O ex-presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, Luís Noronha Nascimento, defendeu, num artigo
publicado na internet (chamado “O elogio da loucura ou variações sobre um tema
recorrente”), que um processo com as características das de José Sócrates deve
ser julgado no Supremo Tribunal de Justiça.
Como avança o Jornal
de Notícias na sua edição impressa desta quinta-feira, Noronha Nascimento, sem
nunca referir directamente o nome do antigo primeiro-ministro ou da Operação
Marquês, dá o exemplo do Presidente da República que tem o foro especial de
julgamento no Supremo previsto no artigo 130º da Constituição, num regime que é
alargado no Código de Processo Penal ao primeiro-ministro e ao presidente da
Assembleia da República. Ou seja, o antigo presidente do Supremo não
concorda com aqueles que defendem que só o Presidente da República tem o
direito de ser julgado no Supremo Tribunal de Justiça, mesmo que ainda o seja
no momento do próprio julgamento. Isto é, que o político se já não ocupar este
cargo no momento do julgamento deve ser julgado num tribunal de primeira
instância.
Noronha diz que não é
assim, e no mesmo artigo publicado no Portal Verbo Jurídico, explicou que “esta
interpretação jurídica é um convite à fraude à lei, deixando na mão de
terceiros a escolha arbitrária – consciente ou não – do tribunal competente e
remetendo para o vão de escada o princípio do juiz natural”.
O artigo original, publicado com data deste mês, na revista digital Verbo Juridico, está aqui.
Sem muitas delongas porque a figura em causa já se recortou
intelectualmente em várias ocasiões, tendo uma, memorável, ocorrido há uns anos, na
televisão, em que se enrodilhou em imperativos categóricos avulsos, basta dizer
o seguinte:
Como o próprio reconhece, o elemento literal do artº 130º da
CRP impede a interpretação que dele faz o citado jubilado.Aqui está o citado preceito da Lei Fundamental:
Artigo 130.º
Responsabilidade criminal
Responsabilidade criminal
1. Por
crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República
responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.
2. A
iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um
quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em
efectividade de funções.
3. A
condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.
4. Por
crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República
responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns.
Este artigo insere-se no capítulo próprio do título consagrado ao presidente da República que é um dos órgãos de soberania definidos no título I da Organização do Poder Político ( parte III) e que como se sabe são, além do presidente da República, a AR, o Governo e os Tribunais. O Governo é uma entidade colectiva e o Primeiro-Ministro é um dos governantes. O primeiro...
Ponto final e
parágrafo.
O citado jubilado que
se apresenta em plural majestático, vem
agora, em Outubro de 2015, para uma revista digitalizada e de conteúdo
jurídico, escrever sobre assuntos constitucionais e penais. A sua especialidade parece ser o Civil...ou
pelo menos assim o revelou nos bons velhos tempos, numa entrevista algures pelo que não se percebe
este exercício diletante em áreas que confessadamente não domina. Tal como a
filosofia que às vezes respinga nas
frases, também estas matérias serão para outras lavras sob pena de nos ocorrer
sempre aquele velho ditado que começa por sutor.
A pessoa
institucional do Primeiro-Ministro não está expressamente indicada no elenco
singular do artº 130 da CRP, tal como não estão a segunda figura do Estado e o
titular do poder judicial, suposta quarta figura na titularidade de soberania.
Querer à viva força incluir tal personagem política num elenco uninominal
parece apenas um exercício deletério de quem apenas procura corrigir a
Constituição.
O Primeiro-Ministro não encontra apoio constitucional, individualizado por uma simples razão, na minha modesta opinião de diletante assumido: há o Título IV da citada Parte III da CRP que se refere ao Governo. No artigo 183º diz assim:
1. O Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Secretários e Subsecretários de Estado.
2. O Governo pode incluir um ou mais Vice-Primeiros-Ministros.
E ainda mais: sobre a responsabilidade criminal dos membros do Governo ( e não apenas do Primeiro-Ministro) há um artigo específico, tal como há aquele 130º para o PR e que o citado jubilado quer estender à viva força ao PM:
Artigo 196.º
Efectivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo
1. Nenhum membro do Governo pode ser detido ou preso sem
autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que
corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e
em flagrante delito. 2. Movido procedimento criminal contra algum membro do Governo, e acusado este definitivamente, a Assembleia da República decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido no número anterior.
Ou seja, o Primeiro-Ministro é apenas isso, dentro do órgão de soberania Governo...e por isso se nota o esforço vão do actual jubilado do STJ em defender uma causa aparentemente perdida.O PM agora e de há 40 anos a esta parte, já não é o "presidente do Conselho" e a Constituição de 1933 perdeu validade em 1976. O fassismo deu cabo dela...segundo se escreve no exórdio da actual que nos garantiu durante anos a fio que íamos a caminho da sociedade sem classes e hoje ainda garante um socialismo, mesmo sem dinheiro suficiente.
Objectivamente, tal exercício esforçado, agora encetado, dá imenso jeito a certo indivíduo, o que não pode ser esquecido porque em política o que parece, é e a frase tem autor já citado profusamente.
E essa suspeita não pode ser afastada quando se lê o
escrito, aliás oportuna e prestesmente repescado pelo jornalista , nomeado para
o cargo de director do JN por directa influência, confessada aliás, do arguido
em causa ( tudo lhe deve, segundo transpirou).
Depois há que relembrar o triste episódio do Face Oculta de 2009.
Também nessa altura, em Setembro e antes um pouco das
eleições que deram uma "vitória extraordinária" ao agora arguido José
Sócrates, o citado jubilado que mantém os deveres de reserva e não deve
pronunciar-se sobre processos pendentes,
mesmo sob a forma capciosa de artigos jurídicos em revistas de
especialidade, participou num encontro esquisito ( porque foi publicamente
apresentado como sendo o primeiro dos encontros para debater assuntos jurídicos
e aparentemente nunca mais se repetiram nem se conhece a acta do encontro), na
sede da Ordem dos Advogados, patrocinado pelo então Marinho e Pinto e com a
presença inédita do PGR Pinto Monteiro e do então ministro da Justiça, Alberto
Costa.
O encontro foi inédito, fantástico porque publicitado com grande pompa
fotográfica, na entrada da sede e noticiado como uma reunião que acabou com uma
comemoração prandial no Gambrinus, que o agora
jubilado, aliás, não acompanhou segundo se noticiou na altura.
Fica esta foto para recordar o encontro do fim desse Verão, publicada no Público de 9 de Setembro 2009
Finalmente: será que este jubilado leu o Correio da Manhã
de ontem, com as contas do Rosário tão bem explicadinhas?
Tem dúvidas jurídicas sobre as ficções?