O ministro da Justiça Alberto Martins é casado com uma magistrada do MºPº que trabalha nos tribunais cíveis do Porto.
Há poucos anos, esta magistrada acumulou funções nos juízos onde exerce. Como é timbre nesses casos e frequente em situações similares, pediu o respectivo suplemento remuneratório que deve ser apreciado pelos serviços do Ministério da Justiça, entidade que decide o pagamento e a respectiva proporção, geralmente em fracções reduzidas do vencimento completo.
Neste caso concreto, segundo relatam os jornais Público e DIário de Notícias de hoje, tal sucedeu. O primeiro despacho governamental sobre o assunto, da autoria de um secretário de Estado que foi juiz, foi negativo seguindo o parecer solicitado obrigatoriamente ao MºPº ( PGR) e que muitos entendem ter carácter vinculativo para o departamento governamental que paga. Mesmo não tendo, a justificação para dizer o contrário do parecer deveria ser muito bem explicada e fundamentada.
Ora não foi esse o caso porque a decisão do primeiro secretário de Estado, negativa e seguindo o parecer da PGR, foi sucinta. Como tem acontecido ao longo dos anos, nestes casos, porventura às dezenas.
Resultado: uma acção administativa especial proposta nos tribunais administrativos de primeira instância, neste caso no Porto. É exactamente isto que deve fazer-se quando não há acordo com as decisões administrativas do governo: recorrer aos tribunais.
A acção lá percorreu os trâmites, demorados perante o formalismo processual que temos e a pendência que existe, e eis senão quando, sem se anunciar, aparece uma outra decisão governamental, de um outro secretário de Estado da Justiça ( João Correia, advogado), já em 2010 a dar o dito governamental por não dito e a alterar sem justificação plausível, entendida e aceite pelo MºPº ( PGR): Pague-se o graveto à digna magistrada, desde finais de 2003. Total: mais de 72 mil euros já a tilintar no bolso da beneficiária.
A qual é casada com o ministro da Justiça, o qual delegou eventualmente poderes no seu Secretário de Estado para o acto concreto de despachar este tipo de processos.
Segundo os jornais, ambos não se dão por achados. O primeiro pelos vistos nem reparou na existência de um parecer negativo da PGR e no despacho negativo do seu antecessor. O ministro de nada soube porque a ética republicana, como todos sabem, é a lei e já foi afirmada publicamente pelo próprio.
Nada soube para efeitos de IRS porque só este ano deve declarar. Nada soube sobre o dinheiro ( 72 mil euros dele...) a tilintar no bolso da mulher porque sim, entre marido e mulher não se deve meter a colher. Nada soube da delegação de competências porque é isso mesmo: um problema de competências...
Nada soube do processo de atribuição do suplemento porque um despacho no meio de tantos outros é mais um. Nada soube de antecedentes porque é ministro e as suas ocupações prendem-se mais com denegrir a imagem da magistratura do que estas insignificâncias.
Nada soube de nada e por isso, para saber mais alguma coisa, diz que vai fazer um inquérito.
Talvez seja útil um inquérito. Mas neste caso à sua vergonha ( tinha escrito pouca, mas corrijo para valores imponderáveis) para ver se coincide com a ética republicana, socialista e laica. Jacobina, numa palavra.
PS. O Público, citado aqui, informa que "Alberto Martins admitiu ainda que tinha conhecimento de que a sua mulher tinha posto uma acção em tribunal contra o Ministério, mas não avançou mais pormenores."
Ou seja, o ministro soube que havia uma acção pendente contra o despacho de um Secretário de Estado do seu Ministério. Soube que tal acção teria que ser alvo de decisão que poderia obrigar o seu ministério a pagar, em nome do Estado. Soube afinal que por via da sua mulher era parte interessada nessa acção e que teria vantagem pessoal caso o Estado e o Ministério de que é ministro, perdesse a acção.
Não perdeu mas foi ainda pior: um Secretário nomeado por ele, com delegação de poderes que lhe foi concedida por ele, ( e seria bom saber desde quando o ministro sabia da pendência de tal acção, porque essa delegação de poderes não pode ser considerada sem mais relevo, nesse caso) decidiu em despacho sem fundamento especial, ( é o que se depreende das notícias) que o Estado devia pagar e já, sem esperar pela decisão dos tribunais...
É esta a ética republicana e socialista?
A demissão já tarda. E não deveria demorar as três semanas que o ministro achou adequadas a averiguar o assunto. Três semanas!!! Quando a análise do processo demora quando muito uma hora... e o processo está no seu Ministério!
O que este ministro pretende com estas três semanas é algo muito simples de entender: adiar, adiar. E esperar que o assunto arrefeça e esqueça. É uma ténica já experimentada e com frutos, no caso do mais recente escândalo eleitoral. O tempo passou, o inquérito fez-se, as conclusões foram atabalhoadas e contraditórias e o ministro lá se safou mais uma vez.
Uma vergonha mais? É o que parece.