Franco Nogueira foi biógrafo de Salazar, com uma obra em seis volumes que é essencial para se conhecer o nosso grande estadista do sec. XX e um dos maiores portugueses de sempre, ao lado dos maiores da nossa História com mais de 800 anos. Figura grada do regime salazarista, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros no tempo da Guerra no Ultramar, nunca virou a casaca como outros o fizeram ou denotaram.
Quanto a Franco Nogueira, a justiça que a Direita defende é
a da igualdade perante a lei e a da igualdade de oportunidades:
"A partir dai pode haver desigualdades adquiridas pelos
diferentes méritos de cada um. Naturalmente, eu estou a exigir do Estado um
papel supletivo que garanta o acesso à saúde, à educação, aos bens básicos da
civilização. Nada mais, porque, caso contrário, a liberdade será posta em causa
e as tendências igualitárias provocarão a estagnação".
Ordem e autoridade
Realismo na concepção do homem, recusa do evolucionismo na
visão da História, Nação como valor primeiro, liberdade e iniciativa
individuais, defesa da diferença e da hierarquia contra a igualdade — eis as
referências comuns aos nossos interlocutores. Para além da justiça social,
cujos contornos são todavia bastante controversos.
E, finalmente, a autoridade. Nisso há acordo sobre a sua
exacta colocação, porque também não o houve na precisão da tradição libera!.
Mas Borges de Macedo, Franco Nogueira. Nogueira Pinto e Cunha Rego concordam
explicitamente em incluir a autoridade como valor da Direita.
Franco Nogueira tem sobre ela o discurso mais explícito:
"A Direita defende a autoridade na medida em que ela
resulta da hierarquia natural — e esta deve fundar-se nas capacidades
individuais. É liberal mas não é liberalista porque é rigorosa quanto a
certos valores fundamentais.
É a favor da ordem pública no sentido de que é
preciso fazer cumprir a lei. A Direita pode fazer restrições à liberdade, se a
tanto for obrigada, mas procurará fazê-las dentro das regras do jogo,
respeitando a legalidade. É mais tolerante do que a Esquerda porque esta é
mais messiânica e, por isso mais fanática.
"As direitas — conclui Franco Nogueira — são uma
pirâmide hierarquizada em que as classes se cruzam e não são fechadas. As
esquerdas são um grande plano com um ponto central".
É um pouco o que diz Cláudio Quarantotto, pensador da
Direita italiana, sobre a autoridade e a ordem como valores intrínsecos à
Direita. A ordem surge-lhe como "uma necessidade que pode ser dolorosa mas
que é sempre melhor que a desordem".
A Constituição de 1933 nesta perspectiva era uma Constituição de Direita. E assim é que estava certo, porque hoje, mais do que nunca precisamos dessa Direita que não existe enquanto tal.
E já agora fica a página toda porque vale a pena ler ( para quem não consegue ampliar a imagem e se dê ao cuidado de tal...):
E já agora fica a página toda porque vale a pena ler ( para quem não consegue ampliar a imagem e se dê ao cuidado de tal...):
"A dicotomia Esquerda/Direita não é hoje a clivagem
essencial, embora o tenha sido no século passado", diz-nos Adriano
Moreira, deslocando o eixo da polémica. "A trave-mestra da divisão entre
as famílias políticas é entre personalismo e totalitarismo.
O fenómeno totalitário é aquele em que o homem é uma
circunstância do Estado, em que a justiça não é uma dignidade do homem mas o
que o Estado decide conceder a cada um".
Para Adriano Moreira, o fenómeno totalitário e a revolta
contra ele opera a grande divisão do nosso tempo:
"O inimigo dos "novos filósofos', da geração de
Maio de 68, da dissidência é o Estado. Contra ele se agrupam hoje os
personalismos históricos que se agruparam durante a II Guerra.
"O totalitarismo não é de Esquerda nem de Direita, —
prossegue Adriano Moreira — abrange o nacíonal-socialismo de Hítler ou o
comunismo de Staline — eles não estiveram coligados? Na actualidade, abrange os
regimes de Leste, as ditaduras de capitalismo selvagem sul-americanas, muitos
regimes do Terceiro Mundo. O personalismo é hoje o herdeiro do legado político
do ocidente: o Estado de Direito que é supletivo e responsável pelas carências
dos mais desfavorecidos".
