Tenho dificuldade em compreender qualquer análise social e política ao que sucedeu antes dessa data e em pleno regime de Marcello Caetano, ainda com a guerra no Ultramar, sem uma compreensão de certos fenómenos que se espelhavam no quotidiano dessa época.
A melhor forma de observar esses fenómenos parecem-me ser os veículos que os registavam e neste caso as publicações periódica, como os jornais.
Apesar da existência de censura prévia a liberdade de informação em geral não estava tão limitada como se pretende fazer crer agora. As notícias que eram publicadas tinham um arrimo que excluíam certas veleidades hoje em dia corriqueiras, mas não se pode dizer que a realidade em geral não se encontrava espelhada nos jornais de modo talvez mais perfeito que hoje.
As notícias relativas as fait-divers no jornal daquela época eram bastante elucidativas do ambiente social e mesmo político que se vivia.
Na edição de 5 de Setembro de 1972 as notícias sobre acidentes rodoviários eram parecidas com as que o Correio da Manhã hoje publica com uma diferença: seria praticamente impossível ver agora uma imagem de um ferido como a que se pode ver em baixo.
Ou esta página de 29 de Maio de 1972, do idêntico teor.
Na edição de 18 de Abril de 1973 as notícias ainda são mais interessantes e curiosas, envolvendo padres da hierarquia da Igreja de Braga, que se rebelavam contra o então arcebispo D. Francisco Maria da Silva...e recorriam aos tribunais civis para fazerem valer direitos de publicação em jornal local ligado a essa mesma hierarquia.
Nesta mesma edição, para além da imagem à vista, em imitação dos jornais ingleses, aparece uma notícia que pode parecer estranha por arremedar a algo muito mais antigo: fala num "João Semana" que ainda andava de burro, em Mação...e ajudava os necessitados com a sua profissão. Hoje temos o caso do S. José. É comparar...
Na edição de 29 de Julho desse ano escreve-se sobre um assunto delicado e com a maior naturalidade: os paraplégicos de Alcoitão, devido a "doença, guerra e acidentes de viação". Hoje não me parece possível nem esta linguagem nem esta abordagem do assunto.
O jornal começou então a usar um estilo que hoje é banal: a omissão dos artigos no início dos títulos. Tal suscitou reparos...na edição de 22 de Maio de 1972. Ao lado uma transcrição de declarações de Marcello Caetano e que não tem qualquer chamada na primeira página, apesar de serem declarações importantes.
Na edição de 8 de Maio de 1972, aparece um cantor que se tornou muito conhecido no tempo do PREC pelas cantigas inflamadas de comunismo: Samuel. E um concorrente de um concurso televisivo chamado Jogo do Galo que testava os conhecimentos dos concorrentes com perguntas triviais. Ainda me lembro do concurso, deste concorrente e do modo como perdeu.
Finalmente, na edição de 14 de Outubro de 1973 escreve-se sobre um acontecimento de que não há memória de outro igual depois disso, nos últimos 40 anos. A construção de uma siderurgia no Norte do país, fruto de investimento privado de Champallimaud e da sua sociedade anónima com milhares de pequenos accionistas. O capitalismo portugues dos "monopólios" como esta faz-nos uma falta de morte e quem o matou foi o partido Comunista e a extrema-esquerda, mais o partido Socialista a ajudar. Isto é tão claro que deve ser dito, repetido e escrito em todos os lugares, para que se desfaçam mitos e este PCP e a extrema-esquerda deixem de ter a influência que detêm no país de há 40 anos a esta parte. Chega! Basta! A miséria que temos foram eles quem a trouxeram porque nela vicejam e nela prosperam.
De notar o teor do discurso de Amílcar Marques, administrador da Siderurgia, em nome do patrão, ausente da cerimónia. " os empresários de indústria siderúrgica portuguesa só em tais casos especiais e a título temporário aceitaram ou aceitarão protecção, ajudas, sobrecustos dos seus fabricos"...
Que diferença para o que se passa nos dias de hoje!
E...política pura, não havia? Havia. Na edição de
Quem é que faltava, neste contexto? Só aqueles que costumam fazer tanta falta como uma viola num enterro: o PCP e a extrema-esquerda. E isso fazia do regime um "fassismo"? Segundo eles, fazia. Dois anos depois do golpe de 25 de Abril de 1974 comprovou-se que essas forças políticas nenhuma falta faziam ao regime e tornaram-se a origem e a causa de bancarrotas, problemas sociais diversos e degradação do país até ao ponto em que hoje nos encontramos.
Teria Marcello Caetano razão ao proibir tais partidos? Tinha nesse aspecto. Não tinha ao contribuir para que esses mesmos partidos se tornassem alguns dos mais desejados durante o PREC. É aquela velha questão do "fruto proibido"...
Nos demais países europeus, o comunismo tornou-se inofensivo porque nunca provocou tantos danos sociais e económicos como por cá.
Basta ler a última página publicada acima, sobre os "transportes públicos" para perceber isso. E basta ler esta para entender como estávamos economicamente na véspera do 25 de Abril:
Capital, 8 de Maio de 1972:
A "conta provisória" do Orçamento, no primeiro quadrimestre de 1972 era positiva, com superavit. As receitas superavam as despesas. Estas incluíam despesas de guerra em três frentes e os impostos eram mais baixos, mas muito mais baixos do que hoje...
E nem é preciso falar nas reservas de ouro que então existiam no Banco de Portugal, uma herança que depois foi aproveitada pelos magníficos do PREC comunista e socialista para evitar a bancarrota ainda mais depressa do que se verificou.
Que dizer a isto? Para que precisávamos do PCP e da extrema-esquerda? Para dizermos que éramos como os outros na Europa? É pouco...