terça-feira, dezembro 19, 2017

O PS é quem governa Portugal há mais de um quarto de século...

Observador, Rui Ramos:

No fim dos anos 80, com Cavaco Silva, o PSD esteve no poder durante uma das grandes fases de prosperidade da segunda metade do século XX. Desde então, porém, o PSD só tem governado durante os ajustamentos que se seguiram a épocas de expansão: logo em 1992-1995, e depois em 2002-2005 e outra vez em 2011-2015. Há portanto vinte e sete anos, que é o PS quem governa quando há dinheiro, e o PSD quando não há. Isso teve duas consequências. Primeiro, permitiu aos socialistas apagar a memória do “cavaquismo” e identificar o PSD com a “austeridade”, como se os ajustamentos fossem uma opção arbitrária do PSD, por ideologia ou sadismo. Em segundo lugar, privou o PSD da capacidade de cultivar aquele tipo de adesões que, na sociedade portuguesa, têm a ver com favores orçamentais ou contactos nos ministérios. A sua retracção municipal, por exemplo, alguma coisa pode ter a ver com isso.

O Partido Socialista tornou-se, entretanto, o “partido do Estado”, uma rede sectária de famílias e de velhas amizades, provavelmente a mais endogâmica organização política dos últimos 50 anos, que recobre a administração, as empresas públicas e as empresas com negócios com o Estado. Os seus dirigentes são ainda recrutados no mesmo grupo que chegou ao poder com António Guterres em 1995 e que depois rodeou José Sócrates. Há vinte e sete anos que Portugal é praticamente dominado pelo mesmo clã de amigos, alargado apenas para filhos e cônjuges. O projecto autocrático do socratismo, entre 2005 e 2011, deve ser encarado como um simples exacerbamento desse sistema, com cuja defesa, em 2015, a actual direcção socialista comprometeu o PCP e o BE
.

Daqui, em 2.12.2012, o mesmo tipo de análise:

Na sequência das eleições gerais de 1 de Outubro de 1995, o socialista António Guterres ganhou o direito a formar um governo. Governou de tal modo que  até Junho de 1999  nomeou  5597 pessoas. Só para os gabinetes ministeriais, a equipa de Guterres chegou a nomear 2132 pessoas, segundo estatísticas daqui.

Não obstante, em Março desse ano o Expresso dava uma capa da revista a 100 nomes que o PS considerava como "uma modernização" desse partido. Os restantes milhares apareceram como que por encanto. Com duas ou três frases-chave conquistou os votos da maioria dos eleitores. Falou em "no jobs for the boys" e em "paixão pela Educação". As pessoas estavam fartos de Cavaco e dos escândalos e desmandos. Dias Loureiro, não esquecer, era ministro...

Para arranjar estes 100 magníficos nomes, o PS tratou de modernizar a imagem e convocou uns "estados gerais",  ideia importada da internacional socialista.
O mesmo número do Expresso, de 18 de Março de 1985 explicava como se organizou esse conclave de nomes sonantes que nos anos a seguir nos governaram e tendo alguns deles se governado também. Estavam famélicos, eram uns zés-ninguém e foi o habitual "é fartar..."

Semanalmente Guterres reunia no Rato nomes como Pina Moura, José Lamego e um Vital Moreira, que estava presente por telefone, possivelmente por nessa altura ainda não ter direito a despesas de representação numa qualquer comissão de vencimentos numa empresa pública, como aconteceu pouco depois.
Para a pasta da Justiça, por exemplo, os nomes soavam a qualquer coisa que o futuro viria a revelar bem curioso: Miguel Galvão Teles, Sérvulo Correia ( que foi secretário do PSD uns anos antes...) José António Pinto Ribeiro ( acabou ministro da Cultura, por engano, no tempo de Sócrates) e até...Vital Moreira ( teria perdido a oportunidade de ir para as tais comissões de vencimentos das ep´s...). Vera Jardim ficou com o lugar até que outros dois nomes lhe sucedessem anos depois: os Albertos, Costa e Martins, lídimos maçónicos da tradição republicana. Os dois primeiros em vez da governação, prosperaram nas firmas de advocacia de parecerística.
Seja como for, um ano depois do "no jobs for the boys",  expressão pacóvia e para inglês ver, o Independente através do suplemento Vidas publicava este estudo em tom humorístico:


