terça-feira, dezembro 05, 2017

Um Conselho Superior da Magistratura populista...

Observador:

Os juízes Joaquim Neto de Moura e Maria Luísa Arantes, do Tribunal da Relação do Porto, vão ser alvo de um processo disciplinar por causa da linguagem utilizada num acórdão sobre violência doméstica. A decisão foi tomada pelo plenário do Conselho Superior de Magistratura (CSM) esta tarde de terça-feira, mas não foi unânime.
 Segundo apurou o Observador junto de fonte do CSM, o órgão que regula e disciplina os juízes, o juiz desembargador Joaquim Neto de Moura terá violado os deveres de correcção e de prossecução de interesse público (na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa).

Para estas coisas há sempre uma norma jacobina, no caso a dos "deveres de correcção" que dará para tudo e o seu contrário.

 Os conselheiros do CSM ( gostava de saber quem foram mas aposto que foi a maioria de não magistrados que o compõem incluindo eventualmente o seu vice-presidente, Mário Belo Morgado) que decidiram a instauração de processo disciplinar a estes juízes sabem perfeitamente que  estes juízes não mereciam ser investigados disciplinarmente pelos motivos jurídicos que "evolam" do acórdão.
Vão sê-lo por motivações não jurídicas o que é uma injustiça.

Se o CSM quiser analisar opiniões vertidas em acórdãos de tribunais superiores, incluindo o STJ, poderia muito bem ocupar-se de outros casos que me parecem bem mais graves como já apontei por aqui, a propósito de considerações esparsas sobre o "conceito sociológico" de namoro, com consequências graves.

Esta decisão, na sequência da pressão mediática empolada e artificial que se gerou ( e o próprio presidente do STJ e do CSM referiu veladamente porque não é capaz de dizer o nome dos boys claramente) é por isso um reflexo populista que se há-de virar contra os juízes, em si. Um tiro que sairá pela culatra, dado pelo órgão de gestão e disciplina e de consequências imprevisíveis porque o que é injusto tem sempre repercussões funcionais. E os juízes em geral sabem que isto é injusto.


 ADITAMENTO:

O Público escreve sobre o assunto para dizer que há um "manifesto" de uns juízes, incluindo o pequenino Noronha a perorar sobre a independência dos juízes e da interferência do CSM. Tarde piaste, poderia dizer-se!
Não dei por tal "manifesto" mas na realidade está no sítio do sindicato dos juízes, perdão, associação sindical. E diz assim de um modo que não foi publicitado nos media tradicionais:

Os Juizes

Acontecimentos da vida judicial levaram antigos membros do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e antigos dirigentes da Associação Sindical dos Juizes Portugueses a tecer as seguintes considerações: 1- A independência dos Juizes não é um privilégio destes, mas uma garantia dada aos cidadãos; 2- A independência é garantia da imparcialidade e da isenção do Poder Judicial e de cada Juiz em particular;

3- O CSM deve ser, além de órgão de governo autónomo da judicatura, garante da independência de cada Juiz;

4- A independência não é uma abstracção. Deve estar presente na condução da marcha do processo, na disponibilidade da agenda e na globalidade da decisão; 5- Qualquer sentença ou acórdão só é atacável por via de recurso não sendo sindicável por qualquer outro meio nomeadamente por via administrativa; 6- Ao proferir uma decisão, o Juiz não tem que ser politicamente correto ou conformar-se com as 'modas' de maiorias, mas usar particulares cautelas nas suas formas de expressão não exorbitando os princípios constitucionais e legais a que está vinculado;

7- A liberdade de expressão não é uma 'liberdade de funil ', ampla para o comum dos cidadãos e restrita para os Juizes: porém, a judicatura, na actuação e decisões, tem de ser comedida de forma a gerar confiança na Justiça a todos que a ela recorrem e aos cidadãos em geral
.

Este manifesto diz o que não era preciso, embora seja bom recordar e não diz o que deveria, no caso concreto: que o linchamento mediático atingiu todos os juízes porque perverteu o sentido da crítica, aliás legítima à decisão da Relação do Porto no caso da violência doméstica, com pena de prisão suspensa.

Quis ser jacobino por que os pequeninos gostam de o ser.

 Por outro lado, o  sindicato dos juízes, sobre este assunto, "moita carrasco", nada, não se pronuncia. E devia. Por várias razões, uma das quais a notícia do Público esclarece.

 "Mário Morgado ressalvou que a decisão do conselho "não põe em causa o princípio da insindicabilidade das decisões judiciais", não vislumbrando por isso motivos para que gere receio ou desagrado entre os juízes."

Hipocrisia pura, naturalmente e pela seguinte razão: qual é o motivo da instauração do processo disciplinar? Aparentemente o da  violação de deveres de correcção e de prossecução de interesse público (na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa).

O acórdão subscrito pelos juizes do Porto tem essa virtualidade ou foram outros que lha emprestaram, aliás, indevidamente?

Porque é que o CSM não faz queixa à ERC sobre o assunto em causa?  Era o que devia fazer porque os media no seu conjunto, com a participação utilmente idiota de alguns komentadores,  prestaram-se a denegrir o bom nome dos Juízes e da Justiça, aproveitando um deslize pontual na liberdade de expressão de um juiz,  num acórdão cuja essência não contende com a decisão do caso, mas ao mesmo tempo, hipocritamente, atribuem-lhe tal importância.

Ou seja, pegam nas expressões polémicas que não contendem com os motivos reais da manutenção do decidido na primeira instância e dão-lhe o relevo que elas não têm.
Por outro lado se lhes dão esse relevo e o CSM faz eco disso mesmo, consideram então que sim,  que tiveram relevo na decisão e portanto, o CSM está a sindicar a decisão judicial que pela boca do seu vice-presidente Mário Belo Morgado afirma não o poder fazer.

Pior será difícil fazer.

Espera-se agora é que os subscritores do tal "manifesto" dêem a cara e respondam a esta ignomínia.

A propósito destes assuntos vale a pena voltar a ouvir o que dizia o antigo PGR Cunha Rodrigues, voluntariamente afastado destas lides mas cuja presença deveria ser exigida pelos media que o ignoram.

Em entrevista ao Expresso ( 8 de Outubro 1984) dizia assim a propósito da actuação dos magistrados no espaço público da opinião:


Há vinte anos, Cunha Rodrigues considerava que faltavam líderes na magistratura portuguesa.

O panorama hoje em dia é muito pior.A falta de líderes na magistratura deveu-se à cobardia dos magistrados, em geral e como dizia Cavaco Silva a propósito de um assunto que conhecia, "a moeda má tende a afastar e ocupar o lugar da moeda boa". É um princípio de um tal Grescham que significa o fenómeno de uma moeda sobrevalorizada tender a afastar a moeda subvalorizada.

Hoje há o Mário Belo Morgado, como líder de opinião e está tudo dito. Os outros juizes calam-se muito caladinhos ou correm o risco de apanharem o antigo director-geral a interrogá-los atrás de uma secretária sobre "os deveres de correcção e prossecução do interesse público".

Não é exagerado dizer que os juízes portugueses têm medo do CSM. E portanto não se sentem independentes. Se há pessoas que julgam isto pouco relevante é porque não entendem a essência da função judicial e ainda outra coisa: antes de 25 de Abril de 1974 isto não acontecia, deste modo. Não existia esse medo.

Talvez seja hora de perguntar porquê a estes que tanto gostam de vituperar o regime fassista do Salazar e afins.

Questuber! Mais um escândalo!