sexta-feira, novembro 13, 2015

Os "direitos de autor" de António Costa

Aqui atrasado foi mencionado o caso particular de António Costa e das suas acumulações de vencimentos, na Câmara Municipal de Lisboa e como comentador avulso no programa de tv Quadratura do Círculo.
Como então escrevi o assunto merece atenção porque o mesmo A. Costa perfila-se agora como candidato a nomeação como primeiro-ministro quando tem estes rabos de palha cuja matéria não  é  tão despicienda como isso ( envolvem dezenas ou centenas de milhar de euros de impostos que podem ser devidos) e suscita por outro lado questões éticas, legais e até políticas que merecem ser discutidas e resolvidas antes de o mesmo ser empossado naquela qualidade se algum dia o vier a ser.

Se este problema surgisse com outro político da actual coligação " de direita" teríamos a horda de jornaleiros do Diário de Notícias ao Jornal de Notícias, passando pelas lourenças da tv a debruçarem-se sobre tema tão candente e essencial para a democracia, como certamente nos assegurariam, arrastando os demais media que não queriam ficar atrás do osso dado a roer.

Portanto, vamos a isso que se faz tarde, replicando o postal de 11 de Março de 2015:

 Segundo se escreve aqui,  A. Costa auferiu rendimentos por inteiro enquanto presidente da autarquia. 
Na declaração de rendimentos que apresentou no TC, há  cerca de €65.000,00 de trabalho dependente, correspondente ao vencimento na CML a que acrescem € 95.000,00 de trabalho independente, que se refere ao que ganhou na colaboração com a SIC e ainda  numa coluna de opinião no CM.

Ora segundo a lei aplicável aos autarcas, o presidente de câmara sem exclusividade  (ou seja, que tenha outros rendimentos de trabalho), só pode receber metade do vencimento. Ora A. Costa parece estar em regime de exclusividade e ao mesmo tempo partilha o tempo político e percebe rendimentos como comentador televisivo, acumulando por inteiro.

Será tal compatível com a referida exclusividade ou significa que afinal não existe tal regime na prática?
O artº 7º daquela lei 29/87  de 30 de Junho( alterada ao longo dos anos) diz assim:

Artigo 7.º

Regime de remunerações dos eleitos locais em regime de permanência

 1 - As remunerações fixadas no artigo anterior são atribuídas do seguinte modo:

a) Aqueles que exerçam exclusivamente funções autárquicas, ou em acumulação com o desempenho não remunerado de funções privadas, recebem a totalidade das remunerações previstas no artigo anterior;

b) Aqueles que exerçam funções remuneradas de natureza privada percebem 50/prct. do valor de base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito;

c) (Revogada.)

d) Aqueles que, nos termos da lei, exerçam outras actividades em entidades públicas ou em entidades do sector público empresarial não participadas pelo respectivo município apenas podem perceber as remunerações previstas no artigo anterior.

2 - Para os efeitos do número anterior, não se considera acumulação o desempenho de actividades de que resulte a percepção de rendimentos provenientes de direitos de autor.

3 - Para determinação do montante da remuneração, sempre que ocorra a opção legalmente prevista, são considerados os vencimentos, diuturnidades, subsídios, prémios, emolumentos, gratificações e outros abonos, desde que sejam permanentes, de quantitativo certo e atribuídos genericamente aos trabalhadores da categoria optante.



4 - Os presidentes de câmaras municipais e os vereadores em regime de permanência que não optem pelo exclusivo exercício das suas funções terão de assegurar a resolução dos assuntos da sua competência no decurso do período de expediente público.

Portanto, a única forma de o actual presidente da CML manter a legalidade na percepção de dois rendimentos compatíveis e por inteiro é se se considerar que aquilo que recebe da SIC é rendimento proveniente de direitos de autor.
Ou seja, só se a prestação televisiva ao nível do paleio fiado, interventivo e discursivo for considerada e remunerada como integrando o conceito de direitos de autor é que A. Costa não andará em ilegalidade ambulante.

E será tal prestação assimilável à de direitos de autor? Pois é ler a lei nº 63/85 de 14 de Março e interpretar o artº 7º em que se definem os domínio que estão fora do conceito de direitos de autor.

Na alínea c), a aplicável ao caso, diz a lei:

c) Os textos propostos e os discursos proferidos perante assembleias ou outros orgãos colegiais, políticos e administrativos, de âmbito nacional, regional ou local, ou em debates públicos sobre assuntos de interesse comum.
Portanto tudo se resume a saber se a prestação televisiva de A. Costa deve ser considerada como integrando o conceito de "direito de autor" que lhe permitirá auferir a "dois carrinhos", por inteiro. Caso contrário, temos mais um "caso".
A lei é esconsa a este propósito e a jurisprudência sobre tal assunto desconhecida dos neófitos e mesmo de profissionais. 
Quid juris?