Com o governo de Guterres aparece o costumado fenómeno nacional: após a saída dos governos começam a mostrar-se os rabos de palha deixados. Os governos do PSD de Cavaco tinham rabos de palha que davam para incendiar de escândalos e processos penais todo o edifício do Ministério Público de então. No entanto, misteriosamente, tiveram sempre bombeiros ao dispor, de anomia feitos.
O PGR Cunha Rodrigues foi então pressionado para assumir a responsabilidade pela investigação desses escândalos, particularmente um deles que era central ao fenómeno da corrupção e tinha sido de algum modo destapado por João Cravinho, o ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território que se esfalfou para escaqueirar a JAE, o que logrou conseguir e escorraçar os sete magníficos que aí reinavam na administração.
Ao tempo o assunto que já tinha barbas desde o início dos anos noventa e dos governos de Cavaco, ganhou nova importância mediática como são testemunho estes recortes do Diário de Notícias de 17 de Outubro de 1998 e do Público de 13 de Outubro de 1998.
Tudo começou com uma denúncia envolvendo um empresário que disse ter perdido um contrato por ter recusado dar 150 mil contos ao PSD no tempo dos governos de Cavaco. É sabido que este tipo de financiamento não abrangia apenas o partido da oposição então no poder. É segredo de polichinelo que o MºPº se recusa a desvendar, desde esse tempo. Os partidos, sedes e gabinetes de responsáveis pela colecta dos partidos são uma espécie de santuário para o MºPº do DCIAP. Ninguém se atreve a incomodar tais entidades e como já anunciava em tempos um dos ditos, "quem se mete com o PS...leva!"
Tal foi oportunamente denunciado pelo general Garcia dos Santos que contou recentemente ao jornal i o que sucedeu com este João Cravinho, grande lutador contra a corrupção.

Jornal i- O eng. João Cravinho chama-o para limpar a casa, o senhor limpa, e depois zangam-se. O que se passou?
Garcia dos Santos- Fomos colegas no Instituto Superior Técnico. Houve um jantar de curso e nesse jantar o Cravinho a certa altura chama-me de parte e diz: “Tens algum tempo livre?”. E eu disse: “Tenho, mas porquê?”; “Eu precisava de ti para uma empresa”; “Que empresa?”; “Agora não interessa, a gente daqui a uns tempos fala”. Passado uns tempos chamou-me e disse-me: “Eu quero que vás para a Junta Autónoma das Estradas, mas não digas a ninguém que o gajo que lá está [Maranha das Neves] nem sonha”. O Cravinho deu-me os 10 mandamentos do que eu precisava de fazer na Junta, limpar a casa, obras que era preciso fazer, etc. Entretanto, comecei a conhecer a casa, dei a volta ao país todo e um dia disse-lhe: “Há aqui uma série de coisas que é preciso fazer e há 11 fulanos que é preciso pôr na rua”. Ele retorceu-se, chamou-me daí a dois dias, disse que era muito complicado. O problema é que era através de uma das pessoas que eu queria pôr na rua que passava o dinheiro para o PS.
 E não ficou por aqui, porque em 2009 já tinha falado no mesmo:

"Dois anos antes da chegada do general fora ordenada uma auditoria na JAE na sequência de afirmações do presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, Pedro Ferraz da Costa. Foram detectadas "actividades privadas geradoras de incompatibilidade legal". Mas - segundo a Procuradoria-Geral da República - em nenhum caso se evidenciaram "situações de corrupção ou de financiamento de partidos", precisamente o que Garcia dos Santos denunciou ao "Expresso" meses depois de ter renunciado à presidência da Junta.
"O engenheiro Cravinho e eu fizemos o mesmo curso no Instituto Superior Técnico", rememora o general. "Hoje apresenta-se como um paladino contra a corrupção, mas na altura recusou fazer certas coisas." Quais coisas? As respostas do general são crípticas: "Eu sabia de muitos empreiteiros?" Sim, mas quantos? "Vários, alguns..."
Garcia dos Santos exigiu a expulsão de "tal e tal e tal", funcionários da JAE. Cravinho aceitou mas acabou por recuar, o que levou o militar a pedir a demissão e a telefonar ao semanário de Pinto Balsemão. Na edição de 3 de Outubro de 1998 afirmou ter "quase a certeza absoluta" de que o governo sabia quais eram "as pessoas corruptas dentro da Junta".

 Portanto, em 1998, o assunto JAE que levou Garcia dos Santos ao então PGR Cunha Rodrigues tinha este contorno mediático, onde avultavam as guerras intestinas entre a PJ e o MP:


Como se pode ler, Cravinho "exigia" medidas contra a corrupção. Segundo Garcia dos Santos, quando teve o poder concreto de actuar contra uma corrupção concreta, nada fez. E depois foi para o BERD...nomeado pelos correlegionários de partido.
Cravinho? Cravinho? Não é para levar a sério...

