Observador:
Os juízes Joaquim Neto de Moura e Maria Luísa Arantes, do Tribunal da Relação do Porto, vão ser alvo de um processo disciplinar por causa da linguagem utilizada num acórdão sobre violência doméstica. A decisão foi tomada pelo plenário do Conselho Superior de Magistratura (CSM) esta tarde de terça-feira, mas não foi unânime.
Segundo apurou o Observador junto de fonte do CSM, o órgão que regula e disciplina os juízes, o juiz desembargador Joaquim Neto de Moura terá violado os deveres de correcção e de prossecução de interesse público (na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa).
Para estas coisas há sempre uma norma jacobina, no caso a dos "deveres de correcção" que dará para tudo e o seu contrário.
Os conselheiros do CSM ( gostava de saber quem foram mas aposto que foi a maioria de não magistrados que o compõem incluindo eventualmente o seu vice-presidente, Mário Belo Morgado) que decidiram a instauração de processo disciplinar a estes juízes sabem perfeitamente que estes juízes não mereciam ser investigados disciplinarmente pelos motivos jurídicos que "evolam" do acórdão.
Vão sê-lo por motivações não jurídicas o que é uma injustiça.
Se o CSM quiser analisar opiniões vertidas em acórdãos de tribunais superiores, incluindo o STJ, poderia muito bem ocupar-se de outros casos que me parecem bem mais graves como já apontei por aqui, a propósito de considerações esparsas sobre o "conceito sociológico" de namoro, com consequências graves.
Esta decisão, na sequência da pressão mediática empolada e artificial que se gerou ( e o próprio presidente do STJ e do CSM referiu veladamente porque não é capaz de dizer o nome dos boys claramente) é por isso um reflexo populista que se há-de virar contra os juízes, em si. Um tiro que sairá pela culatra, dado pelo órgão de gestão e disciplina e de consequências imprevisíveis porque o que é injusto tem sempre repercussões funcionais. E os juízes em geral sabem que isto é injusto.
ADITAMENTO:
O Público escreve sobre o assunto para dizer que há um "manifesto" de uns juízes, incluindo o pequenino Noronha a perorar sobre a independência dos juízes e da interferência do CSM. Tarde piaste, poderia dizer-se!
Não dei por tal "manifesto" mas na realidade está no sítio do sindicato dos juízes, perdão, associação sindical. E diz assim de um modo que não foi publicitado nos media tradicionais:
Os Juizes
Acontecimentos da vida judicial levaram antigos
membros do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e antigos dirigentes
da Associação Sindical dos Juizes Portugueses a tecer as seguintes
considerações: 1- A independência dos Juizes não é um privilégio destes,
mas uma garantia dada aos cidadãos; 2- A independência é garantia da
imparcialidade e da isenção do Poder Judicial e de cada Juiz em
particular;
3- O CSM deve ser, além de órgão de governo autónomo da judicatura, garante da independência de cada Juiz;
4- A independência não é uma abstracção. Deve estar presente na condução da marcha do processo, na disponibilidade
da agenda e na globalidade da decisão; 5- Qualquer sentença ou acórdão
só é atacável por via de recurso não sendo sindicável por qualquer outro
meio nomeadamente por via administrativa; 6- Ao proferir uma decisão, o
Juiz não tem que ser politicamente correto ou conformar-se com as
'modas' de maiorias, mas usar particulares cautelas nas suas formas de
expressão não exorbitando os princípios constitucionais e legais a que
está vinculado;
7- A liberdade de expressão não é uma 'liberdade
de funil ', ampla para o comum dos cidadãos e restrita para os Juizes:
porém, a judicatura, na actuação e decisões, tem de ser comedida de forma
a gerar confiança na Justiça a todos que a ela recorrem e aos cidadãos
em geral.
Este manifesto diz o que não era preciso, embora seja bom recordar e não diz o que deveria, no caso concreto: que o linchamento mediático atingiu todos os juízes porque perverteu o sentido da crítica, aliás legítima à decisão da Relação do Porto no caso da violência doméstica, com pena de prisão suspensa.
Quis ser jacobino por que os pequeninos gostam de o ser.
Por outro lado, o sindicato dos juízes, sobre este assunto, "moita carrasco", nada, não se pronuncia. E devia. Por várias razões, uma das quais a notícia do Público esclarece.
"Mário Morgado ressalvou que a decisão do conselho "não põe em causa o
princípio da insindicabilidade das decisões judiciais", não vislumbrando
por isso motivos para que gere receio ou desagrado entre os juízes."
Hipocrisia pura, naturalmente e pela seguinte razão: qual é o motivo da instauração do processo disciplinar? Aparentemente o da violação de deveres de correcção e de prossecução de interesse público (na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa).
O acórdão subscrito pelos juizes do Porto tem essa virtualidade ou foram outros que lha emprestaram, aliás, indevidamente?
Porque é que o CSM não faz queixa à ERC sobre o assunto em causa? Era o que devia fazer porque os media no seu conjunto, com a participação utilmente idiota de alguns komentadores, prestaram-se a denegrir o bom nome dos Juízes e da Justiça, aproveitando um deslize pontual na liberdade de expressão de um juiz, num acórdão cuja essência não contende com a decisão do caso, mas ao mesmo tempo, hipocritamente, atribuem-lhe tal importância.
Ou seja, pegam nas expressões polémicas que não contendem com os motivos reais da manutenção do decidido na primeira instância e dão-lhe o relevo que elas não têm.
Por outro lado se lhes dão esse relevo e o CSM faz eco disso mesmo, consideram então que sim, que tiveram relevo na decisão e portanto, o CSM está a sindicar a decisão judicial que pela boca do seu vice-presidente Mário Belo Morgado afirma não o poder fazer.
Pior será difícil fazer.
Espera-se agora é que os subscritores do tal "manifesto" dêem a cara e respondam a esta ignomínia.
A propósito destes assuntos vale a pena voltar a ouvir o que dizia o antigo PGR Cunha Rodrigues, voluntariamente afastado destas lides mas cuja presença deveria ser exigida pelos media que o ignoram.
Em entrevista ao Expresso ( 8 de Outubro 1984) dizia assim a propósito da actuação dos magistrados no espaço público da opinião:
Há vinte anos, Cunha Rodrigues considerava que faltavam líderes na magistratura portuguesa.
O panorama hoje em dia é muito pior.A falta de líderes na magistratura deveu-se à cobardia dos magistrados, em geral e como dizia Cavaco Silva a propósito de um assunto que conhecia, "a moeda má tende a afastar e ocupar o lugar da moeda boa". É um princípio de um tal Grescham que significa o fenómeno de uma moeda sobrevalorizada tender a afastar a moeda subvalorizada.
Hoje há o Mário Belo Morgado, como líder de opinião e está tudo dito. Os outros juizes calam-se muito caladinhos ou correm o risco de apanharem o antigo director-geral a interrogá-los atrás de uma secretária sobre "os deveres de correcção e prossecução do interesse público".
Não é exagerado dizer que os juízes portugueses têm medo do CSM. E portanto não se sentem independentes. Se há pessoas que julgam isto pouco relevante é porque não entendem a essência da função judicial e ainda outra coisa: antes de 25 de Abril de 1974 isto não acontecia, deste modo. Não existia esse medo.
Talvez seja hora de perguntar porquê a estes que tanto gostam de vituperar o regime fassista do Salazar e afins.