  Aditamento:

 Escreve o Sol online:

A questão não tem sido, no entanto, pacífica do ponto de vista jurídico. E já se tinha posto quando Pedro Santana Lopes era presidente da Câmara da Figueira da Foz em 1998.
Na altura, a Direcção-Geral da Administração Autárquica, respondendo a um pedido de parecer de Santana, entendeu que as colaborações que o social-democrata realizava no jornal A Bola, no Diário de Notícias e na RTP afectavam a dedicação em exclusividade ao cargo de presidente da Câmara Municipal.
Em resultado disso, Santana viu reduzido o seu vencimento para metade: 1.532,81 euros.
Santana Lopes haveria, porém, de recorrer em 2003 para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que lhe deu razão.
Na sentença, o juiz reconheceu a Santana “o direito de poder, em simultâneo, com o exercício do cargo de presidente da Câmara, redigir e fazer publicar artigos de opinião em órgãos de comunicação social (...), sem que isso determine uma redução de 50% da remuneração, por tal actividade revestir natureza artística ou literária”.
Curiosamente, na altura em que a acção deu entrada António Costa era ministro da Administração Interna e resolveu não recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que beneficiava aquele que era já por essa época presidente da Câmara de Lisboa.
Em resultado disso, Santana Lopes recebeu cerca de 75 mil euros que tinha deixado de auferir graças ao parecer da DGAI. 


Pois agora é que tudo se complica. A decisão "jurisprudencial" do TAF de Sintra, em 2003, tomava como referência a redacção da Lei nº 28/87 de 30 de Junho, particularmente o seu artº 7º, na redacção que vigorou até 2004, altura em que a lei foi alterada, tendo-o sido noutras ocasiões posteriores, como se pode ver aqui.  A redacção actual que é de 2006 manteve nos mesmos termos a redacção desse artigo e particularmente a alínea b): autarca que exerça funções remuneradas de natureza privada, percebe apenas 50% do vencimento oficial e de função pública.
A não ser que essas "funções remuneradas" o sejam a título de direitos de autor...

E portanto lá vamos cair outra vez no que se deve entender por direitos de autor, para o caso concreto.

A lei de 2003, aplicável a Santana Lopes- o D.L. 63/85 de 14 de Março- dizia textualmente o seguinte no seu artigo 7º nº 1 al. c), redacção dessa época e que vigora  até hoje porque não foi alterado:

c) Os textos propostos e os discursos proferidos perante assembleias ou outros órgãos colegiais, políticos e administrativos, de âmbito nacional, regional ou local, ou em debates públicos sobre assuntos de interesse comum;

Ou seja, este tipo de intervenções aqui definidas não se devem considerar como sendo passíveis de integração em direitos de autor e portanto obrigaria os que perceberem rendimentos dessas tais funções remuneradas de natureza privada a perceber apenas 50% do vencimento como autarcas.

A decisão do  TAF de Sintra, como é fácil de compreender não deve fazer jurisprudência sobre este assunto e de modo a poder ser extrapolada para o caso concreto de A. Costa.

Haverá mais jurisprudência sobre isto que seja válida e aceitável juridicamente como interpretação que todos podem fazer perante a letra e o espírito da lei que acima se publica?

Não se trata de saber se tais funções são compatíveis. Trata-se apenas de saber se A. Costa poderia receber " a dois carrinhos" e por inteiro.

Continua a pergunta e A. Costa é jurista: quid juris?

Depois de ter escrito isto em Março, uma melhor indagação permitiu dilucidar a questão jurídica.

O acórdão do STA de  8.10.2014 sobre tal assunto da natureza de direitos de autor atribuídos ao comentarismo avulso em tv, como era o caso de António Costa, ficou assim definido:

I - O direito de autor coenvolve direitos exclusivos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público com percepção de remuneração) e direitos morais (reivindicação da paternidade e garantia da genuinidade e integridade).
II - Os rendimentos provenientes das obras literárias beneficiam da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS (art. 56º, correspondente ao actual art. 58º, do EBF). A finalidade deste benefício fiscal é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizado pelas obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias.
III - Em regra, porque não são criadas nem apreciadas como arte, não podem ter-se como obras literárias as participações, como comentador, entrevistador ou debatente, em programas de estações televisivas e de radiodifusão
.


Portanto, não sendo tais comentários passíveis de tributação como se fossem provenientes de direitos de autor, deve em conformidade ajuizar-se se o dito António Costa pagou os impostos devidos e se esteve em funções na autarquia, em conformidade com o tempo parcial que a lei lhe impunha, nesses casos...

Parece-me claro que estas questões serão evitadas a todo o custo pelos media avençados ideologicamente e apostados em conduzir "o Costa" ao altar da governação onde nunca mais se tocará no assunto.

Por isso mesmo, torna-se obrigatório indagar e não ter receio destes "casinhos" que são um caseirão.


Questuber! Mais um escândalo!