Por isso mesmo, o grande Jorge Coelho, o tal do "quem se mete com o PS, leva..." foi tudo o que quis ser no partido e chegou onde nunca sonhou quando era mero amanuense na Carris. Tal como um Armando Vara que buzinava freneticamente na ponte sobre o Tejo quando o então ministro Dias Loureiro mandou para lá helicópteros para conter a fúria organizada de uns tais irmãos Pinto, presos alguns depois por tráfico de droga. O percurso de A. Vara ainda é mais espantoso e merece tratamento à parte.
Assim como é verdadeiramente espantoso o percurso pessoal de algumas personagens da vida pública. Até no futebol. Os "boys" do PS, associados aos do PSD tomaram literalmente conta do país em meia dúzia de anos, tendo a PGR visto passar os gambuzinos, com discursos muito afirmativos de direitos, liberdades e garantias que até faziam rir os especialistas do chico-espertismo lusitano.
 Como é que tal sucedeu?
 O Semanário de 10 de Maio de 1997 conta um caso exemplar como explica ao entrevistar Jorge Schnitzer despeitado pelos contratos entre a RTP e a Olivedesportos.

Repare-se como o despeitado Schitzer fala do dito quando o jornal o questiona sobre a origem da capacidade económica de Oliveira: " "não sei, mas uma boa ajuda terá certamente sido dada por este ruinoso contrato para o erário público celebrado com a RTP. Antes ele não tinha um tostão. Toda a gente se lembra de, em Saltillo, ele andar de martelo e pregos, de joelhos, a espetar a publicidadezinha nas placas. Ele só começou a ter dinheiro depois deste contrato com a RTP, verdadeiramente idiota para a empresa pública."

Apesar destas e doutras Guterres voltou a ganhar em 1999 em eleições e em 6 de Abril de 2002 arrumou a pasta declarando solenemente que se afastava por causa de um misterioso pântano que vislumbrou algures lá para os lados do Príncipe Real.
O sucessor declarou logo que o país estava de tanga. Mas não estava nada, segundo os correlegionários do bloco central de interesses que se seguiu e governou Portugal.
De tal modo que em 2004 um dos ministros de Guterres ( entre Março de 1996 e Novembro de 1997), Augusto Mateus,  dava uma entrevista ao Diabo de 24 de Fevereiro de 2004 em que declarava em tom premonitório que " não teremos futuro se se persistir  no modelo económico que vimos seguindo há duas décadas."
A entrevista notável não deve ter sido lida pelos então responsáveis pelos governos e o Euro 2004 foi uma festa. Tal como muitas outras que se seguiram...


Esta festa da Casa da Música só teve uma concorrente: precisamente a do Centro Cultural de Belém alguns anos antes. Pela mão do PSD...



Só uma pergunta depois deste apanhado: se houve pessoas responsáveis que alertaram a tempo e horas para o desastre nacional que se verificou, é legítimo fazer de conta que nada se passou e que quem assim governou tem apenas responsabilidade...política?
Aliás, o que é isso de responsabilidade política? Fugir do país durante algum tempo e regressar depois sem vergonha alguma? É isso?

EM TEMPO: 

“Todos aqueles que exerceram funções em Portugal têm uma responsabilidade, diz Guterres.
O antigo primeiro-ministro socialista António Guterres afirmou esta noite de sexta-feira que todos os que exerceram cargos públicos têm "uma responsabilidade" no estado actual do país, reconhecendo a sua parte na "incapacidade tradicional [de Portugal] para competir" com a Europa.
"Todos aqueles que exerceram funções em Portugal têm uma responsabilidade no facto de nós, até hoje, ainda não termos sido capazes de ultrapassar esses défices tradicionais, essa incapacidade tradicional para competir em plano de verdadeira igualdade com os nossos parceiros, nomeadamente no quadro europeu", afirmou António Guterres, em entrevista à RTP sexta-feira à noite.
"Ainda não fomos capazes - e eu próprio porventura também o não fui - de re-situar o país por forma a pudermos garantir aos nossos cidadãos melhores níveis de emprego e de bem-estar", reconheceu o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

Dizer isto de barriga cheia de ordenados chorudos pagos por instâncias internacionais é pouco.  É pouco porque se tal cargo ocupa deve-o em parte ao facto de ter sido primeiro-ministro e ter feito as asneiras que agora reconhece.
Enfim, é sempre o mesmo rock santeiro.

Este texto, acima,  foi escrito há cerca de cinco anos. Continua actual. 

Questuber! Mais um escândalo!