terça-feira, março 01, 2011

O arrependido de Camarate




Segundo o Público de hoje, Freitas do Amaral, ouvido na comissão de inquérito ao caso Camarate, disse coisas extraordinárias.
Disse por exemplo que não tem dúvidas que Camarate foi crime. Extraordinário para quem foi o primeiro responsável político a aparecer na tv, no dia dos factos- 4 de Dezembro de 1980- a tranquilizar a população em geral e a assegurar desde logo a inexistência de suspeitas de atentado. E foi eficaz nesse discurso porque não se lia ou ouvia ninguém falar em crime, nessa altura e a propósito do caso. Freitas ficou tranquilo e tranquilizou a opinião pública e publicada. Foi ele e mais ninguém, no Governo de então.
Podia dizer coisa diversa e podia mesmo fazer coisa diversa do que fez na altura, em que era vice-primeiro ministro. O que prova que na altura também estava convencido que Camarate fora acidente e se houve alguém que lhe fez ver perspectiva diferente, Freitas não lhe deu crédito. Mas não o disse na audição parlamentar.
Freitas do Amaral foi o rosto visível, na altura, daquilo de que agora acusa as entidades que investigaram: "autolimitação das autoridades de investigação criminal". Ou seja, wishful thinking positivo, típico do nacional-porreirismo. Afastamento do impensável do improvável, como hipótese de trabalho ab initio. Seja, o que um polícia competente, seja quem for, deve fazer.
Se tal sucedeu, não admira nada que assim tenha sido ( um dos responsáveis pela PJ de então era Lourenço Martins, do MºPª e de esquerda inefável e inequívoca), pois o ambiente político da época com reflexos nas chefias policiais e do MºPº, era deletério, com uma esquerda predominante nessas instituições e que tinham visto já a derrota eleitoral e frustrações várias, ideológicas, em crescendo.
O modo como então se fazia investigação criminal, caseiro e com imagens que atestam bem o estilo assim o denotam. Depois do acidente de Camarate, os mirones que apareceram não tiveram qualquer dificuldade em se aproximar do sinistro e cheirar o restolho. É público e notório pelas fotos existentes e de época, o amadorismo que tal signfica em termos policiais. Se indícios houvesse de atentado, susceptíveis de poderem ser afastados desse modo, tal poderia ter ocorrido sem problema de maior.

Numa das fotos, pode ver-se um agente da GNR ( e não era um mero "praça") com um "foco" de iluminação nocturna para o trânsito...

Os media também nada ajudavam. Não havia na altura imprensa séria que desafinasse muito do diapasão do politicamente correcto, cuja essência foi exactamente transmitida pelo mesmíssimo Freitas do Amaral que agora procura reescrever a História a seu favor ou pelo menos não a apresenta no seu contorno real e contextual, sabendo bem que assim a falseia.
Na verdade, Freitas só terá mudado de opinião muito mais tarde. E isso nota-se demais. E portanto deveria dizê-lo para ser honesto e compreendido.
Freitas do Amaral foi entretanto ministro da Defesa. Pois ainda assim tem a lata de dizer na comissão de inquérito que suspeita de crime com um móbil que agora tem sido aventado pelos adeptos ferrenhos das teorias de conspiração: o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e os dinheiros à solta nesse saco sem fundo que financiaram o tráfico de armas para o Irão e Iraque.
Perguntado sobre quem foram os reponsáveis por esse fundo no que se refere a licenças para produção e exportação de armamento, Freitas não sabe dizer.
Então a pergunta agiganta-se: se anda agora a pensar que os suspeitos do "crime" foram aqueles ligados a esse fundo e a licenças de produção e exportação de armas, porque não procurou saber exactamente quem teriam sido essas pessoas enquanto foi ministro da Defesa?

Não tinha competência para tal? Não tinha interesse? Não tinha pensado nisso?
A resposta a qualquer uma destas perguntas é uma invectiva a Freitas do Amaral, como co-responsável e com grande quota de culpa na ausência de esclarecimento desse assunto.
Daí que um maior pudor lhe ficasse melhor. Mas isso...
Uma coisa positiva tem esta comissão: saber o que foi o tal Fundo, quem o criou e para quê ( é preciso ler o Depoimento de Marcelo Caetano para perceber que o Exército gastava demais e que era preciso fazer ginástica orçamental para maquilhar o desacerto nas contas...) quem o movimentou, como se liquidou e como se lidou com o problema, a nível oficial.
Ramalho Eanes tem muito a dizer sobre isso.

10 comentários:

zazie disse...

Que coisa mais anormal.

Mas qual o interesse dele em mudar agora de opinião. Há mesmo indícios de atentado ou é para ir na onda?

Quanto ao fundo, sim, é espinho encravado.

JC disse...

"Não havia na altura imprensa séria que desafinasse muito do diapasão do politicamente correcto"

E AGORA HÁ?

Zéfoz disse...