Adriano Moreira concede que se "ressuscite no seio do
bloco personalista — onde está também a social-democracia, à medida em que
deixa de ser marxista — uma distinção Esquerda/Direita num sentido
moderno".
E, aqui, o líder do CDS vai retomar a atitude perante o
indivíduo como principal charneira para a velha distinção em que faz incidir um
novo olhar: "Serão de Esquerda os que dão um papel predominante ao Estado
e de Direita os que dão papel predominante às pessoas e às instituições. Para a
Direita, cada homem é um fenómeno que não se repete; daí o seu valor único e a
importância do seu projecto individual. A Esquerda é mais inclinada a ver o
grupo e menos o fenómeno individual."
Socialismo e liberdade
A maioria dos nossos inquiridos concorda com a existência
desta faixa central moderadora do Estado de Direito (embora refiram menos o
Wel-fare State que lhe está associado).
Gomes de Pinho, tal como Adriano Moreira, julga que o Estado de Direito é património fundamental de uma Direita
moderna que ele distingue da Direita tradicional.
"A Direita tradicional opunha-se ao socialismo
ascendente. A moderna surge da constatação da falência do socialismo. Talvez
tenham de comum uma certa valoração do conceito de Estado, uma atitude
valorativa face à tradição, ao papel da iniciativa e da liberdade individual.
Mas pouco mais."
Marcelo Rebelo de Sousa considera que, em Portugal, o Estado
de Direito é uma vitória da Direita na medida em que "os socialistas
chegaram à conclusão de que, para preservar a democracia, tinham de abdicar do
socialismo.
"Quase dez anos depois do 25 de Abril, a Esquerda não
comunista não conseguiu compatibilizar socialismo e liberdade. Isto é
evidentemente uma vitória da Direita democrática" (no sentido amplo que
ele lhe dá e que abrange a social-democracia).
José Miguel Júdice, todavia, reconhece que o ambiente
cultural e ideológico do pós--guerra na Europa estava dominado pela Esquerda.
Jaime Nogueira Pinto é de opinião semelhante.
Cunha rego, no seu pessimismo inquietante, dá-nos uma
resposta . surpreendente: "A Direita incorporou o Estado de Direito por
dois grandes motivos: primeiro, porque o progresso técnico e o crescimento
económico do pós-Guerra acabou com as tentações revolucionárias; segundo,
porque, depois da derrota do nazi-fascismo, a Direita percebeu que o Estado
de Direito era uma defesa contra o comunismo".
Isto não parece muito lisongeiro para a Direita,
avisamo-lo.
"Não é —, responde Cunha Rego — embora a 'minha
Direita, que é nacional e romântica, não tenha que ver com a Direita do capital
financeiro. E muito menos com uns tantos traficantes de cocaína que exercem
ditaduras na América Latina. Não vejo que eles tenham a ver com um ideário de
Direita".
Justiça ou privilégios?
Sottomayor Cardia, num livro que paradoxalmente não foi
polémico ("Socialismo sem Dogma", Europa-América) diz que a grande
distinção entre Esquerda e Direita é que aquela é pela justiça e esta pelos
privilégios.
Os nossos inquiridos refutaram unanimamente a distinção de
Cardia e procuraram devolver-lhe a dicotomia mas, desta vez, entre
igualdade/desigualdade (ou diferença, como preferem Júdice, Nogueira Pinto e
Franco Nogueira).
"A Direita não é pelos privilégios mas pela realização
dos projectos individuais, por isso não pode reconhecer direitos sem méritos —
explica Adriano Moreira. — A Direita é elitista mas a elite tem que ter uma
justificação permanente e por isso deverá ser aberta, estar permanentemente
confrontada".
Jaime Nogueira Pinto diz que "a Direita é pela
diferença e a Esquerda pela igualdade.*
"A Direita acha que as desigualdades não são abolíveis
e que as tentativas para o conseguir levarão a novas e talvez maiores
desigualdades."
Gomes de Pinho acusa por seu lado a visão de Sottomayor
Cardia de simplista. Ele acha que há um nível mínimo que deve ser assegurado a
todos os cidadãos e sublinha que essa é a posição da doutrina social da Igreja.
Mas, a partir daí, pergunta:
"O que é a justiça? É dar a todos o mesmo, dar a i:ada
um o que precisa ou dar a cada um o que tem direito? Ê o Estado que determina o
nível de justiça ou deve limitar-se a intervir em áreas essenciais e deixar que
o resto funcione por mecanismos individuais?"