Horta Osório à RR ( no Sapo):
"Os portugueses são excelentes trabalhadores. Têm a mesma reputação em França, no Canadá ou em Inglaterra. Em Portugal temos algum défice de gestão, mas também temos óptimos gestores. Devíamos ter mais óptimos gestores.O maior problema de Portugal é o falhanço das elites. Não são simplesmente os gestores. As elites têm vindo a falhar ao longo dos anos, nos valores e no estabelecimento de uma direcção e um exemplo para o país que motive o população a ir na direcção correcta. É o que vejo na Inglaterra, onde vivo actualmente."
Esta conversa sobre a qualidade das elites nacionais é antiga e A. Horta Osório não é o primeiro a falar no assunto do mesmo modo: as elites portuguesas não prestam, actualmente.
Ora quem são as nossas elites? Melhor ainda, o que são as elites? Tal como noutros conceitos, o melhor é citar fontes autorizadas. Novamente o Il Dizionario di Politica, de Norberto Bobbio et al. E a definição sumária: " uma teoria segundo a qual em todas as sociedades os que detêm o poder são uma minoria e os que não o têm, obviamente uma imensa maioria". Este poder abarca o ideológico, o político e o económico e a relevância deste último advém de ser o que lida directamente com o capital, o dinheiro e os bens.
Há uma interpretação conservadora e outra "democrática" deste conceito. Segundo os autores na mencionada obra, tal torna um pouco mais complexa a definição, porque inclui as opções políticas aristocráticas e autocráticas, por um lado e as democráticas e liberais por outro. A distinção entre as duas vertentes passaria pelo modo de escolha: de cima para baixo ou ao contrário, de baixo para cima. Há alguns autores que desenvolveram estudos teóricos como Giovanni Mosca, Vilfredo Pareto ou Filipo Burzio, sendo que este último conclui que o modo ideal de escolha das elites seria na concorrência liberal entre aqueles que se distinguem e que sendo eleitos poderão ser controlados periodicamente pelos cidadãos, não se impondo à sociedade mas propondo-se à mesma.
As teorias são o que são, mas os factos estão aí e Horta Osório, como muitos outros conclui que as actuais elites portuguesas não têm sido de grande qualidade porque os resultados estão à vista de todos.
Com três bancarrotas no currículo, a democracia portuguesa não tem muitos motivos de orgulho no capitulo da organização económica. E a responsabilidade das elites nesses factos?
Apresento um exemplo concreto e que aparece publicado na edição de fim de semana do jornal Negócios: a CUF e o modo como desapareceu da vida portuguesa, em poucos anos, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.
A par da CUF poderiam citar-se algumas outras empresas e alguns dos detentores do capital, na época e que foram obrigados a fugir para outras paragens para dar lugar à utopia do "e tudo era possível".
Como foi possível esta utopia que durou uns meses em marcha acelerada e na realidade nunca desapareceu entre certas elites da nossa sociedade situada à esquerda do espectro político?
É isso que tenho vindo a tentar perceber de há uns anos a esta parte e por isso tenho pensado que estudar o que sucedeu em 1974-76 e o papel da esquerda comunista nesse contexto é importantíssimo, tal como será compreender por que razão o PCP e a esquerda radical e ainda a socialista democrática, tiveram o poder político em Portugal em dado momento, com a influência decisiva que tiveram em 1974-75 quando no ano anterior não podiam sequer aparecer pintados nas paredes.
Há quem ache que não, arrotando postas de pescada congelada e desprezando tudo e todos os que não comunguem um salazarismo atávico que nem Salazar reconheceria.
O caso da CUF é paradigmático do que sucedeu e da desgraça que nos aconteceu com a emergência destas pseudo-elites que nos marcaram o destino durante décadas e continuam a tentar marcar.
Em 1974 havia uma elite nos negócios e até na política ( o governo de Marcello Caetano) que desapareceu em meia dúzia de meses depois de 25 de Abril. Essa elite não era democrática no sentido de ter sido imposta "de baixo",mas provinha de uma selecção cultivada pelo próprio regime durante as décadas precedentes.
O grupo CUF, sendo um paradigma de tal elite permite entender como é que nos tornamos o que actualmente somos, depois da deposição dessa elite que existia antes.
Para tal fenómeno foi crucial o PCP e a esquerda comunista e socialista. A substituição da elite existente pela actual teve como protagonistas essas forças políticas e essa elite política.
Quem não entende isto parece-me que falha um elemento essencial da compreensão da nossa actual vida colectiva e daí a importância que tenho dado ao assunto, aqui neste blog.
Os últimos 40 anos não alteraram substancialmente o que sucedeu e as elites entretanto surgidas, algumas das quais com elementos da anterior, não superaram em nada a qualidade e a categoria daquela.
Merecemos o que nos aconteceu?