Cheguei a pensar que o fecho da porta loja se devia a alguma incursão da ASAE, felizmente que não.
(...) E se indícios houvesse...
Ao que parece havia, só que o Freitas, como simples mortal que é (a prová-lo está a volta de 180º que deu sobre o assunto) vogava ao sabor das conveniências: dos outros e das dele. Mais um que se distinguiu a fazer piruetas no palco da vida política de então...e não só.

José Domingos disse...

O problema, é o fundo.
Qquem gastou e quem gasta, e onde está o caroço???????

Karocha disse...

Ninguém sabe!

rui a. disse...

Caro José,
Independentemente das considerações que faz sobre o comportamento de FA nos anos que se seguiram à morte de SC e AAC, e de que, não sendo embora um seguidor atento desses factos (sempre me pareceu que foi um crime e sempre me pareceu que, à portuguesa, ia ficar tudo em «águas de bacalhau»), não me parece que tenham sido sempre taxativamente em defesa da tese do acidente, a verdade é que ele, na noite dos factos, não poderia ter dito coisa muito diferente do que disse. No estado de choque em que o país estava, na crispação então existente entre a esquerda, Ramalho Eanes e Sá Carneiro, podia ter havido um banho de sangue.
Cumps.

Ruvasa disse...

Rui a.
Poderia ter dito, sim. E deveria.

Primeiro, porque não haveria banho de sangue nenhum, como está mais do que provado. "O povo é sereno" e borra-se todo.

Depois, porque a obrigação do homem era ter dito que ainda não estavam determinadas as causas do incidente - e não "acidente" como ele tem a lata de continuar a afirmar... - pelo que se iria averiguar. E apelava à calma e ponderação indispensáveis.

Mas Freitas (bô) já nos habituou (bô) a cenas de (bô) fado canalha (bô).

O curioso é que não houve um sequer deputado que o tivesse questionado quanto ás razões que o terão levado a, logo na primeira intervenção televisiva, afirmar tão assertivamente a tese do acidente - nem sequer incidente...

Mas nem isso é surpresa, com os deputados que o país tem.

rui a. disse...

«Poderia ter dito, sim. E deveria.»

Ruvasa,

Mas o que acha que o FA poderia saber na noite do sucedido? E acha que ele encobriu factos que pudessem levar a conclusões sobre a morte de dois amigos, um muito próximo, que era o Adelino Amaro da Costa, e outro mais distante, que era o Francisco Sá Carneiro, para além das outras pessoas que seguiam no avião e que ele certamente estimava? Vamos a ver, uma coisa é o FA ser politicamente frouxo. Até aí, a doutrina é pacífica. Coisa distinta é dizer que ele foi conivente no encobrimento do homicídio de amigos. A coisa aí é, desculpar-me-á a franqueza, inconcebível.
Cumps.,

josé disse...

rui a.:

A coisa parece-me um pouco mais subtil e complexa do que isso.

FA era na época vice-primeiro ministro e competia-lhe dar uma palavra ao país. Lembro-me como o fez porque a ouvi e o vi na tv do Estado que era a única que então existia. O rádio de então também não era mais expedito e afoito a procurar notícias do que a conservadora tv.

Por isso mesmo, horas depois dos factos, FA apareceu na tv a falar do caso e preocupado, muito preocupado em afastar suspeitas liminarmente.
Poderia ter falado de outro modo, embora perceba que o ambiente de catarse eleitoral daqueles dias, tornava o tempo explosivo.
Mas...atenção! Uma coisa é tranquilizar as pessoas em geral, dizendo-lhes que não havia suspeitas de atentado, outra bem diferente era fazer tudo para que essas suspeitas não chegassem sequer a existir ou então descobrir que exisitiriam.
É neste aspecto que FA tem responsabilidades como vice-primeiro ministro. Podia e devia ter chamado o director da PJ ( Lourenço Martins, repito) e inteirar-se das diligências efectuadas, por quem e que indícios havia, visíveis, do que se teria passado.
Poderia e deveria ter chamado imediatamente ou mesmo ido à sua procura a casa deles se preciso fosse, dos responsáveis directos pela investigação no terreno, na parte das forças policiais da GNR e PSP.
As primeiras horas de investigação, neste como noutros casos são cruciais.

FA fez isso? Aparentemente não fez.
Cabe perguntar-lhe- e a comissão não perguntou mas deveria fazê-lo, com provas de época- porque não fez.
Saber exactamente porque não fez e ouvir o que FA diria.

Pinto Balsemão, pelos vistos também não se preocupou muito com o caso...

E são estas atitudes que depois levantam suspeitas de comportamento menos correcto.Suspeitas legítimas, diga-se.

Pedro Marcos disse...

Para os ilustres juristas tudo parece ser relativo, sendo temporáriamente válido aquilo que lhes convier na liça argumantatória do momento.
Por esse motivo deveria ser-lhes vedado o exercício do poder.

O Público activista e relapso