Desde o dia 25 de Abril de 1974 ou mais propriamente da
semana a seguir a esse dia que a Esquerda comunista e socialista tomaram a
palavra pública em Portugal e nunca mais a largaram, em grande escala mediática.
O discurso da esquerda tornou-se perversor na sociedade
portuguesa desde então e nunca mais se ouviu
na mesma escala outro discurso que não esse.
E qual é esse discurso de esquerda? Em primeiro lugar a
vituperação bem sucedida do anterior regime como "fascista" sem que
alguém pudesse contrapôr o epíteto "comunista" com a mesma carga
pejorativa e ideologicamente marcada de efeito deletério eficaz.
Apesar de o regime anterior, particularmente o dos cinco
anos de governo de Marcello Caetano, pouco ou nada ter de verdadeiramente
fascista, na acepção que o termo deve comportar, a verdade é que a designação
pegou em antonomásia completa e redundante, de tal modo que toda a expressão
mediática hoje em dia se refere a esse regime como o regime fascista e é assim
que se ensina nas escolas, desde a infância em livros escolares.
Foi essa a principal vitória de esquerda comunista e
socialista em Portugal: mudar a linguagem de tal forma que os termos deixaram o
significado corrente e saltaram a semântica.
É qualquer coisa de formidável o que sucedeu
porque assente numa manipulação ideológico-política que se transportou para as
ideias correntes e comummente aceites e até
com expressão constitucional.
Em segundo lugar e decorrente dessa exclusão a Esquerda
assumiu desde logo o discurso do anti-sistema capitalista, com a proposição de
outro sistema cujas variáveis assentam sempre numa ideia básica: em primeiro
passo foi a protecção dos operários, camponeses , soldados e marinheiros e com a
evolução social, uma modernização semântica se operou: a defesa dos trabalhadores.
O propósito é imbatível culturalmente e se for acrescentado
de proclamações grandiosas de defesa dos mais desfavorecidos e da supressão das
desigualdades sociais, ganhador absoluto de eleições em todas os actos que se sucederam
em Portugal. Foi-o desde logo, em 25 de Abril de 1975 e continua de há quarenta anos a esta parte.
Com discursos de circunstância adaptados ao correr dos
tempos, essa Esquerda conseguiu implantar no texto fundamental da Constituição,
em 1976, essa ideia básica e determinante: Portugal como sendo um país apostado
em "abrir caminho para uma sociedade socialista", que é a redacção do
preâmbulo que subsiste até hoje nessa Constituição. Esse texto, ainda mais radical em 1976 porque defendia abertamente o caminho para uma sociedade sem classes, estabelecendo claramente uma matriz comunista, foi votado favoravelmente, em compromisso ou não, por todos os partidos representados na AR com excepção do CDS. Sabe-se porém, por declarações do seu líder de então, Freitas do Amaral ( e é ver onde foi parar...) que o partido não se reclamava de direita alguma, mas sim de centro e até socialista. Sobre isto estamos conversados e espanta que ninguém se sirva destas evidências para atirar às lourenças de agora a estupidez que ostentam.
O que oferecia a esse propósito a Constituição do anterior regime, até 1974?
Nenhum preâmbulo e no Título I a referência à "Nação
Portuguesa". No artº 5º e também no 6º fazia referências programáticas ao
que o Estado devia fazer pelos cidadãos: definição do Estado Português como uma
República unitária e corporativa, baseada na igualdade dos cidadãos perante a
lei, no livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e na
interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa
e na feitura das leis. ( artº 5º). No
parágrafo único desse artigo definia o que se devia entender por
"igualdade perante a lei": " envolve o direito a ser provido nos
cargos públicos, conforma a capacidade ou serviços prestados, e a negação de
qualquer privilégio de nascimento, de nobreza, título nobiliárquico, sexo ou
condição social, salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua
natureza e do bem da família, e, quanto aos encargos ou vantagens dos cidadãos,
as impostas pela diversidade de circunstâncias ou pela natureza das
coisas."
No artº 6 definiam-se os.
objectivos que incumbiam ao Estado e que eram também iminentemente sociais, para todas as "classes".
