

Segundo o Público de hoje, Freitas do Amaral, ouvido na comissão de inquérito ao caso Camarate, disse coisas extraordinárias.
Disse por exemplo que não tem dúvidas que Camarate foi crime. Extraordinário para quem foi o primeiro responsável político a aparecer na tv, no dia dos factos- 4 de Dezembro de 1980- a tranquilizar a população em geral e a assegurar desde logo a inexistência de suspeitas de atentado. E foi eficaz nesse discurso porque não se lia ou ouvia ninguém falar em crime, nessa altura e a propósito do caso. Freitas ficou tranquilo e tranquilizou a opinião pública e publicada. Foi ele e mais ninguém, no Governo de então.
Podia dizer coisa diversa e podia mesmo fazer coisa diversa do que fez na altura, em que era vice-primeiro ministro. O que prova que na altura também estava convencido que Camarate fora acidente e se houve alguém que lhe fez ver perspectiva diferente, Freitas não lhe deu crédito. Mas não o disse na audição parlamentar.
Freitas do Amaral foi o rosto visível, na altura, daquilo de que agora acusa as entidades que investigaram: "autolimitação das autoridades de investigação criminal". Ou seja, wishful thinking positivo, típico do nacional-porreirismo. Afastamento do impensável do improvável, como hipótese de trabalho ab initio. Seja, o que um polícia competente, seja quem for, deve fazer.
Se tal sucedeu, não admira nada que assim tenha sido ( um dos responsáveis pela PJ de então era Lourenço Martins, do MºPª e de esquerda inefável e inequívoca), pois o ambiente político da época com reflexos nas chefias policiais e do MºPº, era deletério, com uma esquerda predominante nessas instituições e que tinham visto já a derrota eleitoral e frustrações várias, ideológicas, em crescendo.
O modo como então se fazia investigação criminal, caseiro e com imagens que atestam bem o estilo assim o denotam. Depois do acidente de Camarate, os mirones que apareceram não tiveram qualquer dificuldade em se aproximar do sinistro e cheirar o restolho. É público e notório pelas fotos existentes e de época, o amadorismo que tal signfica em termos policiais. Se indícios houvesse de atentado, susceptíveis de poderem ser afastados desse modo, tal poderia ter ocorrido sem problema de maior.
Numa das fotos, pode ver-se um agente da GNR ( e não era um mero "praça") com um "foco" de iluminação nocturna para o trânsito...
Os media também nada ajudavam. Não havia na altura imprensa séria que desafinasse muito do diapasão do politicamente correcto, cuja essência foi exactamente transmitida pelo mesmíssimo Freitas do Amaral que agora procura reescrever a História a seu favor ou pelo menos não a apresenta no seu contorno real e contextual, sabendo bem que assim a falseia.
Na verdade, Freitas só terá mudado de opinião muito mais tarde. E isso nota-se demais. E portanto deveria dizê-lo para ser honesto e compreendido.
Freitas do Amaral foi entretanto ministro da Defesa. Pois ainda assim tem a lata de dizer na comissão de inquérito que suspeita de crime com um móbil que agora tem sido aventado pelos adeptos ferrenhos das teorias de conspiração: o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e os dinheiros à solta nesse saco sem fundo que financiaram o tráfico de armas para o Irão e Iraque.
Perguntado sobre quem foram os reponsáveis por esse fundo no que se refere a licenças para produção e exportação de armamento, Freitas não sabe dizer.
Então a pergunta agiganta-se: se anda agora a pensar que os suspeitos do "crime" foram aqueles ligados a esse fundo e a licenças de produção e exportação de armas, porque não procurou saber exactamente quem teriam sido essas pessoas enquanto foi ministro da Defesa?
Não tinha competência para tal? Não tinha interesse? Não tinha pensado nisso?
A resposta a qualquer uma destas perguntas é uma invectiva a Freitas do Amaral, como co-responsável e com grande quota de culpa na ausência de esclarecimento desse assunto.
Daí que um maior pudor lhe ficasse melhor. Mas isso...
Uma coisa positiva tem esta comissão: saber o que foi o tal Fundo, quem o criou e para quê ( é preciso ler o Depoimento de Marcelo Caetano para perceber que o Exército gastava demais e que era preciso fazer ginástica orçamental para maquilhar o desacerto nas contas...) quem o movimentou, como se liquidou e como se lidou com o problema, a nível oficial.
Ramalho Eanes tem muito a dizer sobre isso.