quinta-feira, outubro 29, 2015

O ministro Calvão devia ter chumbado...

Hoje no Público, João Miguel Tavares escreve uma crónica para dizer que o ministro João Calvão da Silva não o devia ser. Por falta de idoneidade  para o cargo, acrescento eu.

Tudo por causa de um assunto que o Observador notou e que era sobre isto:

 O “bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade”. Foi assim que o jurista João Calvão Silva, especialista em direito bancário da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, enquadrou a “liberalidade” no valor de 14 milhões de euros dada pelo construtor José Guilherme a Ricardo Salgado. Esta análise de João Calvão Silva e outra, de Pedro Maia, também da Universidade de Coimbra, foram enviadas por Ricardo Salgado ao Banco de Portugal e levaram o governador Carlos Costa, segundo o próprio, a manter a idoneidade do ex-presidente do BES.

Este assunto, aliás, já o ano passado mereceu esta prosa, a propósito da questão coimbrã dos pareceres:

O artigo [ de JMT ] é dedicado ao mesmo tema já por aqui mencionado: a relevância dos pareceres catedráticos na ecologia do Direito e no desenvolvimento das prerrogativas.
A Ricardo Salgado, perante o conhecimento público do recebimento de uma prenda privadíssima, factor de escândalo e fonte de potencial crime, colocou-se uma questão de como recuperar a honorabilidade idónea ao exercício do cargo de dono daquilo tudo, ludibriando o BdP.

A "indoneidade" de um bancário é coisa que tem que se lhe diga e não é apenas do senso comum. Ou será?

O economista Miguel Cadilhe, antigo ministro parece saber do que fala quanto escreveu, em 25 de Junho deste ano:

O artigo 30.° do RGICSF diz-nos, em genérico, quem pode, ou se quisermos, quem não pode, num banco, ser administrador executivo ou não-executivo, ou ser membro dos órgãos de fiscalização, ou pertencer a conselhos gerais e de supervisão. O Banco de Portugal (BdP) tem poderes de vetar nomes, com base em requisitos exclusivos e subjectivos. Desses órgãos, "apenas podem fazer parte pessoas cuja idoneidade e disponibilidade dêem garantias de gestão sã e prudente, tendo em vista, de modo particular, a segurança dos fundos confiados à instituição". Vendo bem, poucas mas fortes são as palavras desta norma que marcam realmente o poder de veto do BdP. Sublinhemos estas quatro: idoneidade, sã, prudente, segurança.
A idoneidade da pessoa reúne, por exemplo, condições de ética, integridade, seriedade, responsabilidade, inteligência, competência, experiência, maturidade, equilíbrio, legalidade. O requisito da idoneidade diz tudo, quase não seria preciso pôr mais na escrita. O legislador preferiu, porém, e bem, desenvolver e relativizar o conceito de idoneidade, tendo em vista os fins da banca. As outras três palavras que citei são uma espécie de redundância explicativa dos grandes critérios da pessoa idónea nos bancos, ainda que esta não se esgote nos critérios: a "gestão sã e prudente" e a "segurança dos fundos" chamam por solidez, rentabilidade, crescimento, ponderação, precaução, verdade patrimonial, etc.; e afastam riscos exorbitantes, temeridades, produtos complexos e ignotos, divagações patrimoniais, etc. Afastam voos de Ícaro.
A idoneidade vista à lupa...
Não contente com isso, o legislador do artigo 30.° acrescenta que, na apreciação da idoneidade, o BdP e os bancos devem ter em conta "o modo como a pessoa gere habitualmente os negócios ou exerce a profissão", em especial nos aspectos de capacidade de decisão, cumprimento das suas obrigações, preservação da confiança do mercado.
O mesmo artigo 30.° concretiza alguns dos mais graves e flagrantes indiciadores de falta de idoneidade, os quais incluem, por exemplo, a condenação "por furto, abuso de confiança, roubo, burla, extorsão, infidelidade, abuso de cartão de garantia ou de crédito, emissão de cheques sem provisão, usura, insolvência dolosa, insolvência negligente (...), falsificação, falsidade, suborno, corrupção, branqueamento de capitais (...), abuso de informação, manipulação do mercado de valores mobiliários, ou pelos crimes previstos no Código das Sociedades Comerciais". Sublinhemos aqui duas palavras: crimes, condenação. Seria preciso explicitar todo este obscuro rol de marcadores? Sim, acho que sim. Todavia, chamar-lhe meramente "indiciador" é que não parece o mais apropriado.

Ora estes critérios  são canja interpretativa para os catedráticos do Direito, como o dito Calvão, especialista em "direito bancário" e dos seguros, certamente. Alguém terá mencionado a Salgado: vira-te para a "cidade do conhecimento". É lá que está o saber salvífico nas horas de aperto jurídico. E terá sido assim que telefonou, conversou, almoçou ou jantou com o professor doutor. "Preciso de um parecer que me devolva a idoneidade sem mácula", pode muito bem ter dito depois de explicar o inexplicável: 14 milhões de euros pela porta do cavalo que cairam na conta suíça de modo que só um  RERT livrou da apreensão por crime fiscal.

