segunda-feira, dezembro 11, 2017

O novíssimo nacional-jornalismo

Há qualquer coisa de errado no jornalismo nacional da actualidade.  Para além de um modo de relatar factos e acontecimentos reportados a um passado de certa forma inventado,  nota-se agora uma estranha obsessão em pintar esse  passado com as cores de fantasmas passados cuja manifestação tinha cessado há algumas décadas atrás.

A efeméride dos 50 anos das cheias de 25 de Novembro de 1967 na região de Lisboa é um bom exemplo desse fenómeno.

Reparei nisso quando li esta reportagem de lembrança da mesma efeméride no Público de 23 de Novembro de 1997, aquando dos 30 anos dessa tragédia.

Compare-se este escrito com os que agora foram produzidos no mesmo jornal e noutros da actualidade:


Nem Salazar ou o salazarismo. Nem o fascismo ou a censura. Nem a miséria apontada ao regime ou mesmo a responsabilização directa pela tragédia. Nada disso, apenas os factos ocorridos relatados pelas gentes que os viveu, com as histórias pessoais que ainda lembravam.

Em 1977, nos dez anos de tal acontecimento nada apareceu nesses jornais de então, nem sequer  lembrança da tragédia vivida ainda por muitos vivos na época.



Porquê agora este destaque e enfoque particular no regime de então, mais de 40 anos depois de o mesmo ter desaparecido? Porque é que todo, mas mesmo todo e sem excepção, o jornalismo actual adoptou agora esta narrativa particular dos acontecimentos?  Deve existir uma explicação para este aparecimento vivificado da nova fantasmagoria de antanho.


Uma que me parece plausível tem a ver com a doutrinação jornalística da actualidade. A primeira escola de jornalismo enquanto tal surgiu em 1968, com a chegada de Marcello Caetano ao poder, conforme se mostrou anteriormente ( Século Ilustrado de 30 de Novembro de 1968):


Os professores de então eram pessoas ligadas às letras e cultura, não necessariamente adeptos do regime. Houve logo 400 inscritos para a frequência do curso, incluindo directores de jornais e alguns desses alunos foram certamente redactores das notícias que saíram em 25 de Abril de 1974 e nos tempos que se seguiram.

As actuais escolas de jornalismo reflectem um pouco isto que no outro dia se publicava no suplemento do Sol. A propósito de um suicídio em directo, na tv, explicava a jovem jornalista que os suicídios não são notícia, geralmente e tal tem um propósito: o senso comum em evitar réplicas. Não sei porque não se aplica o mesmo raciocínio a outros fenómenos socialmente destrutivos, mas enfim uma coisa poderá dizer-se: a censura, antes de 25 de Abril de 1974 também tinha esse benemérito propósito e por isso já vi escrito que nessa época não se podia noticiar casos de suicídio porque a censura não permitia  o que obviamente colide com a justificação apresentada à luz actual mas coincide com a realidade desse modo distorcida.
Esta espécie de antonomásia  em que a censura figura um regime explica um pouco o fenómeno acima exposto: certos relatos jornalísticos explicam-se por outros motivos que não a censura estrita, tal como certos acontecimentos ocorrem à revelia de qualquer regime.


 Então porque se inventa, passados 50 anos, uma história que se reescreve segundo parâmetros explicativos que afinal terão pouco mais de uma dúzia de anos?
 
Por outro lado, a alteração dos critérios jornalísticos e a mudança de paradigma no modo como se relatam factos e acontecimentos, conduzem o leitor e espectador ao que vulgarmente se chama agora "pós-verdade" ou verdade substitutiva da realidade, por aditamento ideológico-político em substracto.

Portanto, uma grande mentira.

O que aconteceu ao jornalismo caseiro para que este fenómeno se espalhasse como fogo na palha de modo que se uniformizou e tornou paradigma?

Foram certamente as escolas, os professores e os exemplos de redacção. Quem dominou todo este panorama intelectual nas últimas décadas? Os mesmos que tinham dominado as anteriores, ou seja a esquerda.
E porque razão esta mesma esquerda não sentiu necessidade em atacar o regime de há 50 anos, quando ainda passavam dez ou vinte anos sobre tal efeméride?

Julgo que a resposta pode ser dada com este exemplo, do O Jornal de 25 de Novembro de 1977: nessa altura até um crítico de cinema se dava ao luxo de explicar o que era o "fascismo", subentendendo sempre que o anterior regime assim o era.


Hoje em dia não se escreve assim, mas reportam-se os acontecimentos desse passado enquadrando-os no sistema de valores e referências culturais que entretanto foram ensinados aos alunos de jornalismo e ao povo em geral. O discurso substancial permanece o mesmo, portanto a mudança foi apenas aparente.
O que mudou de facto foi apenas a forma de actualização histórica em que a verdade tem que coincidir com o relato ideológico subjacente. Mesmo que seja falsa.
O novíssimo jornalismo nacional é uma expressão do nacional-jornalismo, uma subspécie do totalitarismo.
Agora não se explica o que era o "fascismo", apenas se diaboliza o regime anterior através de invenções escritas e conceptuais  sobre fenómenos que não existiam enquanto tal mas se tornaram numa realidade alternativa destinada a explicar em modo actual e moderno o que dantes era reduzido a uma palavra e um conceito.
 Como essa linguagem passou de moda, permanecendo  apenas activa nos sarcófagos comunistas , inventou-se uma nova linguagem que é a que vemos em uso corrente. 
A Mentira, essa, é a mesma de sempre.

Questuber! Mais um escândalo!