sexta-feira, novembro 20, 2015

A nostalgia de um reino imaginário

A defesa da monarquia como regime político viável, no Portugal da actualidade e futuro próximo, parece-me projecto utópico e próprio do reino das quimeras onde viceja um draco-rex a lançar-chamas de luzincu.
O que é uma Utopia? Não há definição fácil mas é possível juntar algumas noções.  Não sendo filósofo nem me arrogando conhecimentos que não tenho, procuro o saber de outros para compreender minimamente o assunto.  Para o Saber acabado e embalado em vácuo  prefiro  os originais, sem  precisar muito de intermediários enfeitados como intérpretes. 

Ou seja, cito directamente quem sabe muito mais e já deu provas disso.  Para o caso, volto ao Norberto Bobbio do Il Dizionario di Politica. Assim as ideias aqui  expostas  a arremedar gnosiologia são apenas glosas.
Assim, nem toda a gente que escreve sobre utopias será utópico.  "O lugar inexistente" associa-se ao "Lugar da felicidade"?
Karl Mannheim em 1929 definia a mentalidade  utópica  como algo "em contradição com a realidade presente e a quebrar  os vínculos da ordem existente. "
 Esta definição integrará  a ideologia revolucionária e a ideologia conservadora?  Adequa-se   aos  revolucionários da esquerda dos amanhãs a cantar, os verdadeiros utópicos  e também aos conservadores, os   ideólogos,  que almejam uma monarquia de reizinhos e pajens, com os palafreneiros fardados e uma corte de imperiais cavaleiros dos  findos  tempos de antanho?
 A literatura entrou no campo da Utopia como terreno de eleição e a obra farol é a de Tomás Moro  que glosava o "Lugar inexistente" com o lugar da felicidade, na busca do Estado óptimo, bem como a de Campanella, com a Cidade do Sol.  Mas não é destas utopias que aqui curamos.
Numa acepção mais generalizada o utópico  "não pretende a destruição da realidade actual, que aceita no que tem de melhor , para a qual a sociedade que desenha é uma projecção sua na qual os aspectos positivos aparecem maximizados. "
Naturalmente um utópico recalcitrante denega o efeito e assegura que a possibilidade está ao alcance da vontade de quem se prestar ao cuidado de tentar lobrigar o que eles vêem claramente: a ilusão em lança-chamas de luzincu.
Portanto, discutir com utópicos é como pasmar a chover no molhado, figurando como paspalho.
Os amanhãs hão-de cantar um dia e o reizinho, se a Regeneração  quisesse e a Restauração assim o permitisse, chegaria  noutro dia, de nevoeiro denso, de preferência para dramatizar o efeito da ópera-bufa.
O sonho com os amanhãs a cantar só tem paralelo na promessa de um harém de virgens que esperam ansiosas cada bombista-suicida  feito kamikaze.  O sonho com o reizinho é ainda mais fantabulástico  na fancaria: contenta-se até com um qualquer bastardo que apareça na rifa dos pretendentes ao trono por inventar. Daí, até poderiam adorar o sol, sempre é o astro-rei...e já aconteceu com outros povos e noutros lugares.
Em Portugal esta causa real está entregue a uma associação irrelevante e quase anónima e a pajens do género  draco-rex a  brilhar luminescências de pouco fósforo. Não há luz natural suficiente para alumiar caminhos e a artificial está pelas horas da falta de recursos.
Entre os associados figuram  individualidades que projectam auras de causas perdidas e os demais  devem celebrar a causa com um efectivo e real  empenho em ocasionais encontros prandiais e pouco ou nada mais.
O monarca proposto?  D. Duarte Pio de Bragança, da casa dita. Simpática personagem de uma causa perdida há  mais de um século.  
A prole de pequenos príncipes já deve seguir as pisadas do pai, pretendente sem trono obrigado a fazer pela vida perante uma  realidade  inconsistente com uma utopia de restauração.
Quanto ao resto deve ser "viva o rei!" aquando das saudações prandiais.  A simpática agremiação merece louvor por recordar a família alargada e com vínculos de sangue realista configurando-se na sociedade como associação elitista atestada pelos pergaminho no Tombo. Os castelos foram levados pelo tempo e as casas senhoriais perderam as honras por usucapião.
No entanto, durante os últimos cem anos os bravos adeptos da causa real deixaram progredir e prosperar o jacobinismo reinante sem um pio dos ascendentes de  D. Duarte. 
A causa real rendeu-se a Salazar e não houve Pio  que se ouvisse, claro está, uma vez que o Pio que se viu apareceu pela primeira vez a dar vivas à cristina republicana do MFA, logo em 1974. Foi assim:
  "Vivo intensamente este momento de transcendente importância para a Nação. Dou o meu inteiro apoio ao Movimento das Forças Armadas e à Junta de Salvação Nacional"...

Era mesmo preciso fazer esta figura naqueles trajes?  É desta elite que surgirá o tal rei de Portugal e dos Algarves, como afiança o lança-chamas de luzincu?

Mais: depois de um hiato de vinte anos silenciosos para com a real causa e respeitosos para com a causa real do regime vigente,  apareceu na  Olá, sem grandes teres ou haveres, ainda a taramelar ideias feitas em sussurro e  não concitou carisma ou real crédito. 
 Casou com o grande estrépito dessa revista e desde então o real Pio calou-se outra vez, para não assustar a manhã de nevoeiro que virá...um dia, qualquer dia....
Os pajens fazem coro nesse silêncio, cantando o hino que já ninguém conhece e servirá de santo e senha para entrar na dita associação.
É deste nadir que surge a ideia salvífica de um  lança-chamas quimérico e utópico.

Pois bem, neste devir nostálgico de um tempo que nunca foi vivido e num espaço inatingível, o melhor é irem dar banho ao cão pois por aqui se pode ver a dimensão quimérica da utopia real: a mordedura do mesmo cura-se com o pelo do dito.

Quanto à questão latente acerca da causa real de Salazar, parece-me que não vale a pena entrar em apostas porque os jogos estão feitos.

Revista Resistência de Julho/Agosto de 1977, um dos últimos expoentes de uma direita portuguesa que então ainda resistia a tudo e a todos os que regiam o país.

Os artigos em causa de que se colocam  recortes são  da autoria de Barradas de Oliveira ( o primeiro) e António José de Brito ( o segundo). Ambos concluem o óbvio: se Salazar era monárquico guardou segredo de tal coisa e era séria porque o levou para a tumba...que está no Vimieiro.

  Por outro lado, a direita que estes dois autores representam também foi com eles para a tumba. O que resta são apenas lança-chamas de luzincu que nem dão para alumiar discursos antigos lidos à pressa.
Daí às utopias é a distância de um sonho.


 


Questuber! Mais um escândalo!