O professor doutor saberia disto? Então para que serve um catedrático? Para dar pareceres e ensinar direito, sabendo os factos. O problema resumia-se a dar um aspecto respeitável a algo que evidentemente o não era e toda a gente, incluindo a família, já tinha percebido que o não era. Um empreiteiro entrega 14 milhões de euros a um banqueiro para este guardar e fazer coisa sua. E o banqueiro nem sequer podia dizer aos sócios porque era segredo e tinha vergonha. Isto abona alguma idoneidade, mesmo jurídica,  a um banqueiro de um banco que estatutariamente rejeita este tipo de esquemas negociais? 

Como é que o direito bancário pode resolver um problema que é do senso comum e pouco tem a ver com leis a não ser para as tornear? 

Com um parecer catedrático, voilà!  Transformar pelo processo alquímico do direito um mistério inexplicável em algo perfeitamente corriqueiro. "Liberalidade", foi a palavra mágica encontrada.

O empreiteiro ofereceu ao banqueiro 14 milhões de euros, não interessa porquê e  que este arrecadou numa conta secreta na Suíça. E por lá ficaria muito caladinha não se dera o caso de poder tratar-se de um crime. De branqueamento, pois claro, por causa da fraude fiscal inerente. E de um RERT salvífico que permitiu repôr algum ao Fisco.

O catedrático apenas deu um conselho, tal como o beneficiário dos milhões tinha dado o seu conselho... e o BdP aceitou o conselho como bom para atestar a idoneidade do banqueiro. Perfeito. A fome de idoneidade juntou-se à vontade de comer da credulidade. E ficaram saciados.

Então o que falhou neste esquema catedrático?  Falhou a própria essência do parecer: e se os 14 milhões não fossem uma liberalidade, uma prenda? E se o catedrático soubesse disso? E se tal valor por si mesmo fizesse desconfiar, como desconfiou a família do banqueiro? E que devia então fazer o catedrático? Dar o parecer, sem o vender? Uma "liberalidade"?

E como interpretar juridicamente, à luz desses factos, as palavras que nunca se diriam noutro contexto e com um  significado saboroso a conferir dimensão catedrática a uma ingenuidade proibida- "o bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade"? 

É esta a questão coimbrã do momento: para quê, pareceres destes?

E de resto continua por responder a questão que vale vários milhões de euros: e para quem eram realmente os 14 milhões? Eram mesmo para o Salgado? Essa é que não está respondida...e Salgado, católico praticante é caridoso. Porém, a caridade verdadeira começa por nós mesmos e não devemos assumir o que não nos pertence, principalmente por caridade porque antes disso está a Justiça. Mesmo a dos homens...

Este, o perdulário,  é que poderia dizer...se quisesse. E então saberíamos muito mais.Mas também não vai dizer porque até agora não disse nada. De nada. Mesmo nada. Não pode dizer nada.

11 comentários:

Apache disse...

Pedro Passos Coelho poderá o ser o menos mau dos actuais líderes políticos mas, ainda assim, tem falhado rotundamente na escolha de alguns ministros: primeiro Miguel Relvas, depois Jorge Moreira da Silva, agora este João Calvão da Silva.

Maria disse...

"... é que poderia dizer...se quisesse. E então saberíamos muito mais. Mas também não vai dizer porque até agora não disse nada. De nada. Mesmo nada. Não pode dizer nada." José

É exactamente como escreveu, sem tirar nem pôr.

Floribundus disse...

'vale mais parecer do que ser e ter'

deviam proibir os pareceres: a favor e contra
porque baralham quem os ler

antes do 25.iv era testemunha técnica em processos
li considerações horrorosas igualmente de prof drs de química

José disse...

E são ditas ciências exactas...

Carlos disse...



Andam todos com muito medo, do que aí pode vir. Cruz canhoto, um governo de esquerda!?

Mas poucos, muito poucos, se incomodam com os delinquentes da "massa", aliados no chamado arco da governação e que nos trouxeram até aqui.

Como diria o Zé Mário "consolida filho, consolida"

Na Islândia, 26 delinquentes banqueiros na cadeia. Cá, pagam a liberdade com uma pequena parte do produto do roubo.

José disse...

Os delinquentes em massa apanham "o seu". Estes delinquentes das massas populares apanham o que é de todos com a melhor das intenções, não se apercebem do que fazem e ainda por cima, depois, atiram as culpas para os outros.

