos...) e que afinal tiveram que engolir o sapo da austeridade mais apertada, em que outros países houve um partido comunista como o que tempos por cá, com uma linguagem que vem dos primórdios do anti-fascismo primário dos anos sessenta e fez escola, pegando de estaca, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974? E por acaso tiveram o poder de governar em maioria, qualquer um deles, incluindo o chileno do tempo de Allende?
O que António Barreto quis dizer entende-se muito bem: o partido comunista não partilha poder com ninguém nem é democrático no sentido burguês da expressão. E por isso carece da repressão, de prisões políticas de censura e de cerceamento de liberdades fundamentais em nome da instauração da sociedade comunista, que afinal é o povo no poder. Enquanto tal não sucede, a vanguarda zela pelos amanhãs que virão a cantar. Esta é a ideologia comunista de base, ainda hoje e sempre. Seja em Cuba. seja na Coreia do Norte, seja na Venezuela com a mistela de populismo comunista germinado na miséria camponesa e citadina. Esta é a realidade e Portugal não fugirá a ela, com as cambiantes específicas do nosso país, europeu e ocidental.
O comunista António Filipe é comunista assim? Ou ficará ou será afastado inexoravelmente pelos sucessores dos domingos abrantes com dentes de rato. E que lhe acontecerá se tal suceder? Vai para a oposição? Vai, para uma prisão de inimigos do nosso povo, antipatriotas que não respeitam a nossa democracia avançada. Será esse o seu destino e o dos demais. Esta história é velha e revelha e só não a conhece quem despreza os ensinamentos da História, aliás disponíveis actualmente para quem quiser ler.
Os franceses fazem por isso. Nós, nem ligamos nem queremos saber. A nossa direita salazarista pró-monárquica, com a representação digna de um cagagésimo de voto dobrado em branco, subscreve o velho slogan anarca: "nós rimo-nos das vossas lutas". Pois está bem...vão longe, assim.
Em 1975 foi assim: logo a seguir às eleições de Abril o PS teve 38% e o PPD 26%; o PCP teve 12,5% . Pois nenhum dos outros partidos foi admitido na tribuna das comemorações do 1º de Maio desse ano. Todos os lugares ficaram reservados logo para a frente de Esquerda, com o PCP a comandar até ao 25 de Novembro desse ano.
Mário Soares então achava que caminhávamos para a democracia popular porque nem o jornal socialista República respeitavam...e por isso se opunha a tal partido, recusando alianças com o mesmo.
Acham o PCP mudou desde então? É ler o que escrevem no O Militante. É ler...e comparar os discursos. Só não vê quem não quer e quem acha que o Jerónimo das ferramentas em que não pega desde 1974 é agora um democrata consolidado na democracia burguesa. Até usa gravata quando vai falar ao PR...
Actualmente, em França, no número deste mês da revista L´Histoire ( não é de direita. Tal epíteto pertence à Nouvelle Revue d´Histoire) escreve-se sobre a desilusão comunista e ao mesmo tempo sobre as razões do apelo comunista que seduziram tantos intelectuais em França. E por cá, também, havendo apenas uma diferença. Os seduzidos de cá continuam no encantamento relativo e reprimido; os de lá, há muito que desprezam essa ilusão.
Em Portugal, em 1975 quem foi que se opôs de forma mais veemente ao comunismo? Os católicos do Norte.
Hoje em dia, católicos assim? Só os do culto das telenovelas brasileiras....e das manhãs dos programas televisivos.