Portanto, essa Constituição era anti-jacobina por excelência
e de esquerdismo tinha o que é comum na natureza humana tal como entendida
nesse tempo. Falava em "classes" porque elas existiam e sempre existiram, mesmo nos sítios onde se proclamou a sua abolição, com as classes dirigentes das vanguardas das datchas e privilégios.
A Constituição de
1976 que perdura essencialmente até aos
dias de hoje foi obra dessa Esquerda, em
amálgama comunista e não comunista, ou seja socialista tendência
social-democrata.A ideia básica que se instilou no texto foi a da luta de classes, uma ideia de esquerda marxista.
Lutar contra esta Constituição e contra as ideias que
defende é um imperativo de quem não se conforma com tal Estado de coisas. E por isso é necessário mostrar que é filha
da Esquerda e portanto um rebento
bastardo do que deve ser uma sociedade equilibrada.
Por isso mesmo não concordo com esta exposição de ideias simples salpicada de impropérios irrelevantes.
Essencialmente, as ideias de Esquerda em Portugal
concentram-se nessas duas acepções ideológicas.
São de algum modo a demonstração do triunfo das ideias de
Gramsci, o pensador italiano da ideia de hegemonia cultural. Gramsci que morreu em 1937, passou onze anos nas cadeias de
Mussolini, o verdadeiro fascista titular indiscutível do epíteto degenerado pela esquerda comunista.
Segundo Gramsci e copiando ideias da revista quinzenal francesa
Society, num número recente ( 30 de Outubro a 12 de Novembro) a
criação da hegemonia cultural carece de influência num universo de ideias, de
símbolos e imagens no qual o povo se
reconheça. Torna-se necessário exercer um
peso sobre a filosofia, a criação artística e a língua. Gramsci era de extrema esquerda e as suas
ideias servem de referência para quem quiser combater as hegemonias culturais,
sejam elas quais forem.
Em Portugal, portanto, estou convencido de há décadas que a
hegemonia cultural é de esquerda e por isso não me canso de o apontar e dizer.
Significa tal coisa que luto pela inversão ideológica e pela
derrota da esquerda em favor de uma direita qualquer ? Nem tanto.
Essa direita qualquer actualmente não existe em Portugal e os poucos
utópicos que se reclamam dessa direita qualquer são do género barata tonta com
feromonas concentradas de salazarismo.
É uma direita serôdia que não sai do beco onde se meteu por incapacidade
em alterar o sentido por influência
nefasta dessas feromonas com prazo ultrapassado.
Vive da utopia reinante e actuam os seus próceres como
pajens da fantasia, sempre frustrada pela inconsequência ideológica e de
sentido alterado pelo humor variável e renitente ao bom senso.
Assim, essencialmente a questão que se coloca nos dias de hoje, na sociedade portuguesa que liga a estas coisas ( e deve ser infinitesimal e irrelevante para significar algo de importante e essencial) é determinar a origem do fenómeno, catalogá-lo, circunscrevê-lo e dizimá-lo, se for possível.
Sabendo-se que as ideias que não comungam necessariamente dos propósitos esquerdistas de igualdade geral e ilusória, de jacobinismo militante e de luta de classes constante são raras, esparsas e sem lugar definido porque não sustentam qualquer órgão de informação nos dias que correm ( com excepção de O Diabo, quase me esquecia de referir. Um jornal relativamente caro, semanal, graficamente mal feito e com necessidade de renovação de escribas ocasionais na opinião, mas ainda assim imprescindível para ler Pedro Soares Martinez), o que fazer senão fustigar as ideias de esquerda típica sempre que as mesmas pretendem passar por normal e corrente a sua explicação do mundo, da vida, das pessoas e das coisas?
A hegemonia cultural fez-se desse modo e denunciar tal situação é para mim um imperativo de consciência na medida em que o nosso mundo, assim, não está equilibrado e justo. E é esse o único valor que me anima: recuperar algum equilíbrio perdido na nossa sociedade.
Logo mostrarei como isto pode ter acontecido, no meu modesto entender.