Todos estarão de acordo em que desprezar 120 milhões de contos ( 20 mil milhões de euros) em 1974 foi uma grande estupidez. Todos é um modo de dizer porque os actuais syrizas, então esquerdistas comunistas duvido que ainda hoje concedam essa evidência. Porém, ao nacionalizarem, como o PCP e o BE ainda hoje querem fazer e o PS alinha, estragaram as bases da nossa Economia, expulsando os capitalistas, poucos que existiam, porque lhes tiraram os meios de produção, à boa maneira marxista.

REsultado? Bancarrota em 1976. Culpa? De quem estava antes, os fassistas, de quem geriu as empresas ( não eram os camaradas, ao contrário do que aconteca na banca e seguros) e patati patata.

Dez anos depois, em 1985 o PS deu pelo logro mas ainda assim não se deu por achado e foi preciso entrarmos na CEE para abrirem os bancos aos privados e para acabarem com os "elefantes brancos".

Esta História está toda contada aqui neste blog com recortes de jornais da época, com entrevistas, factos, factos e mais factos.

Que hei-de dizer mais?

Floribundus disse...

José
a propósito do parecer da OMS sobre alimentação
* desde os anos 50 que se questiona o papel dos nitritos e nitratos como potencialmente cancerígenos.
igualmente certos corantes
ibidem substàncias que se formam no processo culinário

no inicio dos anos 90 procedi ao lançamento de produto para tratamento
deste tipo de situações. foi retirado por falta de mercado

* assisti a estudos epidemiológicos sobre substâncias farmacêuticas que me fizeram desacreditar na idoneidade de certos srs prof drs

de acordo com ditado russo
'quem paga, manda dançar'

como dizia o pai do NGM
'alguém paga os estudos'

José disse...

Acreditar na Esquerda como redenção dos males económicos é o maior embuste que se pode ter.

Quem acreditar que acredite, mas depois assuma que não consegue ver um palmo à frente do bestunto.

José disse...

Floribundus:

É sabido estatisticamente que no Alto-Minho há maior incidência de cancros do aparelho digestivo por causas associados ao consumo de produtos de fumeiro. Nem é o problema dos nitritos, julgo eu que não percebo muito disso.

Portanto, somos aquilo que comemos mas há uma coisa interessante: todos teremos propensão biológica para contrair cancros, porque as células se desregulam mas há no organismo os corpos de elite que combatem esse inimigo.
Em determinadas alturas, o organismo fica sem essas defesas. Porque será?

Ora para essa pergunta é que ainda não se obteve resposta satisfatória, julgo eu.

Floribundus disse...

José
os factores genéticos contam
e actualmente, como sempre, há quem pense modificar o que quer que seja

no Alentejo que Deus haja só se comiam porco e nada acontecia de estranho
porque contam os factores ambientais susceptíveis de alterar os perigos

da minha experiência pessoal de 84 anos
sobrevivi a 4 erros médicos muito graves

como de tudo com moderação
já hoje comi paio para fazer boa boca

a arte de curar sempre me pareceu
a menina pescadinha com a cauda nos lábios

cientistas contestam a alimentação vegetal saída do neolítico
porque se perdeu a tradição paleolítica da carne

estudos químicos dos coprolitos revelam ambientes e alimentos muito diversificados

por mim uso mas não abuso

Apache disse...

“E são ditas ciências exactas...” [José]
Não por o serem mas por serem menos inexactas que as outras.

“desde os anos 50 que se questiona o papel dos nitritos e nitratos como potencialmente cancerígenos” [Floribundus]
Mas se o problema da OMS fosse com os nitratos devia atirar-se aos produtos agrícolas, principal fonte de nitratos na nossa alimentação porque os usamos há mais de um século para adubar a terra.
Na Idade Média (e até ao século XIX) foram usados nitratos como medicamentos para várias maleitas.
Se o problema fossem os nitritos atiravam-se ao peixe, onde estão presentes em maior quantidade.
Mas os tipos gostam é de marrar com a carne. Dizem que é por ser vermelha.

“É sabido estatisticamente que no Alto-Minho há maior incidência de cancros do aparelho digestivo por causas associados ao consumo de produtos de fumeiro.” [José]
A palavra “causas” estraga-lhe a frase. A estatística só estabelece correlações, não causalidades. Dou-lhe um exemplo simples. Imagine que se pergunta a 100 pessoas com cancro do pulmão qual é o seu clube e que 25 respondem que são do Benfica e 20 que são do Sporting. Estatisticamente fica estabelecida uma correlação maior entre ser do Benfica e ter cancro do pulmão. Estará provado que ser do Benfica causa cancro do pulmão? Claro que não.

O consumo de produtos de fumeiro é bastante elevado nas Beiras, sobretudo na Alta (que conheço razoavelmente bem). Nestas zonas do Norte e de todo o Interior, a inalação e a ingestão de fumos das lareiras (isolada de factores genéticos) dificilmente poderá, na minha modesta opinião, deixar de ser considerada como a causa principal dos cancros da traqueia, esófago, pulmão e estomago.

A obscenidade do jornalismo televisivo